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O Caribe não é aqui: estudo revela aspectos que distinguem Abrolhos dos demais recifes de corais

Pesquisadores utilizaram a maior e mais longa série temporal de dados de cobertura bentônica do Atlântico Sudoeste e mostram a importância dos estudos de longo prazo em recifes tropicais

Carolina Lisboa ·
28 de fevereiro de 2021 · 3 anos atrás

Os recifes tropicais estão sendo severamente impactados pelas mudanças climáticas e por ameaças locais como má qualidade da água e sobrepesca. Na região de Abrolhos, conhecida por abrigar a maior biodiversidade marinha de todo o Oceano Atlântico Sul e onde estão os mais extensos recifes de corais do Brasil, um grupo de pesquisadores busca responder até que ponto vai a resiliência desses ecossistemas.

Após coletarem a maior e mais longa série de dados de cobertura bentônica para recifes de zona turva do Atlântico Sudoeste, 14 pesquisadores do Rio de Janeiro, Paraná e Espírito Santo observaram que, embora tenha permanecido estável e sem mudanças de dominância, houve declínio do coral em um recife perto de um local de disposição de dragagem. “Precisamos entender os recifes brasileiros para manejá-los bem. Estamos propondo novos mecanismos para compreender como funcionam os recifes de Abrolhos, e esses parecem ser bastante diferentes daqueles já descritos para o Caribe, por exemplo”, ressaltou Rodrigo Leão de Moura, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) do CNPq (PELD Abrolhos) e um dos autores do estudo. “Esse é um trabalho que consolida a quebra de alguns paradigmas. O Caribe não é aqui!”.

O estudo foi publicado recentemente na revista científica Plos One. Os pesquisadores observaram que, ao longo de 13 anos, os recifes de Abrolhos sustentaram uma cobertura de coral estável e não foram registradas mudanças de dominância em nível regional, embora tenha havido declínio do coral em um dos recifes estudados, por estar perto de um local de disposição de dragagem. “Não estamos mostrando que os recifes de Abrolhos não estão sob risco, nem tampouco que não estão declinando. Muito pelo contrário”, explicou Moura. “As anomalias climáticas e os empreendimentos mal planejados tiveram um papel bastante negativo nas últimas décadas”.

O estudo lista os principais estressores climáticos e antrópicos que contribuíram para a deterioração dos recifes de coral de Abrolhos. Dentre eles, estão o estresse térmico e o branqueamento dos corais, a turbidez da água, as doenças dos corais, as barragens e o uso do solo, a urbanização e a industrialização, as dragagens e a sedimentação, os desastres da mineração e a pesca e gestão marinha. Os autores concluem que é fundamental conter esses estressores locais, uma vez que a reversão e restauração tendem a se tornar cada vez mais difíceis, à medida que os recifes são degradados e as mudanças climáticas se intensificam.

Em entrevista para ((o))eco, Rodrigo Moura nos detalha algumas particularidades e conclusões do estudo.

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((o))eco: De maneira geral, como está a situação dos recifes de Abrolhos? O que mudou ao longo desse tempo de monitoramento?

O pesquisador da UFRJ Rodrigo Moura em mergulho para estudas os recifes de Abrolhos. Foto: Arquivo pessoal.

Rodrigo Moura: A cobertura de corais permaneceu relativamente estável, com flutuações ligadas principalmente a eventos climáticos extremos. E houve uma exceção notável em um local próximo ao ponto de descarte de uma operação de dragagem do setor de papel e celulose. Nesse local o declínio da cobertura coralínea foi acentuado. A previsão de que a dragagem não afetaria os corais, divulgada no início do processo de licenciamento, se mostrou completamente equivocada. Infelizmente, quando o princípio da precaução é violado, é necessário muito esforço e tempo para demonstrar o dano ambiental.

O foco dos ambientalistas profissionais esteve sempre na questão da ampliação do Parque [Parque Nacional Marinho dos Abrolhos]. Ampliação essa que pode até ser positiva se feita de maneira adequada. Mas que não irá proteger os recifes contra os empreendimentos poluidores na costa e nem contra os impactos do clima.

No artigo vocês mencionam que a região de Abrolhos é uma “zona de água turva”. Como a alta turbidez da água afeta as comunidades bentônicas?

A maioria dos recifes brasileiros ocorre em áreas de turbidez elevada. E por isso são chamados de “turbid zone reefs”. Não é uma peculiaridade de Abrolhos, mas Abrolhos é o principal exemplo de recifes de zona turva no Atlântico Sul, onde ocorrem poucas espécies adaptadas à turbidez elevada e altos níveis de nutrientes. Apesar dessas condições, que são hostis para a maior parte das espécies de corais, a cobertura coralínea de Abrolhos é elevada, comparável à de alguns recifes do Caribe e do Indo-Pacífico.

E com relação às “mudanças de fase” nos corais? O que seriam e como afetam os recifes? Os recifes de Abrolhos estão passando por esse processo?

Os ecossistemas existem em um regime de equilíbrio dinâmico, ou seja, a abundância dos organismos co-varia, ao longo do tempo, no entorno de um determinado nível. Ora sobe, ora desce. Essa capacidade de retorno ao estágio inicial é conhecida como resiliência. Quando ocorre o fenômeno de mudança de fase há uma alteração na abundância dos organismos dominantes e o recife perde parte da sua resiliência. O processo mais conhecido é aquele que ocorre quando os corais deixam de ser os organismos dominantes e o recife passa a ser recoberto por algas, cianobactérias e outros organismos de crescimento rápido.

“Monitoramentos de longo prazo são essenciais para se detectar as grandes mudanças ao longo do tempo.”

Em Abrolhos, foi nítida a mudança de fase acentuada no recife mais afetado pelo descarte das dragagens, contrariando as expectativas iniciais quando do licenciamento da atividade.

Monitoramentos de longo prazo são essenciais para se detectar as grandes mudanças ao longo do tempo. Estudos curtos, ou comparações entre áreas, são limitados para se construir um entendimento sobre como o ecossistema recifal responde ao clima e aos estressores locais, como a poluição e a sobrepesca.

Nos recifes mais próximos da costa (onshore) vocês detectaram uma alta densidade de macroalgas não palatáveis e, portanto, não controladas pelos peixes herbívoros. Acreditava-se que essas algas poderiam “sufocar” os corais, mas isso não foi observado. Como essas algas podem ser benéficas para os corais?

Eu não chamaria as macroalgas de benéficas, mas nós temos demonstrado que, nos recifes brasileiros, elas não são as vilãs que se imaginava. Esse é um paradigma do Caribe que parece não corresponder à nossa realidade.

Temos um trabalho recente em que as mesmas colônias de corais foram acompanhadas ao longo de uma década. Surpreendentemente, as colônias das áreas com menos macroalgas declinaram mais rápido do que as colônias em áreas com mais macroalgas. Esse processo está ligado às cianobactérias, inimigas número um dos corais, que não são inibidas pelas macroalgas. Não é especulação nem conjectura. São dados de uma década de observações contínuas.

Importante pontuar duas questões: (1) Não temos evidências de que a alta cobertura por macroalgas é um fenômeno recente no Atlântico Sul, ou nos recifes costeiros de Abrolhos. Novamente trago a questão da falta de estudos temporais. Assumir que o baseline [linha de base ao longo da costa] de cobertura de corais e algas no Brasil é igual ao do Caribe, como vinha sendo feito, é bastante questionável. (2) Diferente do Caribe e de outras regiões recifais mais bem conhecidas, em Abrolhos os corais não são os principais construtores dos chapeirões [formações recifais que só existem em Abrolhos, podendo chegar a 20 metros de altura e 50 metros de diâmetro]. Os recifes de Abrolhos foram construídos por algas coralináceas, que se desenvolvem muito bem sob baixa luminosidade, e por briozoários, que são invertebrados filtradores.

As principais inimigas dos corais de Abrolhos foram, portanto, as cianobactérias, que causam necroses e outros danos às colônias. E as macroalgas são antagonistas das cianobactérias. As cianobactérias crescem explosivamente em momentos de anomalias climáticas. As macroalgas não. Em resumo, o nosso estudo chama atenção para a necessidade de adquirirmos séries longas e robustas de dados para que se possa entender como os ecossistemas recifais brasileiros, tão peculiares, funcionam.

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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