Reportagens

‘Podíamos ter plantado o triplo’, afirma dono de viveiro de mudas sobre meta olímpica de 2016

Marcelo Carvalho, da Biovert, diz que apenas 13 mil mudas estão no Parque Radical, em Deodoro, com recursos de compensações ambientais – mas havia capacidade para reflorestar 40 mil

Emanuel Alencar ·
21 de agosto de 2020 · 4 anos atrás
Marcelo Carvalho comanda o maior viveiro de produção de mudas nativas em todo o Estado do Rio de Janeiro, a Biovert. Foto: Divulgação/Biovert.

O engenheiro florestal Marcelo Carvalho, 67 anos, é um homem sem meias-palavras. Alia o sorriso constante no rosto com uma verve direta, sem rodeios. Desde 1992, ele comanda o maior viveiro de produção de mudas nativas em todo o Estado do Rio de Janeiro, a Biovert, no município de Silva Jardim, região das Baixadas Litorâneas. Durante esses vinte e oito anos, ajudou a restaurar a Reserva Biológica Poço das Antas e consolidou seu nome no mercado brasileiro. Sempre com demandas da iniciativa privada, diz não querer saber de projetos públicos e critica o desfecho da Floresta dos Atletas, em Deodoro, compromisso olímpico que ficou pela metade: “O Marcelo Queiroz (ex-secretário municipal de Meio Ambiente) conseguiu mais 60 hectares para plantarmos o resto. O Exército agora bloqueou o convênio. Acabou, já era. Eu tinha possibilidade de ter plantado até mais, algo como 40 mil mudas, o triplo”. Nesta entrevista, Carvalho dá nota 6,5 para o ministro Ricardo Salles, o controverso comandante da pasta ambiental de Jair Bolsonaro, e pede mais transparência no debate sobre o autódromo na Floresta do Camboatá: “Eu acho que os dois lados pecam por não falar a verdade”.

((o))eco: Por causa da pandemia, 30% dos viveiros de mudas de Mata Atlântica fecharam no Estado do Rio de Janeiro. Como vê o cenário para os próximos anos, passada a pandemia?

Marcelo Carvalho: Acho que a economia vai surpreender a gente. A verdade é que o país vem em crise desde 2016 e a Covid-19 só agravou. Em agosto, agora, já estamos vendo aumento forte da demanda por novos serviços, principalmente na área de construção e infraestrutura. Então vem uma coisa forte por aí. Muda é um produto difícil. É uma demanda ocasional, não existe demanda espontânea. Quando você está num momento como esse, as obrigações acabam sendo afrouxadas, não é um gênero de primeira necessidade.

Como está o balanço da Biovert? Tiveram que cortar folha salarial, demitir funcionários?

Mudas de pau-brasil. Foto: Divulgação/Biovert.

Não demitimos ninguém, mantivemos nossa força de trabalho, com 90 funcionários. O ano começou muito forte, houve uma demanda no início do ano, fevereiro foi espetacular. Março veio com a Covid e abril foi ruim. Voltou a melhorar em maio e em junho. Esboço de retomada bastante consistente. Temos feito para o Brasil inteiro. Da produção de mudas, 60% vai para recuperação de área degradada e 40% para a parte de arborização urbana. O nosso foco é Mata Atlântica. Vejo um caminho sem volta na compensação ambiental [para plantio] de matas ciliares, reservas legais. No centro-oeste as pessoas estão sendo mais exigidas. A tendência é aumentar. Estamos há 28 anos no mercado. Mas é lógico que a pandemia é um baque. [Eu tinha] quatro setores de produção e hoje eu tenho dois. No total tenho 30 hectares de produção, e a fazenda ocupa 750 hectares.

Cerca de 900 mil hectares no Noroeste Fluminense estão desbastados, são áreas degradadas. Como reverter essa dinâmica e principalmente fazer o gestor público entender que há um caminho econômico na área ambiental?

Num determinado momento aconteceu um equívoco, quando [o ex-governador] Sergio Cabral, lá atrás, autorizou que o Estado assumisse a responsabilidade pelas compensações ambientais. Eles estabeleceram um valor por hectare que, em algumas regiões, fica bastante complicado.  No caso do Noroeste, a restauração vai demandar maior parte do trabalho manual, mas tem que ter dinheiro. Se criou um problema onde não tinha. Existe uma cultura de que quem trabalha nessa área não pode ganhar dinheiro. Então eu não me envolvo. Não existe uma cultura de você buscar qualidade. Todo mundo sabe que é preciso investir em água, saneamento, mas ninguém foca no plantio. Alguns estados avançaram bastante, como São Paulo. Aqui complica. Como está a situação do Porto do Açu? Como está a recuperação do Comperj? Você sabe? Ninguém sabe. O valor hoje [da restauração] gira em torno de R$ 120 a R$ 150 mil reais para manter por quatro anos o hectare, com os índices estabelecidos pelo Inea. Só que se tira R$ 24 mil reais de impostos. R$ 20 mil de Processamento Digital de Imagens (PDI) por hectare, mais R$ 20 mil de parte administrativa e margem. Sobre o quê? R$ 76 mil por hectare é o preço que o Instituto Estadual do Ambiente [Inea] contrata. Não tem mágica. Um exemplo concreto: você vai gastar R$ 10 o metro quadrado de grama na sua casa. Isso dá 100 mil por hectare. Agora para cuidar por quatro anos eu garanto que isso vai ficar muito além de R$ 150 mil. É uma coisa que as pessoas não se tocam. É uma cultura do minimalismo. Eu vejo ONG participando de concorrência comigo. Tudo meu é privado. Os meus custos hoje são muito diferentes dos de março. Gasto com máscaras, desinfetantes, luva, menos gente nos alojamentos. A conta precisa fechar. Não funciona jogar a semente no chão e achar que vai dar tudo certo. Desde quando cercamento é técnica de recuperação? As pessoas têm que ver que isso é uma atividade comercial, como outra qualquer.

A Floresta dos Atletas não foi honrada pelas partes conforme previsto, e a Biovert plantou 13.725 mudas da Floresta dos Atletas. Você costuma dizer que poderia ter plantado 27.450, o dobro. Como analisa o cenário? A manutenção terminou?

Estou envolvido nesse processo desde 2015. O problema é que o dinheiro da Rio 2016 eu não recebi. Eu tinha dois projetos: o Comitê Rio 2016 se comprometeu a plantar 13.725 mudas e eu tinha recursos de medidas compensatórias para mais 13.725. Esse foi o acordo. Só metade foi feito. Paguei com dinheiro da compensação. A Patrícia Amorim [ex-secretária de Esportes da prefeitura e atual subsecretária de Legado Olímpico] tentou para caramba [ampliar o projeto], foi incansável. O [prefeito] Crivella tentou assumir isso, mas não conseguiu. Para nós, financeiramente, foi uma catástrofe, pois deixamos de receber R$ 3,3 milhões. O Comitê Rio 2016 não tinha dinheiro. O Marcelo Queiroz [ex-secretário municipal de Meio Ambiente] conseguiu mais 60 hectares para plantarmos o resto. O Exército agora bloqueou o convênio. Acabou, já era. Eu tinha possibilidade de ter plantado até mais, algo como 40 mil mudas, o triplo.

Como está o tamanho da Floresta dos Atletas, hoje?

“Após o evento, o Comitê Rio 2016 deveria assinar o contrato, mas se fez de morto porque não tinha mais dinheiro. Virou pó.”

O plantio grosso aconteceu em dezembro de 2019, numa área de sete hectares. Já tem muda maior do que eu (1,70 m). São 207 espécies de árvores. O objetivo foi ter 57 mudas para cada espécie. Ano que vem vai estar bem visível, em 2022 vai. A manutenção acabou em junho e vamos esticar até dezembro. Vamos tentar ficar até dezembro de 2021 ou 2022. A gente está tendo boa vontade da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAC), e vendo a possibilidade de aumentar o prazo de manutenção da floresta com dinheiro de compensação ambiental. Tem um pessoal imbuído da busca de resultados satisfatórios.

Mas havia contrato assinado com o Rio 2016?

O contato era entre a Cerimônias Carioca, a empresa responsável por organizar a abertura e o encerramento dos Jogos, e o Rio 2016. A Floresta foi um compromisso. Após o evento, o Comitê Rio 2016 deveria assinar o contrato, mas se fez de morto porque não tinha mais dinheiro. Virou pó.

Qual a sua opinião sobre o autódromo na Floresta do Camboatá?

Eu tenho vários amigos que defendem muito a Floresta do Camboatá. E veio esse papo de autódromo. É claro que sou mais voltado para a preservação da floresta. O que me causa certo espanto é que a floresta esteve esse tempo todo lá sem que ninguém movesse uma palha. E não vão cortar 200 mil árvores ali. Não adianta falar mentira. Isso seriam quase 2 mil árvores por hectare. Então eu acho que os dois lados pecam por não falar a verdade. A área de 200 hectares, mas em 120 tem floresta. É preciso fazer um estudo sério. Quais as espécies ameaçadas? Falta informação fidedigna. Precisa fazer um Censo florístico. “Ah, mas vai demorar muito”. Não interessa. A pista de Nürburgring [autódromo na cidade de Nürburg, na Alemanha] está dentro de uma floresta. A sociedade é que tem que decidir. A coisa mais sensata me parece ser em outro lugar. Mas nunca vi ninguém se movimentar para proteger [a mata do Camboatá]. Do outro lado de Gericinó tem 2 mil hectares de baixada alagada, pode fazer uma floresta de baixada lá também. As pessoas sabem disso? Vamos passar para a população a verdade, a informação correta.

“Há muito tempo a Fundação Parque e Jardins (PFJ) foi relegada a quinto plano”, diz Marcelo Carvalho. Foto: Divulgação/Biovert.

Como você avalia até agora a agenda ambiental do governo Jair Bolsonaro?

Eu acho que, da mesma maneira que falei da floresta, politizaram demais essa área. Muita coisa foi conduzida de maneira inadequada do ponto de vista da divulgação, da comunicação. A Amazônia é algo muito complexo para se divulgar da maneira que se divulga. Envolve nove países. Vem o Leonardo Di Caprio falar. O que ele sabe da Amazônia? Quero que você me mostre o órgão que tem exatamente a relação fundiária da Amazônia. Ninguém se preocupa em falar a verdade. Quanto à gestão do [Ricardo] Salles eu a considero de razoável para boa, na faixa de 6,5. O caminho certo é buscar soluções. Sou fã de algumas ONGs. Contribuo para o Médico Sem Fronteiras, para o ActionAid. São instituições que eu conheço e sei da seriedade. Mas vejo muita Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e muita ONG que não valem nada. Enquanto não sabemos a verdade, quem está onde e fazendo o quê, a Amazônia segue sendo motivo de cobiça do mundo todo. Acredito que tudo o que você faz com clareza, transparência e verdade, tende a dar certo.

Cidade que se orgulha de ter uma expressiva cobertura vegetal – as áreas verdes abrangem um terço de seu território –, o Rio sofre para manter as árvores de seus espaços públicos em pé. Vandalismo, doenças, espécies inadequadas são situações cotidianas. A arborização urbana do Rio é bastante falha. Há perda de qualidade, podas mal feitas. Como reverter esse quadro?

Há muito tempo a Fundação Parque e Jardins (PFJ) foi relegada a quinto plano. O pessoal foi se aposentando. São essas pessoas que sempre planejaram a arborização da cidade toda. A retomada é muito difícil. Mesmo assim, a gente tem feito plantios maravilhosos. Na Abelardo Bueno, na Barra, o canteiro central ficou lindo. A mesma ótima qualidade na Avenida Brasil, de Campo Grande a Santa Cruz. Então onde não houve depredação a coisa vai adiante. Dá para fazer direito. O Parques e Jardins de Madri tem continuidade de corpo técnico. Aqui virou moeda política, e esse desmantelamento começou com o Cesar Maia. A Comlurb [companhia de limpeza urbana da prefeitura do Rio] não tem como atender. Deve trabalhar com meta de 18% de atendimento. Antes tinham 10, 12 empresas de poda, de manejo. Como a Comlurb vai dar conta disso?

 

 

Leia Também 

Não adianta fazer restauração florestal e não proteger mata nativa

Baía de Guanabara: ecobarreiras reduzem vexame olímpico

Ironia: Exército abate mascote da Olimpíada

 

 

 

  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

Leia também

Juma era mascote do 1º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército. A onça foi abatida após ser exposta durante o revezamento da Tocha Olímpica em Manaus e escapar. Foto: Vandré Fonseca
Notícias
21 de junho de 2016

Ironia: Exército abate mascote da Olimpíada

A onça-pintada foi a espécie escolhida como símbolo da delegação brasileira. Em Manaus, depois de ser exibida no desfile da tocha olímpica, fugiu e acabou morta

Colunas
1 de agosto de 2016

Baía de Guanabara: ecobarreiras reduzem vexame olímpico

Paliativo criado há 13 anos, estruturas capturam lixo de 17 rios que deságuam na Baía, para abrandar poluição durante competições de vela

Reportagens
23 de setembro de 2019

Não adianta fazer restauração florestal e não proteger mata nativa

Brasil tem condições de cumprir a meta de restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, mas esforços serão em vão se continuar perdendo mata primária

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Cyl Farney C de Sá diz:

    Esse senhor Marcelo deveria, antes de falar: ler sobre o assunto e se informar antes de falar asneiras. A floresta do Camboatá só está em pé pelo fato do Exército brasileiro tomar conta da área desde que adquiriu a área, salvo engano em 1910. Mas, é só ler sobre o histórico da área e saber sobre os impacto de duas explosões de paióis de munição entre 1950/1960, salvo engano. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro levantou dados dessa área a pedido do Batalhão de Forças Especiais entre 1985/1987 e a área era de circulação restrita pelo fato de existirem explosivos espalhados em todo o terreno. A regeneração natural, Sr. Marcelo faz o trabalho que o Sr. faz, e a baixo custo! O Sr. Marcelo deve estar de olho em nicho de mercado para fazer essas criticas, então seria bom se informar melhor sobre a postura dos técnicos. O Sr. Marcelo é usuário de dados científicos e deveria ter mais respeito com quem os gera. Aproveito para informar ao Sr. Marcelo que as Forças Armadas tem diversas áreas no território brasileiro, inclusive no Estado do Rio de Janeiro e relativamente próxima de seus negócios , que são comparáveis a Unidades de Conservação. A floresta do Camboatá é tratada como tal, pelo Exército Brasileiro e por quem a conhece: técnicos em flora e vegetação e os ex Comandantes dessa área.
    Cyl Farney C. de Sá/Biólogo