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TAC da Carne no Pará: MPF diz que ninguém está livre do desmatamento

Passados 10 anos do início dos acordos com os frigoríficos, nova rodada de auditorias aponta menos irregularidades, mas ainda há brechas para gado de desmatamento chegar ao mercado

Fernanda Wenzel ·
13 de novembro de 2019 · 4 anos atrás
O procurador do MPF Daniel Azeredo (à direita) apresenta os resultados das auditorias da rodada de 2019, ao lado do colega Ricardo Negrini. Foto: Chico Atanásio

Dez anos depois da assinatura dos primeiros TACs da Carne no Pará, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta terça-feira (12) o resultado da segunda leva de auditorias dos acordos. Esses relatórios são uma ferramenta de controle para saber se os frigoríficos estão cumprindo o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado entre eles e o MPF, de não comprar gado para abate de áreas desmatadas ilegalmente, de terras indígenas, unidades de conservação e de empregadores na lista de trabalho escravo. Um número de 23 frigoríficos do Pará realizou auditorias, que encontraram irregularidades — quebra de regras do acordo — em 6,25% das cabeças de gado adquiridas. O pior resultado foi o do frigorífico Flávio DR Nobre, cujo gado teve quase 80% de origem com problemas. Já as empresas com melhor desempenho foram Mafrinorte e Agroexport, com zero irregularidades detectadas na suas compras. 

Entretanto, no evento do MPF que divulgou os números, chamou a atenção a franqueza do Procurador Daniel Azeredo, um dos principais responsáveis pela formulação do Termo de Ajustamento de Conduta, em 2009: “Nenhuma empresa hoje que compra da Amazônia pode dizer que não tem gado vindo de desmatamento em sua atividade produtiva (…) Nenhuma empresa frigorífica e nenhum supermercado também”. Segundo Azeredo, ainda existem três formas de brechas que fogem ao controle da própria auditoria e do MPF. A primeira são as irregularidades que podem ocorrer nos fornecedores indiretos. Normalmente, um mesmo animal passa por diversas fazendas ao longo da vida, nas fases de cria, recria e engorda. O frigorífico, no entanto, confere apenas a conformidade ambiental da última fazenda, de onde o boi sai para o abate. A segunda brecha é a falsificação ou adulteração do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um documento autodeclaratório. É possível, por exemplo, que o proprietário modifique o limites de sua propriedade para deixar de fora uma área desmatada ilegalmente, e assim evite que a fazenda seja bloqueada pelos sistemas de monitoramento automatizados dos frigoríficos. A última brecha exposta por Azeredo é a lavagem ou esquentamento do gado, quando o animal criado em uma área irregular é vendido como se tivesse saído de uma área “limpa”.

“Nenhuma empresa hoje que compra da Amazônia pode dizer que não tem gado vindo de desmatamento em sua atividade produtiva (…) Nenhuma empresa frigorífica e nenhum supermercado também”Daniel Azeredo, MPF

Assim como em 2018, quando divulgou-se os resultados das primeiras auditorias, o MPF optou por não punir os frigoríficos com mal desempenho, contrariando as próprias regras do TAC, que prevê a aplicação de multas nos casos de compras de gado de áreas irregulares. Azeredo defende a decisão: “a gente entende que o processo de punir tem que se focar nestas empresas que não assinaram TAC ou não têm auditoria”. Sete empresas que assinaram o acordo não entregaram auditorias. Para estes casos, assim como para os frigoríficos que sequer assinaram o TAC, os procuradores voltaram a pedir ao Ibama que os fiscalize. Porém, o Ibama ignorou três pedidos anteriores e, agora, o MPF não descarta instaurar suas próprias investigações. 

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, discorda da decisão de não aplicar as multas previstas pelo TAC. Cita o exemplo do MPF do Amazonas, que decidiu multar um frigorífico em R$ 3,8 milhões por descumprimento do acordo. “Acho que é um caminho importante seguir, senão o progresso vai ser muito lento”, diz Barreto. Ele também ressalta que a inação dos varejistas piorou a performance dos acordos. As grandes redes de supermercados, por exemplo, não deixaram de comprar carne de empresas que com alto nível de irregularidade nas auditorias divulgadas em março de 2018. 

Mudança nas regras facilita desempenho da JBS 

Márcio Nappo, diretor de sustentabilidade da JBS. Foto: Chico Atanásio

Entre os resultados, destaca-se o salto da JBS em apenas um ano. A primeira rodada de auditorias, referente às compras de 2016, detectou irregularidades em 19% das cabeças de gado compradas pela JBS.  Nesta nova rodada, referente a atividade de 2017, o percentual caiu para 8,3%. Márcio Nappo, diretor de Sustentabilidade da JBS, afirma que a melhora se deve ao aperfeiçoamento dos parâmetros de avaliação: “A grande questão era o desalinhamento de regras técnicas. Na medida em que a gente tem conseguido dialogar com o Ministério Público, explicar onde estão estas distorções técnicas e implementar melhorias na definição dessas regras, você vê que naturalmente a JBS evoluiu”.

“Assim como em 2018, quando divulgou-se os resultados das primeiras auditorias, o MPF optou por não punir os frigoríficos com mal desempenho, contrariando as próprias regras do TAC”

De fato, houve mudanças importantes nas regras das auditorias entre 2018 e 2019. Descartou-se registros de desmatamento até 22 de julho de 2008, porque eles foram anistiados pelo Código Florestal. Além disso, áreas desmatadas com menos de 6,25 hectares saíram da análise dos auditores. Por fim, frigoríficos que tiveram menos de 30% de irregularidades nas auditorias anteriores – como é o caso da JBS – puderam restringir as compras auditadas a 50% dos maiores fornecedores e 5% dos fornecedores menores. 

“Penso que estas três regras permitiram a algumas empresas melhorar o percentual sem de fato terem feito o trabalho de checagem e controle da entrada de boi na indústria”, afirma Jordan Timo, sócio-diretor da Niceplanet, uma das empresas de geomonitoramento que assessoram frigoríficos na compra de gado. 

Empresas que assinaram o TAC mas não entregaram auditorias:

  • Boi Branco Comercial Exportação e Importação de Bovinos LTDA
  • Couro do Norte
  • Frinort Tomé Açú
  • Wellard do Brasil Agronegócios
  • SOCIPE – Cooperativa da Ind. Pecuária do Pará
  • KAYAPÓS Fabril e Exportadora LTDA
  • BR Comércio de Carnes

A Minerva, que está entre as três maiores indústrias do setor, ao lado da JBS e Marfrig, obteve 99,7% de conformidade. Do outro lado, a Marfrig segue sem assinar o TAC da Carne no Pará, e por isso não entregou sua auditoria ao MPF. A empresa realiza apenas as auditorias anuais previstas no Compromisso Público da Pecuária, outro acordo de sustentabilidade na cadeia da pecuária

MPF estabelece teto para 2020

No ano passado, o MPF já havia determinado a criação de um teto de animais por propriedade, como forma de evitar o esquentamento de gado. Ou seja, os frigoríficos deveriam suspeitar quando uma fazenda quisesse comercializar um número animais superior à sua capacidade. A determinação, que não foi cumprida este ano, será uma das exigências da próxima auditoria. Assim, propriedades que tiveram mais de 2,5 animais por hectare deverão passar por uma avaliação mais detalhada dos frigoríficos.

O MPF determinou ainda que os frigoríficos que compraram mais de 20% de cabeças de gado irregulares deverão analisar todas as suas compras na próxima auditoria. Já as empresas que obtiveram um número abaixo de 20% podem continuar a fazer auditorias por amostragem.

 

 

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Em direção ao desmatamento zero

Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation

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  • Fernanda Wenzel

    Fernanda Wenzel é jornalista freelancer especializada em Amazônia e meio ambiente.

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