Reportagens

Doze guarda-parques são mortos em episódio sangrento no Parque Nacional de Virunga

Parque localizado na República Democrática do Congo está na zona de domínio de milícias e confrontos armados. Desde 2006, mais de 150 guarda-parques foram mortos

Fred Kockott ·
30 de abril de 2020 · 4 anos atrás
Guarda da ICCN com um gorila no Parque Nacional de Virunga. Imagem: Nelis Wolmarans.
    • Servidores do Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo, dizem que 17 pessoas foram mortas em um ataque próximo da sede do parque.
    • Grupos armados de rebeldes envolvidos com a caça ilegal e extração ilegal de carvão são principais suspeitos pela autoria do ataque.
    • Parque Nacional de Virunga ficou fechado por 8 meses desde maio de 2018 depois de uma onda de ataques de grupos armados aos visitantes.
    • Doze guarda-parques e cinco outras pessoas foram mortas no Parque Nacional de Virunga na porção oriental da República Democrática do Congo, na última sexta (24). As mortes são o último episódio envolvendo mortes no parque, onde mais de 150 guarda-parques foram mortos desde 2006.

Virunga, onde estão grandes áreas de floresta tropical intactas que servem de lar para os ameaçados gorilas-da-montanha (Gorilla beringei) e para o chimpanzé-oriental (Pan troglodytes schweinfurthii), está no coração da região dos Grandes Lagos da África, que há mais de três décadas sofre com o conflito armado.

Há muito tempo as fronteiras do parque são palco da luta de grupos rebeldes contra o governo congolês e uns contra os outros. De acordo com a Game Rangers Association of Africa (GRAA – Associação dos Guarda Parques da África), a milícia está conectada com a caça de animais selvagens, a pesca e extração de madeira ilegal, e com a caça ilegal, especialmente de elefantes, para financiar suas atividades.

Em abril de 2018, cinco guarda-parques e um motorista foram mortos por membros suspeitos de pertencer a uma milícia armada. O parque foi fechado para o turismo no mês seguinte, após ataques feitos pela milícia Mai terem como alvo um veículo do parque que levava turistas, e, em outro episódio, terem sequestrado dois turistas e os soltado no dia seguinte. O parque somente reabriu aos visitantes em fevereiro de 2019 depois de uma revisão na segurança e um reforço no contingente de 600 guardas que patrulham 7.800 km² do parque.

Os assassinatos da última sexta-feira ocorreram numa estrada próxima à sede do Parque Nacional de Virunga no acampamento base Bukima. Informes iniciais indicam que os guarda-parques estavam no seu caminho de volta à sede quando encontraram um veículo civil sob ataque. Eles acabaram sob o ataque de 60 membros da milícia armada, de acordo com a declaração do Congolese Institute for the Conservation of Nature (ICCN – Instituto Congolês de Conservação da Natureza) que gere o parque.

Além dos 12 guarda-parques, um motorista e outros quatro civis foram mortos e mais dois foram feridos. Outros três guarda-parques estão seriamente feridos e um deles permanece em estado crítico.

“Nós podemos confirmar que os autores eram do grupo armado FDLR-FOCA”, diz a declaração da ICCN, se referindo às Forças Democráticas para Liberação de Ruanda (FDLR) e seu braço armado, as Forças Combatentes de Abacunguzi (FOCA).

Guarda no Parque Nacional de Virunga. Imagem cedida por Nelis Wolmarans.

Um relatório de 2016 publicado pelo Projeto Enough, que investiga e luta contra a corrupção e violação de direitos humanos em zonas de conflito na África, apontou a existência de um cartel ilegal de carvão financiando a FDLR.

“Eles são fortemente armados”, contou o conservacionista congolês Bantu Lukambo ao Projeto Enough sobre os combatentes da FDLR em Virunga. “Eles conhecem cada pedacinho do parque e eles aproveitam a proteção dada pelo exército nacional”.

De acordo com o Enough, o grupo FDLR tem controle total sobre a porção sudoeste do Virunga, lucrando da produção de carvão de alta qualidade oriundo das florestas de madeira de lei do parque nacional. Guarda-parques não conseguem patrulhar essa parte do parque desde a década de 90 – apesar do esforço para recrutar, treinar e dar melhor suporte aos guardas que existe desde 2007.

A missão dos guarda-parques é conservar a vida selvagem e proteger o parque, o que significa que eles frequentemente acabam em confrontos com a milícia, disse o CEO da GRAA, Andrew Campbell ao Mongabay.

“As famílias deles não estão apenas de luto pela perda de entes queridos, mas em muitos casos esse é o único ganha-pão numa região onde a maioria das pessoas estão batalhando para sobreviver. As oportunidades de emprego são poucas e distantes nessas áreas remotas”, explica Campbell.

Chris Galliers, presidente da International Ranger Federation (IRF – Federação Internacional de Guarda-Parques), disse: “Virunga não é nenhum estranho à trágica perda de vidas, especialmente dos guarda-parques. Entretanto, isso não diminui o choque da comunidade global de guarda-parques com essas notícias de assassinatos sem sentido de guarda-parques que por conta da situação atual colocaram suas vidas na linha de frente para defender civis que estavam sob ataque da milícia próximo à cidade de Rumangabo”.

Autoridades do parque iniciaram em 2007 o Fundo Fallen Rangers para apoiar as famílias dos guarda-parques de Virunga que morreram cumprindo seu dever de proteger o parque.

* Tradução: Duda Menegassi.

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