Reportagens

Reservas para o corredor

A Mata Atlântica ganhou três mil hectares de floresta nativa protegidos no Espírito Santo. Uma empresa de celulose decidiu criar suas primeiras reservas particulares.

Felipe Lobo ·
6 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

As 737 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) existentes no Brasil ganharam mais três companheiras no fim de julho. As reservas Recanto das Antas, Mutum Preto e Restinga da Aracruz foram criadas no Espirito Santo, em terras adquiridas pela empresa Aracruz Celulose para plantio de eucalipto. Com a consultoria do Instituto BioAtlântica (Ibio), a companhia ajudou a aumentar em 2.877 hectares a zona de preservação da Mata Atlântica no país e contribuiu para a construção de um corredor ecológico na divisa do Espírito Santo com a Bahia.

Na década de 90, o Ministério de Meio Ambiente realizou um estudo para diagnosticar os dez principais territórios ricos em fragmentos naturais no Brasil. A conclusão foi que se deveria investir na criação de dois corredores ecológicos no país: um na Amazônia e outro exatamente unindo as manchas de Mata Atlântica que resistem em todo o Espírito Santo até o sul e extremo sul da Bahia.

Há diversos usos de solo previsto para os 11 milhões de hectares que compõem o Corredor Central da Mata Atlântica, inclusive de suas unidades de conservação públicas e privadas. É aí que entram as novas três reservas da Aracruz, que abrigam espécies endêmicas e ameaçadas de extinção nos municípios de Linhares e Aracruz. As RPPNs de Mutum Preto e Recanto das Antas estão dentro da zona de amortecimento da Reserva Biológica de Sooretama, o que garante maior proteção à fauna e flora deste local.

A variedade de bichos e flora presente nas três novas reservas impressiona. Em Mutum Preto e Recanto das Antas, juntas, há 215 espécies de aves. É possível avistar populações de jaó-do-litoral e pica-pau, por exemplo, além de onças pintada e parda. Já a RPPN Restinga da Aracruz é formada por um ecossistema incomum na Mata Atlântica. A floresta é fluvial e o solo arenoso, formado por cascalho, areia e argila. Ambiente propício para seis aves exclusivas do bioma, nove raras e sete ameaçadas de extinção, como o Sabiá-da-Mata e o Sabiá-da-Praia.

A Reserva Restinga da Aracruz não está conectada a outros fragmentos de vegetação, mas sua importância é estratégica. “Ela é um bloco de restinga arbórea como praticamente não existe mais, apenas no sul e extremo sul da Bahia, nas regiões de Una, Trancoso e Arraial d’Ajuda, praticamente. Trata-se de uma espécie de testemunha de como era este tipo de mata na costa do Sudeste”, diz Beto Mesquita, coordenador do programa Conservação da Biodiversidade em Terras Privadas do Instituto BioAtlântica e um dos articuladores da parceria.

Festa na floresta

O Instituto BioAtlântica foi responsável por delimitar os dez fragmentos de vegetação original prioritários para conservação dentre os trezentos mil hectares de terras sem eucalipto que pertencem à Aracruz em território brasileiro. “Dos dez espaços, estes três acabam de se tornar Reservas Particulares do Patrimônio Natural e outras duas áreas na Bahia também estão em vias de receberem o título”, afirma Mesquita. Segundo ele, como a empresa em questão nunca teve RPPNs, eles preferiram escolher cinco áreas prioritárias para conservação a partir de quatro critério: tamanho, estado de preservação da mata, áreas que abrigam espécies ameaçadas e endêmicas e localização estratégica em relação ao corredor central. E em seguida, acompanhar a elaboração de plano de manejo, a contratação de efetivo profissional e o real cuidado da Aracruz com as reservas.

De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), instituído em 2000 pela Lei nº 9.985, as RPPNs estão inseridas no grupo de unidades de uso sustentável e têm o objetivo de “conservar a diversidade ecológica”. As permissões de visita se restringem apenas a pesquisas científicas e a finalidades educacionais, recreativas e turística. No bioma Mata Atlântica, 80% de uma propriedade particular rural podem ser destinados a atividades produtivas, mas os 20% restantes devem abrigar a vegetação típica, ou a reserva legal. Esta área pode ser transformada pelo proprietário em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, o que aumenta as chances de conservação do fragmento. “Temos mais de 574 mil hectares protegidos por este tipo de unidade de conservação nas vinte e sete unidades da federação. Isso significa maior cuidado com as espécies encontradas ali”, diz Alexandre Martinez, presidente da Confederação Nacional de Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

A Aracruz solicitou ao Ibama e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia para que seja feito o reconhecimento de mais duas RPPNs na região: a Esperança do Beija-Flor e a Cassurubá. Juntas com as três recém inauguradas no Espírito Santo, elas vão somar mais de seis mil hectares à proteção da Mata Atlântica.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

Leia também

Reportagens
26 de abril de 2024

Número de portos no Tapajós dobrou em 10 anos sob suspeitas de irregularidades no licenciamento

Estudo realizado pela organização Terra de Direitos revela que, dos 27 portos em operação no Tapajós, apenas cinco possuem a documentação completa do processo de licenciamento ambiental.

Notícias
26 de abril de 2024

Protocolo estabelece compromissos para criação de gado no Cerrado

Iniciativa já conta com adesão dos três maiores frigoríficos no Brasil, além de gigantes do varejo como Grupo Pão de Açúcar, Carrefour Brasil e McDonalds

Notícias
26 de abril de 2024

Com quase 50 dias de atraso, Comissão de Meio Ambiente da Câmara volta a funcionar

Colegiado será presidido pelo deputado Rafael Prudente (MDB-DF), escolhido após longa indefinição do MDB; Comissão de Desenvolvimento Urbano também elege presidente

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.