Reportagens

“Não tem nada mais danoso ao meio ambiente que a atividade ilegal”, disse ministro de Minas e Energia

Bento Albuquerque esteve na Conferência do Clima (COP25) em Madri e, em entrevista, defendeu a regulamentação da mineração em TIs como forma de evitar atividades ilegais

Fabíola Ortiz ·
12 de dezembro de 2019 · 4 anos atrás
Ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia. Foto: Ascom/MME.

Madri, Espanha – Durante a Conferência do Clima em Madri, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, reforçou seu compromisso de permitir mineração em Terra Indígenas (TIs). “Eu não defendo mineração em Terra Indígena, isso já está previsto na nossa Constituição. Defendo a regulamentação do que está há 30 anos para ser feito para que não haja ilegal”, disse em entrevista.

Normalmente as Conferências de Clima das Nações Unidas são exclusivas das pastas de Meio Ambiente. Mas este ano, o chefe da pasta de Minas e Energia esteve em Madri em uma breve passagem durante a segunda semana das negociações.

Albuquerque se embasou nos artigos 176 e 231 da Constituição para argumentar a necessidade de regulamentar a mineração. Enquanto o Art. 176 indica que “a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída”.

O Art. 231 faz alusão ao “aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em TIs só podem ser efetivados com autorização do Congresso, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados”. 

Na entrevista, o ministro informou que sua gestão atualizará o Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono (Plano MBC), de 2013. Este plano havia sido elaborado em alinhamento com os compromissos voluntários do Brasil.

Segundo ele, “a mineração tem se tornado cada vez mais sustentável” e não há previsão de aumentar a participação de carvão na matriz energética de atualmente 2%.

Enquanto isso, a solar e a eólica representam 10% da matriz, com previsão de alcançar a 20% em dez anos. O ministro também ecoou seu apoio ao desenvolvimento de energia nuclear rumo a uma transição energética de baixo carbono.

Perguntado sobre o que o Brasil tem feito para reduzir a produção de combustíveis fósseis, Albuquerque destacou o programa RenovaBio, como parte da Política Nacional de Biocombustíveis, de 2017, para expandir a produção de biocombustíveis.

O aumento da participação de combustíveis fósseis é apontado como um dos principais responsáveis pela alta das emissões de gases de efeito estufa no setor energético brasileiro, sobretudo no segmento de transporte, maior fonte de pressão e responsável por 48% das emissões, em 2017, segundo o Observatório do Clima. Sem contar que um terço das emissões de combustíveis fósseis do planeta foram feitas por 20 empresas, uma delas é a Petrobras.

Dentro deste programado RenovaBio, os produtores e importadores de biocombustíveis podem contratar firmas inspetoras credenciadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para obter uma certificação de produção eficiente de biocombustíveis. Os produtores e importadores de biocombustíveis que aderirem voluntariamente ao programa poderão, a partir dessa produção certificada, comercializar esses créditos. 

Leia abaixo a entrevista:

*

((o))eco – Normalmente as Conferências de Clima acabam sendo agendas exclusivas da pasta de Meio ambiente. Por que decidiu passar por Madri?

A COP25 é focada em Meio Ambiente, mas interage com vários setores da economia e a energia é um deles. Fui convidado pelo governo do Chile para participar da COP25 particularmente no dia de terça-feira (10 de dezembro), que é o dia da energia. Já tive uma participação com Agência Internacional de Energia (AIE), ministros de energia da Austrália, Dinamarca e Espanha. Tive encontros bilaterais para promover investimentos no Brasil no setor de energia, como também para conhecer melhor os nossos programas de descarbonização, o RenovaBio biocombustíveis e mobilidade urbana.

Muito tem se discutido na COP e sido alvo de cientistas, organizações e a própria ONU acerca da necessidade de os países adotarem políticas para limitar a produção de combustíveis fósseis rumo à descarbonização de suas economias. O que o Brasil tem feito para reduzir suas emissões no setor de fósseis?

“O programa RenovaBio tem a característica de não só incentivar o produtor, mas dinamiza a economia com os certificados que serão emitidos a partir de janeiro”.

O Brasil tem o maior programa de biocombustíveis do mundo, considerado pela Agência Internacional de Energia, com o maior programa de captura de gás carbônico do mundo, o RenovaBio. O Brasil já é um exemplo há mais de 40 anos quando lançamos o primeiro programa Proálcool (Programa Nacional do Álcool) de biocombustíveis do mundo. Ele foi lançado por conta do choque do petróleo e foi a alternativa que o Brasil encontrou naquele momento. Isso foi não só eficaz naquele momento, mas também permitiu que hoje tenhamos uma produção de um terço dos nossos combustíveis são ‘bio’ – etanol e biodiesel. Em lugar nenhum do mundo existe isso. Isso permite que cidades como São Paulo não sejam poluídas como Nova Delhi, Pequim e Xangai.

A Petrobras está na lista das 20 maiores petrolíferas  no mundo que mais emitiram, segundo ranking do Climate Accountability Institute….

O programa RenovaBio tem a característica de não só incentivar o produtor, mas dinamiza a economia com os certificados que serão emitidos a partir de janeiro. As empresas poluidoras vão poder comprar esses certificados para absorver o que não se consegue ainda ter de indústria carbono zero. 

Os compromissos voluntários do Brasil (NDC, em inglês) definiram participação de 45% de fontes renováveis até 2030. Como o Brasil tem incluído a variável climática no seu planejamento energético e com fins também de assegurar maior participação de renováveis?

Hoje em dia a nossa matriz energética e elétrica é considerada uma das mais limpas do mundo. Temos índices significativos nesse setor. As renováveis já têm papel importante no Brasil. A solar e a eólica são relativamente novas no Brasil, com menos de dez anos, e hoje representam 10% da nossa matriz juntas. A maior é a eólica com 8% e a solar com quase 2%. O crescimento delas nos próximos dez anos será bastante significativo alcançando 20% da nossa matriz.  Acreditamos que as renováveis, em 2050, sejam 50% da nossa matriz.

O brasileiro ainda enfrenta uma das tarifas de energia mais elevadas do mundo, mesmo em um país com uma base renovável expressiva. Somente um investimento maciço em fontes renováveis poderá reverter esse cenário?

Inauguração da 8 Cascata de Ultracentrífugas da Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio. Foto: Bruno Spada / MME.

O preço da energia no Brasil não é caro. São os subsídios e os impostos que tornam a nossa tarifa cara. Temos que trabalhar na diversificação da nossa matriz energética levando a produzir energia cada vez mais barata, principalmente, com as renováveis. Isso tem ocorrido. Mas temos que trabalhar as nossas políticas públicas no setor de energia para que haja uma reavaliação de subsídios, taxas e impostos que são colocados. Nos últimos seis anos, esse preço caiu em torno de 40 a 50%, mas não significa nada se não trabalharmos a questão dos subsídios, taxas e incentivos. A tarifa já caiu esse ano cerca de 6%, mas como cada região do país depende dos impostos cobrados, pode não ter sido uma queda igual. E a tendência é essa, a geração de energia está cada vez com um custo menor.

Há grupos defensores da energia atômica como justificativa para conter as mudanças climáticas como o diretor geral da AIEA, Rafael Grossi. Mas em termos de competitividade dos reatores, eles estão ficando para trás em comparação com fontes renováveis. Na sua opinião, o uso da nuclear é realmente uma forma de pavimentar o caminho para uma economia de baixa emissão de carbono?

São dois tipos de energias distintas, a energia nuclear é segura, é uma energia de base. E as renováveis, na sua maior parte, são intermitentes. É difícil comparar. O preço do megawatt da solar ou eólica naturalmente é bem mais barato que a da energia nuclear, mas alguma coisa tem que substituir essa energia quando não está sendo gerada. É onde entra a vantagem da energia como a nuclear. Talvez o mundo não vá atingir as metas estabelecidas se desconsiderar o uso da energia nuclear. Hoje no Brasil, ela representa 2%; na Espanha, 24%; nos Estados Unidos, 25%; França, quase 80%; e a China, 10%, e quer chegar a 25% para justamente alcançar as metas estabelecidas nas suas políticas energéticas.

As novas usinas estão se tornando cada vez mais caras de construir, sem contar a dificuldade para o descarte de lixo nuclear. A Alemanha  fechará até 2022 suas sete centrais e ainda terá que resolver onde armazenar 28 mil metros cúbicos de resíduos. Vale mesmo a pena investir na nuclear?

”O poder que o setor privado tem em mãos pode ser até maior que o de governos nacionais, pois conseguem mobilizar cadeias produtivas que ultrapassam fronteiras.”

O desenvolvimento da tecnologia aponta para que os resíduos não sejam mais um problema (no futuro). A Alemanha abdicou da energia nuclear, mas importa energia de fonte nuclear para a sua segurança energética e continua fazendo termoelétricas a carvão que, me parece, não é a melhor fonte de energia no que diz respeito à emissão.

A Política Nacional sobre Mudança do Clima considerou o setor de mineração prioritário. O MME elaborou em 2013 o Plano MBC (de Mitigação e de Adaptação na Mineração para uma Baixa Emissão de Carbono). A sua gestão tem continuado ou atualizado as recomendações deste plano?

Temos atualizado o plano e a mineração no Brasil tem se tornado cada vez mais sustentável, não só no aspecto econômico, mas de preservação do meio ambiente. A mineração moderna não só extrai o mineral, mas recompõe o meio ambiente. Em alguns casos no Brasil, ela tem recuperado áreas que, até bem pouco tempo atrás – não só pelo extrativismo que era feito à margem da legislação – usava modelos antigos, e (hoje) vem recuperando essas áreas. Temos vários exemplos no Pará. A mineração feita pela Vale tem prêmios internacionais em termos de sustentabilidade. Pretendo visitar (projetos) no início de janeiro. No norte do Rio Grande do Sul e Sul de Santa Catarina, a extração de carvão é considerado o modelo internacional, é extraído o carvão e ao mesmo tempo já é recomposto o meio ambiente. A geração de energia a carvão no Brasil é 2% da nossa matriz e deve permanecer assim nos próximos 10 anos, mas com metas de inovação e de cada vez menos emissão de gás carbônicos de efeito estufa. O mundo não pode viver sem o mineral. A civilização vai ter que alcançar um modelo de sustentabilidade para essa atividade essencial para o futuro da humanidade.

Por que o Sr defende a abertura de Terras Indígenas para a mineração, não é perigoso?

“Não tem nada mais danoso ao meio ambiente que a atividade ilegal”.

Eu não defendo mineração em Terra Indígena, isso já está previsto na nossa Constituição nos artigos 176 e 231. Defendo a regulamentação do que está há 30 anos para ser feito para que não haja (mineração) ilegal tanto por parte dos indígenas como por parte de outros que vão às Terras Indígenas realizar essa atividade. Não tem nada mais danoso ao meio ambiente que a atividade ilegal.

A Folha de São Paulo publicou na última semana que a sua pasta pode passar por reformas. O Sr sente que há uma disputa pelo comando do Ministério? No Congresso, parlamentares têm reclamado de dificuldade de interlocução com o Sr.

Se o Congresso fala isso, não fala para mim. Talvez eu seja o ministro que mais foi ao Congresso Nacional de forma voluntária e convidado. A dificuldade de interlocução com o Congresso não existe. As reformas que existem no ministério, algumas muito importantes como a modernização do setor elétrico, a modernização do setor mineração e energia como um todo têm sido trabalhadas a quatro mãos com o Congresso Nacional, tanto com o Senado como com a Câmara dos Deputados. Da minha parte, eu vejo uma relação bastante republicana, institucional e profícua com o Congresso. Fui convidado pelo presidente para ser ministro, foi uma surpresa para mim, eu não esperava. Encaro isso como uma missão que o presidente me deu, não tenho nenhuma ambição nem pessoal nem política. E apesar de exercer um cargo político, quando o presidente achar que eu devo corrigir algum rumo ele vai me falar e, de vez em quando, me dá algumas orientações. O cargo pertence ao presidente não pertence a mim.

*

 

*Esta reportagem foi produzida como parte da COP25 Reporting Fellowship for Latin American Climate Journalists. 

 

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    Muita fumaça, para desviar o foco.
    Continua o mesma fala.