Reportagens

Governo gaúcho extingue Fundação Zoobotânica sem detalhar quem assume os serviços

A extinção da FZB e de outras 8 fundações foi aprovada em dezembro de 2016 pela Assembleia Legislativa. Desde então, a entidade vinha sendo mantida graças a decisões judiciais

Fernanda Wenzel ·
11 de outubro de 2018 · 6 anos atrás
Servidores protestam contra extinção da Fundação Zoobotânica. Foto: Cleber Dioni Tentardini/Patrimônio Ameaçado/Facebook.

O governo do Rio Grande do Sul publicou no Diário Oficial desta quinta-feira (11) o decreto que põe fim às atividades da Fundação Zoobotânica (FZB). A extinção da FZB e de outras 8 fundações foi aprovada em dezembro de 2016 pela Assembleia Legislativa. Desde então, a entidade vinha sendo mantida graças a decisões judiciais. Há duas semanas, no entanto, a última liminar foi derrubada pelo Tribunal de Justiça.

Segundo o decreto do governo do Estado, os servidores estáveis passam a compor o quadro da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), podendo ser designados para qualquer órgão da Administração Direta, “observada, em qualquer caso, a pertinência com as atribuições do emprego”.

O ornitólogo Glayson Bencke recebeu a notícia com tristeza e apreensão, já que os funcionários não tiveram nenhuma orientação sobre o próprio futuro ou dos trabalhos que vêm realizando: “Nem eles sabem como vão fazer. […] Nós vamos ficar aqui fisicamente ou vamos pra lá [Sema]? As coleções vão ser administradas diretamente pela Sema? Quem vai assumir isso? E os nossos bolsistas de iniciação científica?”.

Glayson, que é responsável pela coleção de ornitologia da Fundação, está especialmente preocupado com os mais de 600 mil itens sob responsabilidade da entidade: “São coleções que representam toda biodiversidade do estado, e que estão com o futuro incerto. Essas coleções não são meros depósitos de testemunho, de material. São a base para o futuro. Isso tem que ter continuidade, tem que ser atualizado”.

A Fundação Zoobotânica foi criada em 1972 e abriga três instituições: o Museu Riograndense de Ciências Naturais, o Jardim Botânico e o Parque Zoológico. Ao longo de 46 anos, a entidade se consolidou como o principal órgão de pesquisa e assessoramento técnico na área ambiental do Rio Grande do Sul, responsável por serviços como levantamento de espécies em extinção, mapeamento de ecossistemas, recuperação de flora em áreas degradadas e preservação do patrimônio fóssil. Os estudos da entidade também servem de base para os licenciamentos feitos pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

A instituição é a única do estado que fornece veneno de serpentes para produção de soro antiofídico no Sul do país. Foto: Associação dos Funcionários da FZB.

Em nota, a Sema afirmou que o decreto não representa nenhuma mudança para o Jardim Botânico ou para o Museu “que terão os serviços mantidos e seguirão abertos ao público nas mesmas condições atuais”. Já o Jardim Zoológico de Sapucaia do Sul “será qualificado através da concessão da gestão à iniciativa privada”. A Secretaria informa ainda que vai absorver as atribuições da FZB, e que para isso foi criado o Departamento de Projetos e Pesquisa e um Plano de Ação “para orientar a transferência das atividades sem qualquer prejuízo aos serviços hoje prestados”.

O objetivo do governo gaúcho é demitir os servidores das fundações, o que até agora só não aconteceu por força de uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mendes entendeu que todos os servidores concursados que estejam há mais de três anos no cargo têm estabilidade, e por isso só podem ser demitidos após negociação coletiva. A liminar pode ser revertida a qualquer momento pelo plenário do STF.

A justificativa do governo do Estado para a extinção das fundações é a economia do dinheiro público. Segundo a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, a FZB custa R$ 19,8 milhões por ano ao governo do Estado, o que corresponde a 0,28% do déficit previsto no orçamento de 2018.

Servidores denunciam processo de desmonte

Apesar da garantia de que não haverá prejuízos aos serviços prestados, servidores afirmam que o trabalho da Fundação já vem sendo prejudicado por um processo de desmonte que teve início junto com o governo de José Ivo Sartori (MDB). O biólogo Marco Azevedo afirma que saídas de campo tiveram de ser canceladas por falta de repasses para diárias e gasolina.

Projetos também foram prejudicados pela saída de 40 funcionários que aderiram ao Programa de Demissão Voluntária, e de outros quatro que foram demitidos porque não estavam abarcados na liminar do STF. “Eu mesmo tinha um projeto na orla do Guaíba que exigia análise da qualidade da água por termos físico-químicos. O projeto teve que ser paralisado porque o químico responsável pela análise foi demitido, e nós não temos nenhum outro profissional que pudesse fazer essas análises”, lembra Marco.

Manifestação protestam contra o fechamento da Fundação Zoobotânica., em agosto de 2015. Foto: Facebook / APOIO à Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul.

O corte de recursos também levou à suspensão dos cursos de capacitação em educação ambiental para professores dos ensinos médio e fundamental. Já os dois principais projetos de educação ambiental para crianças – O Museu vai à Escola e Ciência na Praça – não puderam mais ser levados para o interior do estado por falta de gasolina.

Defesa diz Estado entrou em contradição

O advogado Marcelo Pretto Mosmann afirma que o decreto que extingue a FZB entra em contradição com a lei 14.982, em que o próprio governo do estado determina que a extinção da Fundação “somente será implementada após a efetiva assunção dos serviços prestados pela Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que os executará direta ou indiretamente”.

Mosmann é advogado do InGá, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, que atua no caso da Fundação pela perspectiva da preservação do patrimônio ambiental do estado.

Para o advogado, não é por acaso que o governador José Ivo Sartori tenha publicado o decreto a duas semanas do segundo turno das eleições estaduais, em que concorre à reeleição: “A pressa do Sartori em promover a extinção nesse momento, antes mesmo que as atividades fossem repassadas pra Sema, se dá única e exclusivamente para atender a interesses políticos e eleitorais da bancada ruralista, em troca de apoio nas eleições do segundo turno”, afirma Mosmann. A defesa ainda estuda quais medidas serão tomadas.

Decreto ameaça mestrado e lista de animais em extinção

Entre as incertezas geradas pela extinção da FZB está o futuro do mestrado acadêmico em Sistemática e Conservação da Diversidade Biológica, aprovado há menos de um mês pela Capes. O curso seria uma parceria entre a Fundação Zoobotânica (FZB) e a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs).

Outra preocupação dos ambientalistas diz respeito à lista de animais ameaçados de extinção, cuja atualização sempre ficou a cargo da FZB. A última revisão foi em 2014, e segundo Glayson Bencke já estaria no momento de fazer uma nova atualização. Mas os próprios pesquisadores preferiram não tocar no assunto: “A gente achou temeroso iniciar um processo por nossa conta nessas circunstâncias, porque neste governo houve muitas tentativas de tirar espécies da lista por influência política”.

Servidores protestam contra extinção da Fundação Zoobotânica. Foto: Patrimônio Ameaçado/Facebook.

Apesar do esforço, Glayson acredita que a partir de agora será impossível conter a pressão dos setores produtivos: “Como a lista vai passar a ser de responsabilidade da administração direta, da Sema, não há garantia nenhuma de uma lista isenta, baseada totalmente em critérios técnicos”.

Leia a íntegra da nota da Secretaria de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

O decreto nº 54.268, publicado hoje (11) no Diário Oficial do Estado declara o encerramento das atividades da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB). A medida, entretanto, não representa nenhuma mudança para o Jardim Botânico ou para o Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais, que vão permanecer sob a administração pública, terão os serviços mantidos e seguirão abertos ao público nas mesmas condições atuais.

Já o Jardim Zoológico de Sapucaia do Sul, também vinculado à FZB, será qualificado através da concessão da gestão à iniciativa privada. Pelo projeto, o espaço será totalmente modernizado com a reconstrução dos ambientes, visando à proximidade dos usuários com os animais e o bem estar animal. Também está prevista a ampliação do plantel e a diversidade de espécies, garantindo a boa alimentação e os cuidados com a saúde dos animais. Além disso, o vencedor da licitação deverá associar atrações especiais, como trenzinho, fazendinha, safari, aquário e arvorismo.

Conforme o decreto, a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) vai absorver as atribuições da FZB. Para isso foi criado o Departamento de Projetos e Pesquisa e um Plano de Ação para orientar a transferência das atividades sem qualquer prejuízo aos serviços hoje prestados.

Os servidores estáveis, legal ou judicialmente, passam a compor Quadro Especial vinculado a Sema. O diretor presidente e demais dirigentes da FZB serão exonerados após a finalização dos atos necessários à baixa do registro da FZB no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

O patrimônio formado pelos imóveis, móveis, benfeitorias, instalações e acervo integrantes dos bens, cuja preservação e proteção são de interesse público em razão do valor ambiental, científico e paisagístico ficam sob gestão da Sema.

A secretária Ana Pellini acredita que sob a gestão da secretaria, o trabalho poderá ser realizado plenamente, sem prejuízos à proteção da biodiversidade do Estado.

 

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  • Fernanda Wenzel

    Fernanda Wenzel é jornalista freelancer especializada em Amazônia e meio ambiente.

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Comentários 3

  1. João Carlos Macedo diz:

    Logo logo serão seguidos pelo IBAMA, ICMBio e Ministerio do Meio Ambiente.


  2. Airglon diz:

    A FZB fazia um excelente serviço técnico, era um órgão ambiental que nao era xiita, inclusive trabalhando com caça esportiva


  3. Essa questão das privatizações não podem ser tratados tudo da mesma forma, acho que cada caso é um caso esse tipo de frase "quando tudo for privatizado seremos provados de tudo" é ridícula! Por acaso a pessoa que escreve isso é privado de tudo que é privado? é disseminação de estupidez tentado manipular pessoas pouco informadas ou sem nenhuma informação, só de ver isso escrito a causa deles perde todo o valor.