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Mata Atlântica: onde vale mais a pena restaurar

Brasil poderia salvar mais espécies pela metade do custo com novo plano de restauração florestal para o bioma Mata Atlântica. Saiba como

Peter Moon ·
7 de janeiro de 2019 · 5 anos atrás
Foto: Pixabay.

Ao instituir em 2017 o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o governo brasileiro assumiu o compromisso internacional de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Deste total, 5,17 milhões de hectares devem ser na Mata Atlântica.

Em meados de dezembro, duas semanas antes do início do governo de Jair Bolsonaro, foi publicado na revista Nature Ecology & Evolution um estudo internacional com vistas a maximizar os resultados de restauração da Mata Atlântica. Num momento em que a agenda ambiental do governo brasileiro ainda é uma tremenda incógnita, tal publicação não poderia ser mais oportuna.

Quais seriam as áreas mais indicadas para centrar esforços de conservação da Mata Atlântica? Quais os locais onde seria possível fazer uma alocação ótima de recursos, visando preservar o máximo de espécies nativas? Onde seria mais interessante aos proprietários rurais, do ponto de vista econômico, investir na restauração da Mata Atlântica?

A ciência começa a fornecer respostas para estas questões. Uma equipe integrada por 25 pesquisadores de seis países (Brasil, Reino Unido, Austrália, EUA, Suécia e Polônia) desenvolveu um algoritmo capaz de identificar as áreas prioritárias da Mata Atlântica a serem restauradas combinando três fatores essenciais: conservação da biodiversidade, mitigação de mudanças climáticas e redução de custos.

O estudo foi liderado pelo economista e cientista ambiental Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), no Rio de Janeiro, e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Área antes de ser reflorestada, em Teresópolis, RJ. Foto: André Nave/Divulgação.

De acordo com Strassburg, o uso do algoritmo mapeou 362 soluções para recuperação florestal com um custo-benefício oito vezes maior do que aquelas obtidas por métodos usuais. Uma dessas soluções, por exemplo, poderia evitar a extinção de 26% dos 2.864 espécies da flora e da fauna (ou 745 espécies, um aumento de 257% em relação ao cenário base) e sequestrar 1 bilhão de toneladas de gás carbônico (um aumento de 105%), enquanto os custos seriam reduzidos na ordem de US$ 28 bilhões (redução de 57% de um custo total estimado em US$ 50 bilhões) em comparação com o cenário base. Isso se traduz em um aumento de oito vezes na relação custo-benefício para a conservação da biodiversidade.

Três variáveis, centenas de cenários

A Mata Atlântica cobria originalmente cerca de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, espalhados pela costa atlântica brasileira, desde a Zona da Mata nordestina até Santa Catarina e o Mato Grosso do Sul. Mais de 500 anos de desmatamento e ocupação humana acabaram por reduzir a floresta a uma fração do que era.

Até pouco tempo, acreditava-se que restassem apenas entre 7% e 11% do bioma original. Hoje, no entanto, novas estimativas indicam que ainda restam entre 22% e 28% da Mata Atlântica. A despeito das novas estatísticas, ainda é pouco. Principalmente quando se sabe que para manter a biodiversidade de animais e plantas da Mata Atlântica aqueles níveis precisariam atingir no mínimo 30% do bioma original.

Como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa determina que, em 20 anos, sejam restaurados 5 milhões de hectares de Mata Atlântica, equivalentes a 4% da área original do bioma, isto, em tese, recuperaria a floresta a níveis entre 26% e 32% da área original.

Trata-se de um objetivo ambicioso. De acordo com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, popularmente conhecida como Novo Código Florestal, de 2012, cada propriedade na Mata Atlântica deve conservar, no mínimo, 20% de vegetação nativa. Aquelas propriedades que estiverem abaixo da meta devem fazer a restauração, mas não necessariamente na sua própria terra, pois a lei permite que o produtor pague por essa recuperação em outros locais.

“A metodologia do novo algoritmo trabalha com três variáveis básicas: a diversidade de espécies da flora e da fauna endêmicas da Mata Atlântica, a capacidade da floresta estocar carbono, e o custo de oportunidade do uso do solo,” explica outro pesquisador envolvida no trabalho, o engenheiro agrônomo Pedro Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo.

Área após ser reflorestada, em Teresópolis, RJ. Foto: André Nave/Divulgação.

No caso da diversidade de espécies, os autores empregaram dados de aves, anfíbios e répteis entre os animais (não foram usados dados de mamíferos, peixes e invertebrados) e, no caso de plantas, apenas de espécies lenhosas.

Foi registrada a área de ocorrência de cada uma das 2.864 espécies, numa escala espacial com resolução de 1 quilômetro quadrado.

“A capacidade de estoque de carbono por hectare é decorrência direta de variáveis como o tipo de solo, a quantidade de insolação e a quantidade de oferta hídrica. No trabalho foram levadas em consideração 15 variáveis climáticas, todas elas carregadas no algoritmo,” explica o ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

Por fim, há o custo de oportunidade, qual o valor econômico para o produtor rural em preservar ou reflorestar áreas desmatadas, quando confrontado com o ganho econômico potencial da utilização das mesmas áreas para agricultura, pecuária ou especulação imobiliária.

“Tome o exemplo do interior de São Paulo, que tem bons solos, boa insolação e boa oferta hídrica, o que o torna a princípio ideal para recuperação,” observa Brancalion. “Quando se coloca a variável diversidade de espécies, percebe-se que a região já foi de tal modo desmatada, que faz menos sentido despender esforços em seu reflorestamento, quando comparado a áreas de pastagem em Minas Gerais, por exemplo, que não sofreram tanto desmatamento, onde ainda restam fragmentos de Mata Atlântica e muitas espécies por salvar”, diz.

“Ainda levando em conta o exemplo do interior paulista, quando se olha para o custo de oportunidade do uso do solo, percebe-se que é tremendamente mais vantajoso ao dono da terra, por exemplo, plantar cana, do que reflorestar,” explica Brancalion.

Ao se alimentar o programa com todas as variáveis, correspondentes ao 1,5 milhão de quilômetros da Mata Atlântica original, surgem os pontos onde o investimento em recuperação florestal é maximizado, como regiões no litoral da Bahia, no interior de Minas Gerais, e inúmeros fragmentos no litoral dos Estados de São Paulo, Rio e Espírito Santo.

Reflorestamento. no morro da Babilônio, no Rio de Janeiro. Foto: Daniele Bragança.

A restauração da vegetação nativa traz benefícios como a conservação da biodiversidade ‒ por meio da preservação de espécies ameaçadas de extinção ‒, e mitigação das mudanças climáticas ‒ por meio do sequestro de carbono emitido na atmosfera pela pecuária e queima dos combustíveis fósseis ‒, mas implica em custos de restauração (plantio e mudas e sementes) e de oportunidade (conversão de áreas utilizadas para agricultura e pecuária em floresta).

O algoritmo desenvolvido pelos pesquisadores alcança a solução considerada ótima para alinhavar todas as variáveis do problema, “alcançando um desempenho 33% melhor em relação aos obtidos pelas ferramentas disponíveis atualmente, que se baseiam em aproximações matemáticas,” afirma Strassburg.

“A diferença que isso faz para a Mata Atlântica é enorme: são 450 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) a menos na atmosfera, 308 espécies menos extintas e 4 bilhões de dólares de redução de custos”, explica.

“Essas metas de restauração, se alcançadas, trarão múltiplos benefícios para as pessoas e para a natureza. Mostramos que a ciência pode ajudar a orientar decisões sobre onde restaurar, multiplicando benefícios e economizando bilhões de dólares em custos.”

 

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  • Peter Moon

    Peter Moon é um repórter científico, historiador da ciência e pesquisador da história natural da América do Sul

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