Reportagens

Incêndios na região de Santarém em 2015 superam desmatamento em toda a Amazônia

Detectada pela ONG Imazon, área degradada atingiu 7,4 mil km2, um número 2,5 vezes maior do que a média de perda anual de floresta

Eduardo Pegurier · Paulo André Vieira ·
2 de outubro de 2016 · 8 anos atrás

Explore o mapa ativando ou não as camadas superpostas: unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos. Clique aqui para ver uma versão em página inteira do mapa

Ao fechar o boletim de junho passado sobre desmatamento na Amazônia, Antonio Fonseca, pesquisador da ONG Imazon, se deparou com um número espantoso: uma área total de degradação da floresta que somava 9,5 mil quilômetros quadrados, 50% superior a toda a área desmatada no bioma em 2015. “Assustou”, disse Fonseca. Do total, destacavam-se 7,4 mil km2 concentrados no município de Santarém e nos vizinhos de Mojuí dos Campos, Uruará, Juruti e Belterra. “A área era maior do que qualquer coisa semelhante que já havíamos visto em toda a Amazônia”.

Sediado em Belém, o Imazon é famoso por monitorar o desmatamento em paralelo ao órgão do governo, o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). Seus boletins mensais são conhecidos pela sigla SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento) e mostram números divididos entre desmatamento total e degradação — áreas que sofreram incêndios ou retirada de madeira.

A degradação medida em junho/2016 representava uma área tão grande, que o Imazon buscou métodos adicionais de verificação antes de publicar o achado.

Os 7,4 mil km2 são iguais a 740 mil hectares. Cada hectare se equivale a um campo de futebol. Então, a área queimada era equivalente a 740 mil campos de futebol, um pouco menor do que toda a região metropolitana de São Paulo, que engloba a cidade de São Paulo e mais 38 municípios. Quem já sobrevoou São Paulo, sabe o que isso significa. Dentro da área afetada cabem 26 vezes o Parque Nacional de Itatiaia. Se ela fosse um quadrado perfeito, cada um dos quatro lados teria 86 km de extensão.

A equipe do SAD recorreu a imagens do sensor AWiFS, montado em um satélite indiano, que consegue monitorar áreas com um vigésimo do tamanho (0,31 hectares) da área mínima detectada pelo sensor MODIS (6,25 ha), usado como base para o boletim SAD.

O monitoramento por satélite da floresta amazônica é limitado pela cobertura de nuvens. E a área atingida ficou nublada por dois largos períodos: de agosto a novembro de 2015, e de janeiro a maio de 2016. Assim, os “olhos” mais precisos do satélite indiano conseguiram registrar que a área queimada ainda era verde em julho de 2015, mas havia se transformado em um tom marrom uniforme, que denotava fogo, em dezembro.

O número de focos de queimada nos municípios atingidos, monitorados pelo INPE, confirmavam a conclusão: havia um pico entre julho e dezembro de 2015.

Os suspeitos de sempre

“A região é área de fronteira agropecuária — leia-se, onde o desmatamento avança sobre a floresta. O valor da terra local está aumentando com a chegada da infraestrutura de transporte”

O mapa interativo acima mostra a região atingida. No entroncamento entre os rios Tapajós e Amazonas está Santarém, 300 mil habitantes, 2a cidade do Pará fora da região de Belém, que abriga um grande porto de embarque de soja. A cidade é cortada pela rodovia federal BR-163, hoje, o principal eixo de grandes desmatamentos na Amazônia, principalmente mais ao sul, em Novo Progresso e Castelo dos Sonhos.  Na altura de Rurópolis, a uma distância em torno de 200 km de Santarém, a BR-163 se encontra com a BR-230, a Transamazônica.

No mesmo mapa, em tom vermelho aparecem as áreas degradadas pelo fogo. Em verde, duas unidades de conservação, a Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns e a Floresta Nacional do Tapajós. Três polígonos menores mostram as terras indígenas Maró, Bragança-Marituba e Munduruku-Taquara. Finalmente, em azul claro, estão assentamentos de reforma agrária do INCRA.

Esse conjunto forma condições ideais para uma região de pressão de desmatamento: áreas vulneráveis pela falta de fiscalização e/ou regularização fundiária cercadas de rodovias e um porto que proveem os meios para acesso a terras e escoamento de produção agropecuária. E, de fato, boa parte das áreas queimadas se superpõem a assentamentos, unidades de conservação e terras indígenas.

Mas como uma área de 740 mil hectares, no entorno de Santarém, pode ser tomada por incêndios e isso só ser notado por imagens de satélite cerca de um semestre depois, em junho de 2016? O incêndio não foi notícia local, não foi visto do chão?

“Infelizmente, não é uma situação isolada, casos como esse são comuns”, lamentou Alberto Setzer, coordenador do programa de Monitoramento de Queimadas do INPE. “E pior”, continuou, “os incêndios na floresta não apenas são provocados por gente, como, em parte, se transformarão em áreas desmatadas”. Setzer explica que os incêndios começam anos antes do desmatamento completo. Da primeira vez, a floresta degradada se recupera, mas com a repetição acaba devastada.

“Se a imagem está marrom, não tem erro, foi fogo”, confirma Dalton Valeriano, responsável pelo Programa Amazônia, também do INPE.

Ninguém viu

“A degradação mata animais e reduz a biodiversidade. Também empobrece o solo, gera emissões de carbono e polui o ar com impacto sobre a saúde de populações no entorno”

A reportagem de ((o))eco procurou o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, conhecido como Prevfogo, que é parte do IBAMA, e também o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o  ICMBio, que tem responsabilidade de combater fogo dentro de unidades de conservação. Nenhum dos dois órgãos tinha informações imediatas ou geradas em campo sobre os acontecimentos na região de Santarém. Mas o Prevfogo respondeu rápido com uma análise do caso (veja gráficos no fim do texto).

“Deve ter sido uma multidão de pequenos focos de incêndio que aos poucos queimaram uma área grande”, diz Gabriel Zacharias, coordenador do Prevfogo.

O apanhado de entrevistas desta reportagem com especialistas em monitoramento de desmatamento e queimadas acrescenta outros aspectos. A região é área de fronteira agropecuária — leia-se, onde o desmatamento avança sobre a floresta. O valor da terra local está aumentando com a chegada da infraestrutura de transporte. No entanto, o plantio de soja não costuma recorrer a queimadas. Elas devem ter sido provocadas para conversão de solo (desmatamento), provavelmente para uso em pecuária. Os incêndios costumam sair de controle, fato agravado pelo forte El Niño de 2015, que reduziu a quantidade de chuvas. Em princípio, a maior parte da área que queimou é formada por florestas primárias, mas a extensão foi tal que indica que a mata já sofria com algum grau de degradação, pois florestas intactas dificultam que o fogo se espalhe.

Depois de confirmar a degradação detectada em junho, no início de setembro o Imazon divulgou os dados sobre esta grande queimada. Além disso, também fechou o número de degradação na Amazônia para o ano inteiro (medido entre agosto de 2015 e julho de 2016). Ele somou 15 mil km2, quatro vezes maior do que os alertas de desmatamento do SAD para o período, e quase 2,5 vezes maior do que a média de desmatamento medida pelo INPE entre 2010 e 2015.

Como é a única fonte independente do governo que produz dados regulares sobre desmatamento na Amazônia brasileira, quando o Imazon divulga números ruins, eles costumam repercutir nos grande jornais do país. Não foi o caso com esse surto de degradação em torno de Santarém. Apesar da  ONG ter se esforçado para chamar atenção para o ocorrido.

O desmatamento é mais grave que a degradação, mas ela tem seus próprios problemas. Mata animais e reduz a biodiversidade. Também empobrece o solo, gera emissões de carbono e polui o ar com impacto sobre a saúde de populações no entorno. Se tudo isso não fosse bastante, para os especialistas, a degradação de hoje é um forte indicador do desmatamento de amanhã.

 

Imagens de satélite e dados

As duas imagens abaixo mostram o ‘antes’ e ‘depois’ das queimadas. Na primeira, toda a área de floresta ainda aparece verde.

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Imagem de satélite, sensor AWiFS, de julho de 2015. Fonte: Imazon

Cerca de 4 meses depois, a situação já era bem diferente e as partes queimadas adquiriram um tom marrom uniforme.

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Imagem de satélite, sensor AWiFS, dezembro de 2015. Fonte: Imazon

 

No gráfico abaixo, repare como em 2016 a área de degradação atingiu 15.043 km2, um valor 4,2 vezes maior do que a área de alertas SAD de desmatamento, de 3.579 km2.
O número de focos de queimada dispara nos meses entre agosto de 2015 e fevereiro de 2016, com o pico máximo em novembro/15

Focos-calor
Fonte: Prevfogo/Ibama

 

Quando as bolas vermelhas dos milhares de focos de queimada (entre agosto/15 e junho/16) são superpostas sobre os municípios de Santarém, Mojuí dos Campos, Uruara, Juruti e Belterra, elas formam uma mancha semelhante a detectada pelo sensor AWiFS, utilizado pelo Imazon para refinar a análise da degradação.

focos-calor-santarém
Fonte: Prevfogo/Ibama

 

Choveu pouco em 2015 comparado com à média entre 1981 e 2010. Isso ajuda a explicar a extensão da área queimada. Embora os incêndios quase sempre comecem por ação humana, seus promotores podem perder o controle sobre ele. Neste caso, o fenômeno El Niño agravou a situação, pois choveu menos.

pluviometria
Dados INPE, fonte: Prevfogo/Ibama

 

A reportagem agradece ao Imazon, INPE e Prevfogo/Ibama pelo rápido fornecimento de dados e imagens que facilitaram a compreensão dos fatos

 

 

 

Em direção ao desmatamento zero

Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation

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  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

  • Paulo André Vieira

    Produtor Editorial formado pela UFRJ, atua em ((o))eco desde 2007 escrevendo sobre geojornalismo e cuidando da edição e gestão do site.

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