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Os bons ventos que vêm do Sul

Saiba como funciona o maior parque eólico da América Latina, localizado na cidade de Osório (RS), capaz de gerar energia para 750 mil pessoas. 

Flávia Moraes ·
16 de março de 2011 · 13 anos atrás

Osório (RS) – Desde o final de 2006, o município gaúcho de Osório conta com o complexo de parques eólicos que hoje é considerado o maior da América Latina. Composto por 75 aerogeradores, distribuídos entre Sangradouro, Osório e Dos Índios, os Parques Eólicos de Osório possuem uma potência instalada de 150 megawatts (MW), sendo capaz de produzir 425 milhões de quilowatt-hora (kWh) por ano de energia. Essa quantidade é o suficiente para abastecer anualmente o consumo residencial de cerca de 750 mil pessoas, o equivalente a metade da população de um município como Porto Alegre.

Em operação comercial a pouco mais de quatro anos, os parques hoje são responsáveis por 16% do total de energia proveniente de fonte eólica em operação no país, segundo a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica.

Cada um dos aerogeradores possuem 100 metros de altura, cuja potência individual é de 2 MW. Os cata-ventos, como são popularmente conhecidos, possuem em seu topo um anemômetro e uma biruta, que medem a velocidade e direção do vento. A partir desses dados, direcionam-se na posição do vento e suas hélices (de 35 metros cada) começam a funcionar. Isso ocorre de forma automática, sem a necessidade de serem ‘ligados’ ou ‘desligados’ pela central de operações.

A velocidade mínima de vento que faz as máquinas funcionarem é de 2 m/s, abaixo disso elas ficam paradas, sem gerar energia. A partir de 28 m/s as pás param de girar para evitar danos, já que essa velocidade de vento é detectada como tempestade.

Para otimizar o funcionamento dos parques, os equipamentos recebem quatro manutenções programadas ao ano, que compõem a análise visual, a troca de graxa, revisão elétrica e mecânica. Isso resulta em seis dias de máquina parada durante um ano, tendo cada pausa oito horas de duração.

Pioneiro na América Latina

Todo esse complexo funciona no Rio Grande do Sul sob a administração da Ventos do Sul Energia, que aproveitou o potencial eólico e a boa malha de distribuição de energia do Estado e instalou os parques. A empresa, constituída especificamente para este fim, tem como sócio majoritário o Grupo espanhol Elecnor (com 91% do capital), através de sua subsidiária Enerfín Enervento. Os 9% restantes ficam com a empresa brasileira Wobben Windpower, subsidiária da alemã Enercon, responsável pela tecnologia empregada nos parques.

Os Parques Eólicos de Osório compõem um cenário de pioneirismo no RS. É o primeiro grande projeto de energia eólica na América Latina, despertando atenção internacional pelas suas dimensões, tecnologia de ponta e beleza da região onde se encontra.

Os benefícios da localidade, no entanto, vão muito além da paisagem. O presidente da Ventos do Sul, Telmo Magadan, explica a escolha do município e do Estado para a construção dos parques.

Conforme Magadan, outro fator motivador para o investimento em energia eólica foi o PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, do governo federal. Este garante a aquisição pela ELETROBRAS da energia gerada pelos parques durante 20 anos.

Assim, em 2004 a Enerfín candidatou-se para concorrer ao PROINFA e ganhou a habilitação para a instalação dos 150 MW de produção de energia em Osório. Apenas dois anos depois, os três parques estavam construídos, cada um com 25 aerogeradores, o que resulta em uma potência de 50 MW por parque.

Com um investimento de R$ 670 milhões, de capital inteiramente privado, não-especulativo, foi possível construir esse complexo de energia eólica. Do total, R$ 465 milhões foram financiados pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Os benefícios multilaterais

Crédito: Rafael Barfknecht
Crédito: Rafael Barfknecht
A geração de energia limpa e renovável proporcionada pelos Parques Eólicos de Osório trouxe múltiplos benefícios. Anualmente, evita-se a emissão de cerca de 150 mil toneladas de dóxido de carbono (CO2) na atmosfera com a geração da energia através do vento.

No que se refere ao município de Osório, o prefeito Romildo Bolzan Júnior afirma que a cidade é outra depois do empreendimento. “Estamos em um novo momento, pois os parques geraram para nós um reconhecimento nacional e internacional. Viramos referência em tecnologia de energia eólica”, conta.

O prefeito também ressalta o retorno financeiro à região, já que durante e após a implantação dos parques foi gerado um bom tributo de ISS – Imposto Sobre Serviços. “O empreendimento movimentou toda a economia no período da construção e a arrecadação não reduziu depois. Junto a isso agregou outros valores a Osório, como o turismo. Assim, posso garantir que não houve aspectos negativos, só ganhamos com os parques eólicos”, exalta.

O presidente da Ventos do Sul lembra também que a fauna e a flora da região onde os parques foram instalados mantiveram-se preservadas. Ao andar pelo local, percebe-se a convivência harmoniosa entre o meio ambiente e os aerogeradores. Inclusive, as terras utilizadas pela empresa são locadas diretamente com os proprietários, que mantiveram as suas atividades produtivas na região.

Outro aspecto importante foi os estudos e monitoramento ambiental realizados durante os três anos que precederam a construção do empreendimento. “Dez mestres e doutores em meio ambiente percorreram toda a costa gaúcha e fizeram um inventário precursor da região”, explica Magadan. Os resultados servem como fonte de consulta para a Fepam/RS – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – e para futuros projetos na área eólica.

Em relação à rentabilidade empresarial, Magadan garante que há retorno financeiro significativo na administração de um parque eólico, mesmo sem revelar os números. “Posso afirmar que essa energia é competitiva no mercado e nos proporciona rentabilidade, até porque se não trouxesse estaria gerando inadimplência”, observa.

Do ponto de vista da pesquisadora em energia eólica e doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Adriane Prisco Petry, as vantagens dos parques eólicos são mais evidentes se comparados aos impactos causados pela construção de termoelétrica e hidrelétrica.

Perspectivas para o futuro eólico do Brasil

A engenheira Adriane Petry acredita que o papel da energia eólica na matriz nacional pode e deve aumentar significativamente, ultrapassando em muito a participação atual de menos de 1%. Para aumentar o investimento empresarial nessa área, Adriane sugere que o Governo Federal garanta a realização anual de leilões de energias renováveis, por exemplo.

Por seu regime de ventos e boa infra-estrutura, o Rio Grande do Sul continua sendo a opção de instituições privadas que pretendem construir outros parques eólicos no país. A própria Enerfín do Brasil concluiu, em dezembro de 2010, a construção de um pequeno parque no município de Palmares do Sul, com quatro aerogeradores que somam a potência de 8 MW. A empresa vai instalar mais 42 MW no local até 2012, o que vai totalizar 25 aerogeradores que ficarão a cargo da Parques Eólicos Palmares S/A. O Grupo espanhol Impel, em parceria com a indiana Suzlon, também pretende investir em solo gaúcho, na cidade de Tapes (às margens da Lagos dos Patos), com previsão de instalação de 280 cata-ventos.

A partir dessas perspectivas, Adriane destaca que o cenário da geração de energia no Brasil está sendo modificado de alguma forma. “Acho que as políticas públicas, aos poucos, estão mostrando uma preocupação cada vez maior com a implementação de energias renováveis e limpas em detrimento das outras. Mas acredito que é preciso investir mais no desenvolvimento tecnológico do país, para criar uma indústria nacional voltada para a energia eólica, por exemplo, o que poderia diminuir ainda mais os custos e agilizar as construções dos empreendimentos”, afirma.

No entanto, ela lembra que essa energia deve manter-se funcionando como complementar a outras fontes, já que não se pode depender exclusivamente dos ventos, devido à sua variabilidade.

Crédito: Rafael Barfknecht
Crédito: Rafael Barfknecht
  • Flávia Moraes

    Jornalista, geógrafa e pesquisadora especializada em climatologia.

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