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Inseticida “pouco agressivo” dizima criações do bicho-da-seda no Paraná e em São Paulo

Considerado de baixa toxicidade pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o inseticida Novalurom é mortal para o bicho-da-seda

Peter Moon ·
16 de junho de 2019 · 5 anos atrás
Bicho-da-seda. Foto: Wikipédia.

Entre dezembro de 2018 e março de 2019, meio bilhão de abelhas morreram nos estados da região Sul, muito provavelmente envenenadas por inseticidas pulverizados em lavouras adjacentes às propriedades dos apicultores, como por exemplo em canaviais ou plantações de soja.

Não são só as abelhas as vítimas indiretas do uso pelos agricultores de agrotóxicos no controle de pragas. Uma outra vítima é o bicho-da-seda.

A sericicultura, como é conhecido o processo de criação do bicho-da-seda, é realizada por pequenos agricultores que cultivam amoreiras para alimentar as lagartas com suas folhas, o único alimento desses insetos. O Brasil é o quinto maior produtor de seda do mundo, atrás da China, Índia, Uzbequistão e Tailândia.

Nos últimos anos têm havido diversos relatos de criadores do bicho-da-seda nos estados do Paraná e São Paulo (os maiores produtores nacionais) que amargaram prejuízos com a morte de lagartas, o que aconteceu dias após a pulverização de inseticida em lavouras próximas das suas propriedades, muitas vezes canaviais.

Um inseticida bastante usado para o controle de pragas em canaviais é o Novalurom, vendido no Brasil pela multinacional Adama com o nome comercial Rimon Supra. A maioria dos sericicultores brasileiros ficam no norte do Paraná, na região de Maringá, “e foram eles que identificaram, em diversas ocasiões, o uso de Novalurom na pulverização de canaviais vizinhos às suas propriedades poucos dias antes da morte em massa de lagartas do bichos-da-seda,” conta a bióloga Marilucia Santorum, pesquisadora Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).

Santorum e colaboradores acabam de publicar um estudo na revista Environmental Pollution dando conta dos efeitos devastadores para o bicho-da-seda após a ingestão de folhas de amoreira banhadas com Novalurom em quantidades não-letais, portanto inferiores àquelas indicadas para o controle de pragas no campo.

“O Novalurom é considerado um inseticida menos agressivo ao meio ambiente, porém conseguimos demonstrar que, no caso do bicho-da-seda, sua ação é nefasta, afetando toda a vida dos insetos, prejudicando todas as etapas do seu ciclo de crescimento, da larva à crisálida à mariposa, e também afetando a sua reprodução,” explica Santorum.

Inseticida menos agressivo?

Casulos normais (canto superior esquerdo) de bicho-da-seda ao lado de casulos de lagartas tratadas com folhas contaminadas pelo inseticida Novalurom. Foto: Marilucia Santorum.

Novalurom é um inseticida indicado para o controle de pragas, como lagartas, nas culturas de praticamente todos os legumes, frutas e grãos que entram na nossa alimentação.

Este inseticida também é de largo emprego no controle de pragas nos canaviais, assim como no controle do mosquito Aedes aegypti, o mosquito transmissor dos vírus da dengue, da chikungunya, do zika e da febre amarela urbana.

Novalurom pertence a uma grupo de inseticidas chamados reguladores de crescimento de insetos, pois são compostos por uma substância química que inibe o ciclo de vida dos inseto. À medida que insetos crescem, eles precisam trocar o seu esqueleto externo (ou exoesqueleto) antigo por um novo. Os inseticidas classificados como reguladores de crescimento de insetos interferem no processo de muda, impedindo assim, por exemplo, que as lagartas completem sua metamorfose para se transformar em mariposas ou borboletas.

Porque o Novalurom não mata as pragas imediatamente após sua aplicação, mas age interferindo no processo de crescimento dos insetos, o que pode levar vários dias.

Novalurom é classificado como pouco tóxico (classe 4) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É considerado um inseticida de uso específico e localizado, pois seus efeitos estariam em tese restritos ao combate apenas das pragas indicadas pelo fabricante do produto, como as lagartas que atacam o algodão, o milho, a soja e a cana-de-açúcar.

Será mesmo? “O que está acontecendo com os bichos-da-seda revela que isto não é verdade,” diz a bióloga Daniela Carvalho dos Santos, pesquisadora do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, e pesquisadora responsável pelo trabalho sobre a toxicidade do Novalurom no bicho-da-seda, levada ao cabo por Santorum.

O ciclo de vida do bicho-da-seda

Lagartas do bicho-da-seda: as três menores foram alimentadas com folhas de amoreiras tratadas com inseticida, ao lado de uma lagarta bem maior, saudável. Foto: Marilucia Santorum.

O modelo de negócio da sericicultura inicia na indústria têxtil, onde as mariposas da espécie Bombyx mori cruzam produzindo ovos. Após a eclosão, as lagartas passam a ser criadas por sericicultores. Nas propriedades rurais, as lagartas passam cerca de 20 dias sendo alimentadas com ramos de amoreira trazidos do campo. Ao fim do período, param de comer e começam a tecer os casulos, processo que dura três dias. Elas secretam uma substância gelatinosa que em contato com o ar se solidifica, transformando-se em fio de seda. Cada casulo é composto por um único fio, que costuma ter até 1.500 metros de comprimento.

Três dias após o encasulamento, as lagartas estão prontas para sofrer a metamorfose que as transformará em crisálidas e, em seguida, em mariposas. É nesse momento que os casulos são coletados pelos sericicultores e entregues à indústria, onde as crisálidas são mortas por exposição a altas temperaturas antes do rompimento dos casulos pelas mariposas, para evitar danos irremediáveis no fio. Em seguida, durante o cozimento dos casulos, a proteína que cola o fio do casulo é dissolvida na água, soltando o fio que então é enrolado em carretéis, junto de outros fios de outros casulos. Para a produção de um quilo de fio de seda são necessários 6,3 quilos de casulos.

Quais seriam os efeitos do Novalurom durante o ciclo de vida das lagartas do bicho-da-seda? Foi isto o que Santorum decidiu verificar.

“Em um primeiro experimento, usamos lagartas que haviam acabado de ser enviadas pela indústria têxtil aos sericicultores, para iniciar o período de alimentação com folhas de amoreira. As lagartas foram alimentadas por 24 horas com folhas de amoreira tratadas com soluções não-letais de Novalurom. Nos quatro dias subsequentes, 30% delas haviam morrido. Decorridos dez dias, a mortalidade chegou aos 100%” afirma Santorum.

Mariposa alimentada com folhas contaminadas, com ovos presos no abdomên. Foto: Marilucia Santorum.

“Num segundo experimento, repetimos o procedimento com lagartas que se encontravam no último estágio da fase larval, imediatamente antes de pararem de comer para começar a produzir os casulos. Novamente, verificou-se uma elevada mortalidade (20%) ao decorrer dos dez dias após as lagartas terem sido alimentadas com folhas contaminadas. Porém a mortalidade neste segundo experimento foi menor, talvez porque neste último estágio larval os insetos fossem mais resistentes ao inseticida.”

Além da elevada taxa de mortalidade das lagartas, o inseticida apresentou efeitos prejudiciais ao desenvolvimento do bicho-da-seda nos dois experimentos, como por exemplo no tamanho das lagartas, muito menores do que seria esperado. 

“A produção de casulos também foi mais demorada, e resultou em casulos menores, muitos defeituosos ou também delgados, quase transparentes. Para os sericicultores, isto é prejuízo certo, dado que a indústria descarta os casulos defeituosos e compra apenas aqueles perfeitos, pagando por quilo. Casulos delgados têm peso menor e os sericicultores ganham menos,” explica Santos

Apesar da mortalidade inicial de 20%, a maioria das lagartas do segundo experimento conseguiu sobreviver à fase de crisálida e emergiram de seus casulos como mariposas, a fase final do ciclo de vida, quando devem acasalar e botar ovos antes de morrer.

Os efeitos da contaminação pelo inseticida continuaram aparecendo. As mariposas que sobreviveram à exposição de Novalurom durante o último estágio larval apresentaram defeitos nas asas, e algumas, após emergirem dos casulos, não conseguiram descartaram completamente seu antigo exoesqueleto. Danos na região abdominal das mariposas fêmeas prejudicaram igualmente a oviposição.

“Essas mariposas exibiram o abdome inchado e morreram sem poder depositar seus ovos. Quanto àquelas que tiveram sucesso em botar ovos, a quantidade de ovos foi menor do que seria esperado,” diz Santos.

 

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  • Peter Moon

    Peter Moon é um repórter científico, historiador da ciência e pesquisador da história natural da América do Sul

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