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Taxas e burocracia são obstáculos para ampliar restauração florestal no Brasil

Estudo aponta que isenção de parte das taxas atuais poderia tornar a silvicultura mais rentável que a pecuária e mais interessante ao pequeno produtor

Duda Menegassi ·
26 de outubro de 2020 · 3 anos atrás
A silvicultura pode promover a restauração florestal em áreas degradadas. Foto: Unsplash

O reflorestamento é uma das estratégias essenciais para garantir a proteção da biodiversidade e recomposição de habitats naturais. No Brasil, a burocracia e os altos custos são obstáculos para ampliar a restauração através da silvicultura de espécies nativas e torná-la mais viável e interessante financeiramente, principalmente para pequenos produtores. A conclusão é fruto de um estudo publicado pelo World Resources Institute (WRI) Brasil na última semana, que indica que o fim das taxas poderia tornar a silvicultura uma atividade mais rentável que a pecuária. A pesquisa aponta ainda a necessidade de ajustes nas legislações e normas vigentes para viabilizar a recomposição florestal em maior escala.

O estudo analisa como a exploração econômica de florestas nativas plantadas é estruturada em âmbito federal – a partir das regras do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) – e estadual, a partir dos contextos e normas específicas de três estados: Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.

A análise identificou que taxas associadas a processos de cadastro, registro, declaração de colheitas e transporte têm forte impacto na viabilidade econômica da silvicultura de baixo investimento (lenha) e de pequeno porte, e limita a participação de produtores rurais menores na atividade. Além disso, as regras operacionais do Sinaflor e lacunas nas legislações dos estados também seriam obstáculos ao produtor para recuperação e manejo florestal de nativas.

“As taxas federal e estaduais incidentes sobre a exploração econômica de florestas nativas plantadas podem ser suficientes para inviabilizar o negócio florestal, especialmente para pequenos produtores ou para produtos da silvicultura de baixo valor de mercado. Além de representarem um desestímulo ao investimento em florestas nativas, as taxas administrativas, fiscalizatórias e de produção (receita) podem representar um custo proibitivo ao produtor, sendo suficientes para inviabilizar o negócio”, conclui o estudo, que indica ainda que a desoneração desses tributos poderia fazer do plantio de florestas nativas, mesmo em pequena escala, mais rentável que a pecuária. “A isenção ou extinção das taxas não apenas poderia inverter a condição de inviabilidade econômica da silvicultura como fazê-la de duas a quatro vezes mais rentável do que as atividades convencionais”, descreve o estudo – que é assinado por quatro pesquisadores.

De acordo com a análise, ações efetivas de plantio tem custos altos associados, e a possibilidade de uso econômico dessas florestas pode custear parte da restauração, ainda mais se a atividade for desonerada de taxas que não contribuem efetivamente para o controle e gestão da atividade pelo estado.

Manejo florestal não se restringe mais só a madeira. Foto: Duda Menegassi

Além da diminuição das taxas, o estudo recomenda regras específicas para a exploração econômica de espécies nativas plantadas, tanto para Reservas Legais quanto para Áreas de Uso Alternativo do Solo, e a simplificação dos procedimentos relacionados a empreendimentos florestais.

“A legislação florestal brasileira traz aspectos que incentivam o reflorestamento com espécies nativas, mas ainda com um olhar no passado, ou seja, parte do pressuposto que a exploração madeireira de florestas nativas se dá essencialmente pelo extrativismo, o que não é mais verdade, pois o reflorestamento já se provou uma atividade altamente produtiva”, explica Luciana Alves, especialista em restauração florestal do WRI Brasil e uma das autoras do estudo.

Compromisso de restauração

Em 2015, na Conferência do Clima, o Brasil assumiu o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Para alcançar essa meta, dois ano depois foi elaborado o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que traça as estratégias para o reflorestamento. Uma delas é criar mecanismos eficientes que garantam o cumprimento da Lei de Proteção de Vegetação Nativa (Lei Federal nº 12.651/2012), com a recuperação de passivos de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal.

“Embora a lei federal dispense a exploração de florestas nativas plantadas de qualquer tipo de autorização, tal comando ainda não foi devidamente incorporado nas normas regulamentares, sujeitando a atividade a um conjunto de autorizações e taxas. A maneira como as normas estão regulamentadas atualmente não condiz com metas ou compromissos de recuperação de áreas degradadas para fins de segurança climática, hídrica e alimentar assumidos pelo país e pelos estados”, conclui o estudo.

Atualmente, estima-se que existam cerca de 19 milhões de hectares de áreas irregularmente desmatadas nas quais a vegetação nativa precisa ser recomposta, sendo 11 milhões em áreas de reserva legal.

Um estudo anterior, feito em 2017 pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o WRI Brasil, revelou que 39% das áreas degradadas da Amazônia e 46% das áreas degradadas do Pantanal têm alto potencial de regeneração natural. A pesquisa reforça, entretanto, que ações efetivas de plantio são fundamentais em biomas muito fragmentados, intensamente explorados ou mais vulneráveis à desertificação, como Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Nesses biomas, o estudo apontou que menos de 10% das áreas desmatadas têm alto potencial regenerativo.

Acesse o estudo Implicações da Legislação Brasileira na atividade de plantio de florestas nativas para fins econômicos

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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