Reportagens

O sapo do Rosa

Espécie de sapo-cururu descoberta no extremo Sudoeste da Bahia é batizada com nome que homenageia um Parque Nacional, uma obra literária e um dos maiores autores brasileiros.

Manoel Francisco Brito ·
20 de junho de 2007 · 17 anos atrás

Graças a uma nova espécie de sapo-cururu, oficialmente descrita na mais recente edição do Journal of Herpetology, um dos principais autores da literatura brasileira, sua maior obra e um dos nossos mais importantes Parques Nacionais acabam de ganhar a imortalidade na ciência. O autor é Guimarães Rosa e a obra é Grande Sertão Veredas, que primeiro emprestou seu título ao Parque e agora ao sapo, que ocorre, em grande parte, justamente nos sertões por onde Riobaldo e Diadorim viveram suas aventuras, bem na divisa de Minas Gerais com a Bahia. Ele ganhou o nome científico de Chaunus veredas, dado pelos responsáveis pela sua descoberta, os herpetólogos Reuber Brandão, Natan Maciel e Antonio Sebben da Universidade de Brasília (UnB).

Brandão enxergou o sapo numa vereda no extremo Sudoeste da Bahia de noite, há sete anos, quando fazia um levantamento de fauna para três fazendeiros da região mais interessados em conservação do que em produção agrícola. “Eu percebi logo que se tratava de uma espécie ainda não identificada”, conta. Sua atenção foi atraída por características que aos seus olhos tornavam aquele sapo inconfundível. A primeira foi a coloração do bicho. Macho e fêmea têm o ventre branco, mas o dorso dele é amarelo gema de ovo. No dela, misturam-se o ocre e o verde-água. Brandão também notou que a sua cabeça era pouco ossificada.

Em linguagem de leigo, isso significa que ao contrário de grande parte de seus primos que pulam pelo Brasil afora, o Chaunus veredas não tem cristas altas e definidas no cocuruto. Ele é endêmico ao cerrado e habita os solos mais arenosos de regiões de chapadas, onde passa enterrado, hibernando, a maior parte do ano. “Só aparece para se reproduzir na época das chuvas, lá para outubro, novembro”, explica Brandão. Quando é manuseado, o Chaunus veredas entra em tanatose, isto é, finge-se de morto. É a maneira pela qual o bicho se defende de eventuais predadores. Ao assumir essa postura, ele começa a secretar um veneno através da pele que sinaliza que como comida, trata-se de coisa pouco palatável. “Em geral, o sapo escapa de virar almoço sem grandes danos”, diz.

Brandão só foi se dedicar a descrever o sapo três anos depois de encontrá-lo. Nesse intervalo, ajudou a escrever uma proposta para a ampliação do Parque Grande Sertão Veredas para região no Sudoeste da Bahia, entregue em 2001 ao então ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e foi obrigado a repensar a vida por conta da gravidez de sua mulher, Gláucia. “Eu estava desempregado, vivendo de consultoria, e com a perspectiva da chegada de um filho, fui obrigado a buscar uma fonte de receita mais segura”, relembra. Decidiu fazer o concurso para o Ibama em 2002. Passou e acabou lotado na Diretoria de Ecossistemas do órgão, onde uma de suas primeiras tarefas foi justamente ajudar nos estudos para fazer o Grande Sertão Veredas, como ele próprio havia proposto, crescer em direção à Bahia.

Boniteza e precisão

Brandão conhecia bem aquela área. Esteve lá pela primeira vez em 1991 com dois fazendeiros, Neuber Joaquim e Teodoro Machado, que queriam sua ajuda para apontar terras de alto valor ecológico que pudessem comprar. Ele conta que os três ficaram maravilhados com a região, em especial com o rio Formoso, grande afluente da margem esquerda do São Francisco. “Os solos arenosos da região, a planura do horizonte e as belíssimas veredas compunham uma paisagem de encher os olhos”, recorda. Ele só retornou ao local seis anos depois. Encontrou a natureza ainda bem preservada e os dois fazendeiros, aos quais tinha se juntado José Roberto Marinho, um dos controladores das Organizações Globo, com uma fazenda completamente estruturada, que recebeu o nome de Trijunção porque dentro de seu terreno estava o marco geográfico do IBGE que sinaliza o contato dos territórios de Minas, Bahia e Goiás.

A conservação era uma das prioridades nos 16 mil hectares da propriedade. Seus donos criaram 4 reservas particulares, que juntas somavam 5 mil hectares. Brandão acabou contratado para fazer o trabalho de levantamento de fauna em 2000 e em meio a espécies de mamíferos ameaçados como o tatu-bola e aves endêmicas, bateu no Chaunus veredas. A ampliação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas foi decretada em 2004 e ela abocanhou 7 mil hectares que pertenciam à fazenda Trijunção. Seus donos, ao contrário do que costuma acontecer nessas ocasiões, ficaram eufóricos vendo parte de sua propriedade ser agregada ao Parque. “Se todos fossem assim…”, diz Brandão.

Para o trabalho de descrição do sapo – uma atividade complexa e demorada, que envolve a análise de longa bibliografia e o exame coleções de museus – Brandão alistou a ajuda de dois colegas da UnB, os biólogos Natan Maciel e Antonio Sebben. Eles visitaram as coleções de herpetologia de 4 museus no Brasil, onde encontraram exemplares do mesmo sapo à espera de alguém para descrevê-lo. O estudo, transformado em artigo, foi terminado em meados do ano passado e enviado para os editores do Journal of Herpetology. Brandão aponta que o fato de se encontrar uma espécie nova entre um sapo tão comum no Brasil como o cururu é um sinal que ainda há muitas espécies a serem descobertas no país.

“A nossa diversidade é muito alta”, diz, lembrando que desde 2002, com a descrição de novas espécies, o Brasil ultrapassou a Colômbia e virou a nação do mundo que mais tem espécies conhecidas de anfíbios no mundo. Perguntado se no caso do Chaunus veredas cairia bem a frase de Guimarães de Rosa de que “o sapo não salta por boniteza, mas por precisão”, Brandão responde que não. “Ele salta por boniteza e por precisão”, diz, dando ao pulo do sapo uma beleza que só mesmo um herpetólogo seria capaz de enxergar. “A rã dá saltos longos. O sapo tem pulos curtos, mas sua musculura resiste à fadiga. A rã cansa logo. O sapo de pulinho em pulinho, vai muito mais longe”.

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