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Polícia do Pará acusa brigadistas de colocar fogo em Alter do Chão; ONGs repudiam ação

Operação “Fogo do Sairé” prendeu preventivamente quatro membros da Brigada de Incêndio de Alter do Chão e fez busca ostensiva na sede da ONG Projeto Saúde e Alegria em Santarém

Carolina Lisboa ·
26 de novembro de 2019 · 4 anos atrás
Brigadistas, bombeiros e voluntários combatem o fogo que se alastrou desde sábado (14) no distrito de Alter do Chão, Santarém, no Pará. Foto: Brigada De Alter.

A prisão preventiva de quatro membros da Organização Não Governamental (ONG) Brigada Alter do Chão (PA) e a busca ostensiva na sede da ONG Projeto Saúde e Alegria, na manhã desta terça-feira (26), causou perplexidade a organizações, instituições e entidades ambientalistas. As organizações repudiaram a ação, afirmando serem medidas abusivas, com intuito deliberado de intimidar ambientalistas e movimentos sociais.

A Polícia Civil do Pará (PC-PA) informou que foram cumpridos quatro mandados de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão com o apoio de 30 policiais e seis viaturas. A operação “Fogo do Sairé” é resultante da primeira fase das investigações que apuram a origem dos incêndios que atingiram, em setembro deste ano, a região de Alter do Chão, no município de Santarém, no oeste paraense.

A movimentações dos policiais começaram às 5h e incluíram o recolhimento de computadores, HDs, telefones celulares e documentos nos endereços dos acusados e na sede da ONG Saúde e Alegria. A operação foi realizada pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém (Deca) e Núcleo de Apoio à Investigação (NAI), com o apoio da Diretoria de Polícia do Interior (DPI). Segundo o coordenador do projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino, que estava em Brasília para participar de uma audiência pública na Câmara, os policiais chegaram na sede da ONG fortemente armados e sem esclarecer qual era a acusação. “Eu queria deixar claro que a gente desconhece, não sabemos até agora porque a gente está sendo acusado. Porque foram ao nosso escritório sem decisão judicial, com um mandato genérico para apreender tudo. Do que que a gente está sendo acusado?”, perguntou Scannavino, em entrevista coletiva realizada no fim da tarde.

De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Pará, Alberto Teixeira, delegado-geral, afirmou que o inquérito aponta para a autoria de pessoas ligadas à ONG Brigada de Incêndio de Alter do Chão, e por isso foram expedidos os mandados de prisão preventiva. “É uma operação de grande importância, realizada para elucidar o quanto antes as origens desse incêndio criminoso. A expectativa é que os documentos apreendidos possam fornecer mais detalhes para as próximas etapas do processo investigativo”.

A ONG Brigada de Alter é um grupo formado há um ano e meio que atua voluntariamente no combate aos incêndios na região de Alter do Chão, famoso ponto turístico paraense. Em nota, o grupo afirmou que está “em choque com a prisão de pessoas que não fazem senão dedicar parte de suas vidas à proteção da comunidade, porém certos de que qualquer que seja a denúncia, ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros devidamente reconhecida”.

Polícia Civil do Pará (PC-PA), em coletiva sobre a operação “Fogo do Sairé”. Foto: Secom/Divulgação.

Todo inquérito é baseado na acusação de que os brigadistas causaram o incêndio para captar recursos de doação. Para a Polícia, o Projeto Saúde e Alegria e mais duas ONGs Brigada Alter do Chão, Aquíferos Alter do Chão serviram de laranjas para captação deste recurso.

A investigação durou dois meses. Segundo as autoridades, os brigadistas tinham informações e imagens privilegiadas dos focos de incêndio. “Eles filmavam, publicavam e depois eram acionados pelo poder público a auxiliar no controle de um incêndio que eles mesmos causavam. Toda vez alegavam surpresa ao chegar no local, mas não havia outra possibilidade lógica”, acusa o titular da DPI, José Humberto Melo Jr.

Em entrevista aos repórteres André Borges, Miguel Oliveira e Giovana Girardi, do  Estadão, José Humberto de Melo Jr. afirmou que membros de três ONGs locais – Brigada Alter do Chão, Aquíferos Alter do Chão e Projeto Saúde e Alegria (PSA) – teriam recebido repasses da ONG internacional WWF para combater incêndios na região de Alter do Chão, mas que parte dos recursos teria sido desviado.

Em nota, o WWF-Brasil afirmou que possui uma Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, no valor de R$ 70.654,36. O recurso viabiliza a compra dos equipamentos para o combate ao fogo, dentre os quais abafadores, sopradores, coturnos e máscaras de proteção. “Tendo em vista a natureza emergencial das queimadas, o repasse foi realizado integralmente e, neste momento, a instituição está na fase de implementação de atividades e prestação de contas, com a comprovação da realização do que foi acordado”, informaram.

Segundo nota divulgada pela Brigada de Incêndio de Alter do Chão, os acusados contribuíram desde o começo com as investigações policiais, tendo inclusive já prestado depoimento. “[Os brigadistas] já haviam sido ouvidos na Delegacia de Polícia Civil e colaborado de forma efetiva no Inquérito após o incêndio de setembro que eles ajudaram a combater, deixando suas famílias e trabalhos em nome dessa causa a que se dedicam. Forneceram informações e documentos às autoridades policiais de forma completamente voluntária. Neste momento, a Defesa Técnica dos suspeitos, na figura dos Advogados Wlandre Leal, Renato Alho e Gabriel Franco já está tomando todas as providências legais para colocar os Brigadistas em liberdade imediatamente. Com toda a absoluta certeza, a verdade real dos fatos virá à tona ao longo da Instrução Processual e a inocência da Brigada será provada. A Defesa entende que neste momento, os requisitos autorizadores da Prisão Preventiva existentes no Artigo 312 do Código de Processo Penal de forma alguma restam evidenciados”, informou.

Coletiva 

“Há indícios, até agora não se falou em que e como, acusando-os de terem colocados fogo na floresta para depois gerar um incêndio em Alter do Chão. Para mim isso soa como uma piada”, afirmou o coordenador do PSA, Caetano Scannavino. “Daqui a pouco prenderão quem limpa petróleo na praia, tamanho o absurdo”, disse em coletiva realizada às 16h, no Salão Verde da Câmara dos Deputados. Além de Scannavino, participaram da coletiva os deputados Airton Faleiro (PT-PA), Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) e Helder Salomão (PT-ES), ligados à pauta ambientalista.

“A Frente Parlamentar Ambientalista e a Comissão de Direitos Humanos vai realizar pedidos de informação ao governador Helder Barbalho, à Secretaria de Segurança do Estado do Pará e à Polícia Civil sobre o inquérito. O que aconteceu hoje não acontecia há muito tempo no Brasil. Esse caso cheira a armação e tenta criminalizar aqueles que lutam em favor do meio ambiente. No Brasil virou moda criminalizar os heróis e exaltar criminosos. É uma arbitrariedade do Estado do Pará”, disse o deputado Helder Salomão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Caetano Scannavino pediu para que a imprensa ajude a apurar as acusações.

Fogo do Sairé

Incêndio em Alter do Chão em setembro. Foto: Eugênio Scannavino.

De acordo com a Polícia Civil, o primeiro foco de incêndio identificado na região ocorreu no dia 14 de setembro e atingiu uma área de mata conhecida como Capadócia, que fica entre a localidade de Ponta de Pedras e a vila de Alter do Chão. No dia seguinte, após as chamas serem controladas, um novo foco de incêndio foi identificado pela equipe do Corpo de Bombeiros no local.

No dia 16 de setembro, o governo do Estado montou uma força-tarefa para combater o incêndio na região. Mais de 200 homens trabalharam para conter o fogo, entre militares do estado – Bombeiros e Grupamento Aéreo de Segurança Pública do Pará (Graesp), do Exército Brasileiro e brigadistas voluntários, Prefeitura de Santarém, Polícia Civil e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Ainda no mesmo dia, a Polícia Civil, por meio da Delegacia de Conflitos Agrários de Santarém, o inquérito foi instaurado para investigar se o incêndio foi provocado.

Repercussão

Em nota, a associação Iwipuragã do povo Borari de Alter do Chão manifestou apoio à Brigada, afirmando que “foram presos, acusados indevidamente de terem causado o fogo em nossas florestas” e que as acusações “fazem parte de uma estratégia para desmoralizar e criminalizar as ONGs e movimentos sociais de forma caluniosa”. A associação alertou ainda que seu território vem sofrendo enorme pressão de especulação imobiliária, “que atropela os direitos dos povos originários e os planos de sustentabilidade para região, as ONGs e os movimentos sociais bem como moradores locais com formação técnica”.

Já a Anistia Internacional recebeu com preocupação a notícia de prisão dos brigadistas. “É lamentável que, no mesmo dia em que trazemos à público uma investigação consistente, com análise de dados oficiais e informações públicas, evidências coletadas em campo e entrevistas com servidores públicos, lideranças indígenas e comunidades tradicionais, mostrando comprovadamente como a pecuária está por trás do desmatamento e das queimadas na Amazônia, acontecem prisões sem qualquer transparência ou informação oficial sobre procedimentos adotados pelas autoridades em relação aos acusados em Alter do Chão”, afirmou Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

O Observatório do Clima repudiou o que chamou de “tentativa de criminalização de ativistas ambientais feita pela Polícia Civil do Estado do Pará, subordinada ao governador Helder Barbalho, do MDB”. Afirmou que as ações da Polícia Civil do Pará “foram medidas abusivas, com o único intuito de intimidar as pessoas que trabalham pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia e pelo bem-estar de sua população” e que, ao permitir tal abuso, o governador do Pará “mostra um alinhamento sinistro com o presidente Jair Bolsonaro e suas intenções declaradas de abrir a Amazônia ao desmatamento e acabar ‘com todo tipo de ativismo’. E cria um problema para si mesmo quando for à COP25 em Madri no mês que vem em busca de financiamento internacional para suas políticas ambientais”.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 4

  1. Paulo Jr diz:

    Com o alto custo de combater os incêndios florestais obviamente que ongs ou associações precisam de doações para isso. Uma simples motobomba para incêndios florestais custa mais de R$50mil… É incompreensível colocar fogo para receber doações e ter que gastar com o próprio fogo… Enquanto corporações militares e governamentais recebem diárias para combaterem… fazendeiros alugam seus aviões agrícolas para pulverizarem água no fogo……. esses não tem interesse de eliminar o fogo. Precisamos urgente de uma legislação específica para os Incêndios Florestais no território nacional para acabar com a indústria do fogo.


  2. Zeca diz:

    Isso é uma vergonha para nosso pará, prender quem protegem sem prova alguma, só pelo desejo de agradar alguns pecuaristas,.


  3. sousa santos diz:

    Queria ver quando é que um ruralista vai ser preso por cometer tal crime .


  4. Cláudio diz:

    Traduzindo as notas das demais Ongs: se vc for de Ong, automaticamente pode fazer qualquer coisa, vc está acima da lei.