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Ibama enfrenta dificuldades para cumprir meta de julgamento de autos de infração

Instituto convocou servidores para uma força-tarefa para conseguir cumprir a meta até o final de maio, que será quase 40% menor do que originalmente prevista

Duda Menegassi ·
16 de março de 2021 · 3 anos atrás
Processamento de multas ambientais segue asfixiado e não consegue cumprir metas previstas na atual gestão do Ibama. Foto: Fernando Augusto/Ibama

Mesmo com sucessivas quedas no número de multas aplicadas por ano, o Ibama sofre para conseguir cumprir suas próprias metas de julgamento de autos de infração e para reduzir a taxa de prescrição das multas lavradas. O objetivo original era julgar 25 mil autos de infração entre os dias 1º de junho de 2020 e 31 de maio de 2021, mas a poucos meses do fim do prazo, a Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (Siam) solicitou o enxugamento da meta em quase 40% e distribuiu pilhas de processos para servidores de todo o país. A nova (e desidratada) meta é realizar a instrução de apenas 15.450 autos de infração ambiental até final de maio.

A meta de redução da taxa de prescrição de multas também foi enxugada, de 25 para 20% em relação à média dos três últimos anos. Uma multa leva em média de 3 a 5 anos para prescrever, ou seja, perder a validade, de acordo com o caso.

No documento enviado pela Siam no início de fevereiro, no qual solicita os ajustes, a superintendência justifica seu pedido pelo atraso da definição normativa de como seriam organizadas as equipes de instrução. A Instrução Normativa que regulamenta o processo administrativo federal para apuração de infrações ambientais foi publicada no final de janeiro de 2020, mas a norma que regulamenta a Equipe Nacional de Instrução, a Portaria nº 1.369, foi publicada quase seis meses depois, no dia 18 de junho de 2020.

A designação dos integrantes para Equipe Nacional de Instrução (Enins) foi feita apenas em agosto de 2020 (Portaria nº 1.862). Além de definir o time de servidores da Coordenação de Apuração de Infrações Ambientais (Ciam) e da Divisão do Contencioso Administrativo (Dicon), a portaria também estabelece a relação de servidores de cada superintendência estadual (Supes) do Ibama que são responsáveis por instruir, preparar e relatar os processos de apuração de infrações ambientais.

A Siam aponta que como consequência, o plano de trabalho da Equipe Nacional de Instrução – que precisa ser elaborado pela Dicon – ainda não foi concluído integralmente e acrescenta que a pandemia também foi um fator de dificuldade, devido à limitação de velocidade de rede de internet de alguns servidores diante do trabalho remoto.

As metas relativas às infrações ambientais foram indicadas individualmente para cada superintendência – as estaduais e a Siam. No caso apenas da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais, o índice proposto era de instrução de 1.584 multas. No dia 31 de dezembro de 2020, apenas 464 haviam sido julgadas (somando as de 1ª e 2ª instância), menos de 30% da proposta original.

Em sua manifestação, a Siam solicita que o seu quantitativo final passe para 1.268 processos, para serem instruídos até final de maio.

A Siam aponta ainda que as mesmas justificativas que comprometeram a viabilidade das metas originalmente propostas se aplicam às superintendências estaduais do Ibama e propõe que a redução também se estenda a elas. Com a mudança, as Supes teriam que instruir apenas 14.182 processos no total, ao invés de 23.760.

Mesmo com a diminuição das metas referentes ao julgamento dos autos de infração, a Siam solicita à Divisão de Contencioso Administrativo (Dicon), responsável pela coordenação executiva da Enins, que “promova com urgência a distribuição processual de forma ampla às unidades descentralizadas, principalmente os pendentes de instrução, bem como priorize a conclusão do plano de trabalho e modelos de documentos essenciais à produção da Equipe Nacional de Instrução”.

De acordo com fonte ouvida por ((o))eco, outro motivo para o ajuste da meta é a falta de servidores para realizar os julgamentos de 1ª e 2ª instância, o que fez com que os processos fossem descentralizados das respectivas superintendências estaduais (Supes) de ocorrência da multa, e distribuídos entre servidores de diferentes Supes por todo país. “Se não houvesse essa força-tarefa essa meta não seria cumprida”, aponta a fonte, que prefere não se identificar. O procedimento padrão é que a própria superintendência realize o julgamento dos autos lavrados por ela no estado.

Exoneração e turbulência

Além de todos os obstáculos normativos para prosseguir com o julgamento dos autos de infração, em janeiro de 2021, a área de multas do Ibama teve uma grande crise interna com a exoneração do chefe da Coordenação Nacional do Processo Sancionador Ambiental, Halisson Peixoto Barreto. A sua saída repercutiu entre outros servidores do Ibama envolvidos na área de infrações ambientais, que colocaram seus cargos à disposição.

Na época, os servidores redigiram uma carta em que manifestavam sua indignação com a exoneração de Halisson e apontavam que “a saída das pessoas que estão diretamente envolvidas no desenvolvimento da nova configuração do processo sancionador e da conciliação ambiental provocará imensuráveis prejuízos para a administração e desmotiva todos os demais servidores integrantes da Enins e das ECACs [Equipe de Condução de Audiências de Conciliação]”.

Em abril de 2019, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, junto ao presidente Jair Bolsonaro, instituíram um novo método para o processo de multas (Decreto nº 9.760), batizado de conciliação ambiental, no qual foram instituídos “núcleos de conciliação” responsáveis por marcar audiências, analisar os casos e validar – ou anular – cada multa aplicada pelo Ibama no país. O novo formato, apesar de vigorar oficialmente desde outubro de 2019, ainda não emplacou, com pouquíssimas audiências já realizadas.

Um relatório publicado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em setembro de 2020, chama atenção para “a expressiva redução de 88% no número de julgamentos realizados pelo Instituto [Ibama] sob a vigência do novo modelo, quando comparado ao mesmo período de 2019 (de janeiro a agosto). Além disso, em relação à conciliação ambiental, em que pese terem sido lavrados mais de sete mil autos de infração desde a vigência do Decreto 9.760/2019, somente foram realizadas cinco audiências de conciliação até momento”.

“Portanto, considerando estes resultados iniciais e tendo em vista o grande volume de processos de auto de infração pendente de instrução e julgamento no Ibama aliado à quantidade de novos processos que chegam, os gestores devem atuar tempestivamente para mitigar as dificuldades de implementação do novo modelo e evitar o risco da criação de novos gargalos no andamento dos processos”, destaca o relatório.

Queda no número de multas

Em 2020, de acordo com informações levantadas pelo Observatório do Clima no Portal de Dados Abertos do Ibama, foram realizados apenas 9.516 autos de infração ambiental, uma queda de 20% comparada ao ano anterior, quando foram emitidas 11.914 multas, e o menor número desde pelo menos 2004, quando estas informações passaram a ser sistematizadas.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 2

  1. Altair Jos diz:

    Pelo menos o IBAMA possui instâncias internas de julgamento. Pergunta no ICMBio sobre este assunto, pergunta? Aliás pergunta sobre o Sistema de Fiscalização do ICMBio, o tal SOFIA… E pra onde foi toda a $$$$$ que gastaram pra fazer este sistema, que nunca funcionou.


  2. Paulo diz:

    É a politicagem omissa da jaguarada fazendo estrago.
    "Crime ambiental prescrevendo", é uma ação biopirata.