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“Quem não se preocupa com o meio ambiente passou a dominar as ações”, diz Alceo Magnanini, aos 93 anos

Um dos mais respeitados ambientalistas do Brasil, Alceo Magnanini lança livro aos 93 anos e critica PIB como métrica para aferir desenvolvimento das nações: “O Brasil é um país sem objetivo”

Emanuel Alencar ·
28 de maio de 2019 · 5 anos atrás
Prof. Alceo Magnanini. Foto: Antonio Batalha.

Alceo Magnanini, 93 anos, quebrou o silêncio. Um dos mais respeitados ambientalistas brasileiros, membro do grupo que delimitou a parte sul da Amazônia e um dos organizadores do Código Florestal Brasileiro de 1965, esse engenheiro agrônomo falou a ((o))eco na última quinta-feira (23/05) sobre os destinos da política ambiental no Brasil, rememorou histórias e manifestou profundo desconforto com o futuro das sociedade brasileira: “Quem não se preocupa com o meio ambiente, com a natureza, passou a dominar as ações”.

No bate-papo de mais de 50 minutos, Alceo se diz um “inocente útil” – ao fazer um mea culpa por ter apoiado o ex-governador Sergio Cabral –, critica o modelo de desenvolvimento do país e recorda quando peitou o governo militar e foi à Conferência de Estocolmo, em 1972, mesmo cortado da delegação oficial: “Diziam que não tinha desmatamento na Amazônia. Eu falei para um estudante olhar as imagens de satélite”.

Com 73 anos de serviços públicos prestados, dos quais todos com cargos relacionados à conservação e ao meio ambiente, o agrônomo lançou no Centro do Rio a segunda edição de seu livro “Como sobreviver – Um guia prático para salvar sua vida em situações difíceis (Edições do Buriti)”. Quando se fala em ambientalismo no Brasil, Alceo é início e meio – fim não, porque esse ativo paulistano que adotou o Rio ainda criança não pensa em fechar tão cedo as cortinas do teatro da vida.

O ambientalismo no Brasil

“Em [fevereiro] de 2005 eu disse a((o))eco que o melhor governo, do ponto de vista ambiental, ainda estava por vir. A questão permanece. Quem não se preocupa com o meio ambiente, com a natureza, passou a dominar as ações hoje em dia. Em prol de lucro, vale tudo. Antigamente se falava em qualidade de vida. O paradigma hoje é: ganhe dinheiro. Ganhou dinheiro, está resolvido. Quem mais produz do país? Os contrabandos de armas, drogas e de animais silvestres. Esses três contrabandos movem quase tudo. Eleva o PIB, mas é uma estupidez. Esse índice, repudiado há duas décadas, voltou com força. Preconizamos o desenvolvimento a qualquer custo. O Brasil é um país sem objetivo”.

Prof. Alceo Magnanini em entrevista ao repórter Emanuel Alencar. Foto: Antonio Batalha.

“Desde Marquês de Pombal, o governo estabeleceu que o brasileiro precisava acabar com as florestas e transformá-las em plantações. A madeira gerou o poder naval de Portugal e foi o primeiro produto responsável pela dominação dos povos. A Europa teve um desenvolvimento fabuloso e faz-se rica, riquíssima com nossa dilapidação. Não importa o governo, sempre houve processos de corrupção”.

Código Florestal de 1965

“Em 1965 foi feita uma lei florestal [Alceo foi um dos formuladores], que apelidaram de Código, e de lá para cá a situação só piorou. Naquela época não se falava em meio ambiente, mas em florestas, aí embutido solo clima e por aí afora. A visão do ambiente era vinculada à do Ministério da Agricultura. Essa visão volta agora a ter força. Os governos passaram a ser feitos pelos políticos, e não pela sociedade. Mais do que isso: a técnica servindo aos políticos e não o contrário. Um político pode fazer um governo adequado, mas deve ter bases ecológicas, conservacionistas”.

Conferência da ONU de Estocolmo, de 1972

“Eu estava na comissão oficial, que representava o Ministério da Agricultura na conferência [da ONU sobre o Meio Ambiente] de 1972. Eu era do Parque Nacional da Tijuca, e a diretoria geral de todos os parques era vinculada à Agricultura. O General Silvio Pinto da Luz, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), me disse que eu iria a Estocolmo: “O senhor fala inglês?”. Eu disse: “Mais ou menos”. E ele: “Então o senhor vai representar o Ministério da Agricultura na Eco-72”.

“Houve então uma reunião, no Palácio do Itamaraty, para a aprovação de um relatório que seria lavado à Suécia. Começaram a ler os relatórios e o representante do Ministério da Saúde disse que tinham lançado, em cinco anos, 100 toneladas de DDT nos igarapés da Amazônia para combater a malária. Na hora eu me levantei e me posicionei contra aquele absurdo. Me identifiquei como representante do Ministério da Agricultura: “Dessa forma o Ministério da Agricultura não pode assinar o documento”. Todo mundo gelou. Expliquei que o DDT [primeiro pesticida moderno] não faria efeito nenhum no combate à malária.  Pelo contrário, estava provado que aquela ação só atingiria 1% dos insetos, justamente os inimigos biológicos do [mosquito do gênero] Anopheles.

Lançamento do Livro Como Sobreviver. Foto: Antonio Batalha.

“Acabei cortado da delegação. O General Silvio Pinto da Luz me disse que haveria um contingenciamento e que eu não iria. Eu respondi que então estava saindo de férias no dia seguinte e que iria a Estocolmo como cidadão. É que, paralelamente, a WWF realizou uma reunião só de estudantes, a Bioeco-72, independente de governos. O lema era: “governo não entra”. Eles bancaram minha ida. Nesse evento, que acabou sendo um sucesso de público, um jovem perguntou se era verdade que não havia desmatamento na Amazônia, como sustentava o governo. Eu respondi: “É só olhar as imagens de satélite, e não os relatórios oficiais”.

APPs

“Não existe mais Área de Preservação Permanente (APP) no Brasil. O que é dito APP dentro de um parque permite uso público, abrir trilhas, gente andando lá dentro. Deixa de ser uma APP e passa a ser conservação. Para a natureza não existe preservação ou conservação. Reserva biológica pode ter visita com fins educacionais? Algo contrário ao espírito da lei? Isso é porque os políticos substituíram os técnicos”.

Inocente útil

“A sociedade está dividida em três categorias: os completamente ignorantes, os inocentes úteis (dos quais os conservacionistas, como eu) e os que não se manifestam. Cheguei a dizer, em uma reunião, que com o Cabral (ex-governador, condenado pela Lava-Jato) entrávamos numa nova era, um novo descobrimento no Brasil. Imagine… Eu fui um inocente útil. Eu disse isso em praça pública, em Niterói. Estavam usando o meu nome para fazer propaganda utilitarista. O sistema deixa as pessoas ignorantes, ou melhor, ensina as pessoas a serem ignorantes. Quer uma pessoa pura e honesta? Fale com uma criança com menos de 3 anos de idade”.

Ai de ti, Rio

“A indisciplina carioca é fabulosa. E continuamos com uma cidade de trânsito cada vez mais caótico. Pequenas áreas ainda podem ser consideradas paraísos ambientais. Tiraram tudo o quanto foi madeira de lei do Rio para a construção naval. As madeiras que sobraram foram aproveitadas na construção civil, quando não havia tijolo aqui. Quanto instalaram as olarias tiveram que cozinhar a argila com… madeira. As matas então foram todas derrubadas, não sobrou área virgem. Eu gostaria que o Rio pudesse retomar ao estado primitivo”.

Mudanças Climáticas

Prof. Alceo Magnanini. Foto: Antonio Batalha.

“A perturbação da grande massa de energia que vem do Sol pode ser natural? Ninguém sabe. Mas que o homem, com sua atitude, está intensificando, isso é inegável”.

Nomeações políticas

“Eu ainda sou assessor do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Mas infelizmente as nomeações são convenientemente políticas. Não há sustentabilidade naquilo que não tem base ecológica”.

Fé?

“Sou agnóstico [aquele que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana]. Analiso tudo e chego a uma conclusão. Previsão para o futuro? Nenhuma. Talvez o homem poderia se salvar como espécie, ao longo de 200, 500 anos, com a ajuda de um planetoide ou de placas continentais que se arrebentem e destruam o planeta. Os hindus dizem que o mundo foi destruído quatro vezes. Estamos no quinto processo”.

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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