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Pesquisadores identificam nova espécie de planta no Rio Grande do Sul

A recém-descoberta Rhamnidium riograndense viajou na mala de um engenheiro florestal por 5 anos e levou outros 5 antes que fosse identificada e descrita pela primeira vez à ciência

Duda Menegassi ·
8 de julho de 2021 · 3 anos atrás

O processo de descrição de uma nova espécie para ciência nunca é simples e às vezes se estende por anos. A história por trás da recém-descoberta Rhamnidium riograndense, planta gaúcha, endêmica e ameaçada pelo avanço das monoculturas de soja, é um exemplo de como a pesquisa nem sempre segue caminhos óbvios.

O primeiro encontro do pesquisador Maurício Figueira com a R. riograndense, um pequeno arbusto verde-brilhante, foi numa viagem a lazer com amigos, em 2011, ao Salto do Guassupi, cachoeira localizada no município de São Martinho da Serra, no Rio Grande do Sul. Na ocasião, a planta chamou atenção o suficiente para ficar registrada na memória do engenheiro florestal e seu instinto de curioso inato, que questionava que espécie poderia ser aquela que ele não conhecia. No ano seguinte, numa ida de campo ao Cerro do Itaquatiá, em São Pedro do Sul, outro município gaúcho, o destino pôs o arbusto brilhante mais uma vez no caminho de Maurício. Dessa vez, com frutos, que ressaltaram ainda mais as particularidades daquela espécie que ele desconhecia. Com as amostras coletadas e levadas ao herbário, o fim da investigação botânica parecia perto, mas só parecia, e por anos um exemplar desidratado da espécie viajou com o engenheiro em sua mala enquanto ele trabalhava Brasil afora, com muito pouco tempo para entender melhor quem era a ilustre desconhecida que despachava junto com sua bagagem.

Apenas em 2021 veio a conclusão da pesquisa, feita gradativamente ao longo dos anos, primeiro com a descoberta da sua família botânica – a Rhamnaceae, que agrupa cerca de 900 espécies de árvores, arbustos e lianas –, depois com a constatação de que se tratava de uma nova espécie para ciência e não apenas um novo registro para o Brasil. O artigo, publicado no começo de julho na revista científica Phytotaxa, é assinado por Maurício junto com outra engenheira florestal, Bianca Schindler. A dupla trabalhou junto no herbário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Parceiros de profissão e de vida, estiveram juntos nas viagens e mudanças feitas ao longo dos últimos 10 anos, enquanto aos poucos elucidavam os mistérios da R. riograndense.

O arbusto ocorre na transição entre os domínios do Pampa, com seus campos, e da Mata Atlântica, com suas florestas, em ambientes de encostas e áreas abertas, sempre em solos rochosos e rasos. Até o momento, a pesquisa identificou apenas quatro populações da espécie, situadas bem próximas, num perímetro de 16km² que abrange os municípios de Jari, Santa Maria, São Martinho da Serra e São Pedro do Sul.

O Cerro do Itaquatiá, no município gaúcho de São Pedro do Sul, onde a espécie foi encontrada. Foto: Bianca Schindler

“Esses ambientes de encosta são um lugar interessante para ela, porque ela acaba não sofrendo tanto com perturbações da agricultura e pecuária. Mas nessas áreas mais abertas e mais planas em que nós também a encontramos, ela acaba sofrendo, porque o avanço da soja, principalmente na região de Jari, tem sido muito rápido. Nos últimos 20 anos, perdemos muita área [de vegetação]. Então provavelmente o habitat dela está sendo afetado e é uma planta que tende a desaparecer dessas áreas planas e ficar restrita às áreas de encosta, o que infelizmente é normal para muitas plantas”, contextualiza o engenheiro florestal Maurício Figueira.

O pesquisador ressalta ainda que as quatro populações conhecidas até agora, todas numa área muito pequena do Rio Grande do Sul, são um alerta para a possível vulnerabilidade da espécie e de sua conservação. “Temos o avanço da monocultura da soja e nenhuma das populações está dentro de unidade de conservação, então não é um cenário muito bom, não há proteção garantida no longo prazo”, reforça. No artigo, os pesquisadores reforçam que para garantir a sobrevivência do R. riograndense é preciso investir em esforços de conservação e monitoramento das populações.

“A região Sul do Brasil está entre as áreas com maior número de coleções botânicas do país, porém para a região central do estado do Rio Grande do Sul há lacunas de coleta. Nossos resultados apoiam esta tendência ao afirmar que mais coleções botânicas são necessárias e podem descobrir outras novidades. Estas novas expedições devem se concentrar nas áreas onde essas novas espécies estão sendo encontradas. Além disso, esses ambientes sofrem substituições de habitat, principalmente relacionadas à pecuária e à atividade agrícola, e novos registros são necessários para acessar o estado de conservação e planejar futuras ações de conservação para os táxons [espécies] que ocorrem na região”, aponta o artigo.

Prancha mostra detalhe da folha da Rhamnidium riograndense. Arte: Kelen Pureza Soares

Maurício reforça ainda que agora o trabalho é dar início a pesquisas para conhecer melhor a espécie. “Cada planta que se descobre surgem novas perguntas para serem respondidas. Essa planta [Rhamnidium riograndense] tem um potencial ornamental muito grande, porque ela tem essa folhagem muito bonita, verde brilhante, que não é tão comum. Apesar das flores e dos frutos não serem tão chamativos, a folhagem é algo que me chamou muita atenção. E tem toda a parte fitoquímica que não é conhecida e pode servir para produzir medicamentos ou cosméticos. Tem muita coisa para ser pesquisada, por isso a divulgação é importante”, conclui.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. MARIA ANGÉLICA SCHMITT diz:

    Conheço a planta, pois era muito comum no Cassino/ RS. Cresciam de forma isolado nos campos, nos últimos anos não tenho visto nenhum pé do arbusto.