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Governo revoga zoneamento e permite expansão da cana-de-açúcar para a Amazônia

Decreto que estabelecia o zoneamento agroecológico da cultura impedia a expansão para os biomas Amazônia e Pantanal. Ano passado, indústria da cana havia se posicionado contra a mudança

Daniele Bragança ·
6 de novembro de 2019 · 4 anos atrás
Produção de cana-de-açúcar em São Paulo. Foto: Secretaria de Agricultura e Abastecimento/SP.

Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Tereza Cristina, da Agricultura, foi revogado nesta terça-feira (06) o decreto que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e proibia a expansão do cultivo de cana na Amazônia e no Pantanal. A União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), que até ano passado defendia a manutenção do zoneamento, defendeu a revogação do decreto.

Em nota assinada por Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a representante do setor sucroalcooleiro minimiza os efeitos sobre o fim do zoneamento, afirmando que a medida “teve seu papel no passado”, mas que não convinha em um novo modelo que sai “da era da regulação para a do compromisso”.

“O setor sucroenergético tem se antecipado nesse ponto, já faz algum tempo que temos estado um passo à frente. (…) Redobramos essa aposta com o Renovabio – a nova Política de Biocombustíveis aprovada em 2017 e que, depois do período de regulamentação, entra em atividade em 2020 – num amplo consenso entre setor produtivo e governo, decidimos que seria política de desmatamento zero “na veia”, como diriam os mais jovens. Para ingresso no programa, a grande aposta do setor, nem mesmo o desmatamento permitido em lei será aceito. Desmatou, está fora do Renovabio, pois o etanol, e todos os nossos produtos, devem ser sustentáveis do início ao fim”, diz.

A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) foi instituída pela Lei nº 13.576/2017, e não tem mecanismos para evitar a expansão do cultivo da monocultura para bioma nenhum.

Para o pesquisador Lucas Ferrante, doutorando do Programa de Pós Graduação em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), mesmo que o setor sucroalcooleiro se comprometa a expandir apenas para áreas degradadas, o incentivo econômico para a produção de cana empurrará os atuais usos, como pecuária extensiva, para áreas de florestas, contribuindo para o aumento do desmatamento.

“[No projeto de lei que previa acabar com o zoneamento e que foi engavetado ano passado] Já estava previsto que a cana-de-açúcar seria implementada em campos alterados. O que teoricamente não geraria desmatamento. Há dois problemas grandes nisso: primeiro, não existe definições específicas para campos alterados. Nessa definição podem entrar campinas, campinarana e áreas de savana na Amazônia, que são basicamente um bioma à parte, muito ameaçado, que pega fogo muito rápido, e que tem uma biodiversidade específica. O segundo problema é o processo de migração de culturas. O que vai acontecer é implementar cultura de cana-de-açúcar hoje onde tem pasto ou cultivo de outros tipos e essa produção migrará para outras áreas e vão desmatar. É uma balela que o fim do zoneamento não estimulará o desmatamento”, diz.

O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar. Desde dezembro de 2009, o país restringe o cultivo de cana nos biomas Amazônia e Pantanal, o que aumentou a competitividade do etanol brasileiro, combustível produzido a partir da cana-de-açúcar e considerado limpo justamente por ter a produção restrita em território já consolidado.

“Foi esse decreto que impediu que as exportações de etanol do país sofressem restrições internacionais como as impostas ao biodiesel da Indonésia, ligado ao desmatamento”, se posicionou, em nota, o Observatório do Clima. “Com seu ato, os dois ministros, tidos como a “ala razoável” do governo, expõem dois biomas frágeis à expansão predatória e economicamente injustificável da cana e jogam na lama a imagem internacional de sustentabilidade que o etanol brasileiro construiu a duras penas”.

“A revogação do zoneamento detona a imagem do biocombustível do Brasil, então não é vantajoso para o setor. A gente vai perder mercado internacional. O que o Brasil ganha com isso?”, pergunta Ferrante.

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 3

  1. Leninha Rocha diz:

    Esse governo ignora todo estudo científico. Desrespeita a natureza. Não protege Biomas. Viola todos os direitos de PRESERVAÇÃO.


  2. Esmeralda diz:

    Parabéns pelo artigo, adorei!


  3. Luiz Eduardo diz:

    É bom saber que o setor sucroalcooleiro tem reduzido a produção e advinha o que causou isso? Estiagem, pois é, estiagem no centro sul e coincidentemente esse centro sul depende do ciclo hidrológico e pluvial que tem a amazônia como grande fonte contribuidora. Agora imagine, essa expansão da cana suprimindo os remanescentes de vegetação na região amazônica, qual seria o efeito? Aí o bicho pega no centro sul que passaria a se tornar uma região árida, e aí nem cana e nem mesmo capim. Vale a pena será para um setor que só contribui em 1,5% para PIB. E aí será que contribuiria em grande proporção para o desenvolvimento da amazônia? Devemos lembrar que o primeiro ciclo econômico da região amazônica foi a exploração da borracha, mas logo veio o declínio e mostrou que a monucultura não funciona naquela região. Houve construção de estradas e usinas no período militar, mas acabou gerando problemas na ocupação territorial e consequentemente conflitos agrários. A amazônia representa um grande potencial para o Brasil se tornar potência em modelo de produção sustentável e a saída para esse grande triunfo é o investimento na produção de produtos da sociobiodiversidade; a incrementação da produção de biotecnologia; o fortalecimento do Plano Nacional dos Produtos da Sociobiodiversidade; do Programa Verde; maior investimento na economia florestal; aumento da capacidade de bioprospecação para geração de produtos fármacos, cosméticos e outros. O próprio fortalecimento do agronegócio baseado na agricultura sustentável e responsável. Enfim, é preciso apostar na vocação produtiva local afim de que se possa garantir o estoque do patrimônio genético; assegurar os serviços ecossistêmicos e o principal de todos! A garantia do ciclo hidrológico do nosso território, principalmente o centro sul. Outro mecanismo importante são as cotas de compensação ambiental repassadas pelos países que mais emitem co2 e até mesmo os estados do Brasil que mais desmataram como é caso de SP deveria repassar como compensação ambiental. E porque não? Pois é, acho que é por aí, falta neste governo conhecimento neste campo, como não tem aí prefere ta repetindo e resuscitando planos da velha política.