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“Florestas secundárias podem mitigar mudanças climáticas”, afirma estudo

Regeneração natural de pastagens abandonadas na Mata Atlântica oferece benefícios em captação de carbono e recuperação da biodiversidade, ajudando a mitigar as mudanças climáticas

Carolina Lisboa ·
24 de março de 2020 · 4 anos atrás
Um dos maiores cases de sucesso da conservação: o Parque Nacional da Tijuca, reflorestado ainda no século XIX. Foto: Peterson de Almeida/Wikiparques.

O Dia Internacional das Florestas, 21 de março, foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para conscientizar sobre importância das florestas para o planeta. Contudo, não somente as florestas primárias são fundamentais, mas também os fragmentos de florestas secundárias que, segundo um estudo publicado em 2019 na revista Global Change Biology, são capazes de captar carbono e recuperar a biodiversidade, ajudando assim a mitigar as mudanças climáticas globais. De acordo com Fabio Matos, primeiro autor da publicação realizada em associação com 12 coautores, “a regeneração do carbono em florestas secundárias pode colaborar para que o aquecimento global fique restrito a 2°C, quando também se previne a degradação antrópica de áreas naturais, utiliza-se de estratégias de restauração ecológica ativa e busca-se a redução das emissões de CO2 por outras fontes antropogênicas”.

O estudo em questão, Secondary forest fragments offer important carbon and biodiversity cobenefits (“Fragmentos de florestas secundárias oferecem importantes cobenefícios em carbono e biodiversidade”, em português), esclarece como a regeneração natural de pastagens abandonadas na Mata Atlântica, que resulta em fragmentos florestais secundários, oferece benefícios em captação de carbono e recuperação da biodiversidade. Os autores quantificaram que, três décadas após o abandono das terras, as florestas em regeneração haviam recuperado cerca de 20% (72 megagramas – ou toneladas – por hectare, Mg/ha) dos estoques de carbono acima do solo de uma floresta primária, enquanto as pastagens continham apenas 3% dos estoques em relação às florestas primárias. Os resultados também demonstraram que os remanescentes de florestas primárias continham a maior média de estoque de carbono, cerca de 370 Mg/ha, seguidos por florestas secundárias, com cerca de 27 Mg/ha, e depois por pastagens, com aproximadamente 12 Mg/ha. O estudo verificou ainda que a floresta secundária recuperou sua diversidade biológica em diversos aspectos: cerca de 76% da diversidade taxonômica, 84% da diversidade filogenética e 96% da diversidade funcional encontrada nas florestas primárias. Além disso, recuperou, em média, 65% das espécies ameaçadas e cerca de 30% da riqueza de espécies endêmicas da floresta primária.

Os autores concluíram que houve relação positiva entre estoque de carbono e recuperação da diversidade de árvores, mostrando que fragmentos de florestas secundárias oferecem cobenefícios sob a FLR (Restauração de Florestas e Paisagens, metodologia que busca mitigar as mudanças climáticas globais, removendo o dióxido de carbono da atmosfera através do crescimento de árvores) e em pagamentos por serviços ambientais, além de conservar a biodiversidade e melhorar a conectividade da paisagem. Em entrevista para ((o))eco, Fabio Antonio Ribeiro Matos, biólogo e doutor em botânica, esclareceu algumas questões relacionadas ao estudo.

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((o))eco: Como as florestas secundárias ajudam a mitigar as mudanças climáticas?

Fabio Matos: A regeneração de florestas secundárias, após a remoção parcial ou completa, fixa ativamente CO2 na biomassa vegetal acima e abaixo do solo, equilibrando parcialmente as emissões de carbono por degradação florestal, queima de combustíveis fósseis e outras fontes antropogênicas. Além de sequestrar carbono da atmosfera para o seu crescimento, as florestas secundárias também têm papel fundamental na regulação do ciclo hídrico, lançando água que retiram do solo para a atmosfera, com efeitos diretos para regulação climática local e regional. Por exemplo, a liberação de moléculas de água para atmosfera aumenta a precipitação, e consequentemente, controla a temperatura que todos nós sentimos. Por fim, cabe ressaltar que as florestas secundárias são uma das fontes de mitigação das alterações climáticas, não substituindo o papel das florestas primárias e a necessidade de adoção de mecanismos que visem à conservação, manejo e aumento dos estoques de carbono.

Qual a importância dos fragmentos florestais secundários em relação às mudanças climáticas?

A importância reside no fato de que os recursos globais para a conservação da biodiversidade e carbono são limitados, com efeitos diretos sobre a incorporação de CO2, um dos gases causadores do efeito estufa. Por exemplo, o custo de regeneração natural de 1ha (tamanho de um campo de futebol) no Brasil pode variar de R$15 à R$ 20 mil reais a depender da região, o que encarece o processo de regeneração ativa. Mecanismos como o FLR, ao incluir as florestas secundárias em seus objetivos, podem ter uma maior segurança no cumprimento de suas metas, já que irão pagar só pela conservação do carbono.

Quais seriam os benefícios da regeneração natural de pastagens a longo prazo?

“As florestas secundárias com 30 anos de regeneração apresentam um aumento da diversidade taxonômica, funcional e filogenética.”

As florestas secundárias com 30 anos de regeneração apresentam um aumento da diversidade taxonômica, funcional e filogenética. O aumento da diversidade viabiliza o reestabelecimento de importantes serviços ambientais (benefícios que as pessoas obtêm da natureza direta ou indiretamente), tais como: melhoria da qualidade do ar, regulação climática, compostos químicos, polinização, dispersão de sementes, controle biológico, controle do ciclo hidrológico, ciclagem de nutrientes e serviços de cunho cultural (p. ex. educacional, religioso ou estético-paisagístico). Dado o atual cenário de degradação das florestas tropicais, o estudo em questão demonstra que a conservação das florestas secundárias pode auxiliar na manutenção e conservação da biodiversidade, podendo ter o seu papel maximizado quando utilizadas com estratégias de conservação de áreas naturais e a restauração ecológica ativa. Um importante exemplo para a utilização das florestas secundárias no Brasil é o Bioma Mata Atlântica, que já perdeu 88% de sua cobertura florestal original desde o ano de 1500, mas, atualmente abriga aproximadamente 72% da população (149 milhões de pessoas), que dependem diretamente dos serviços ambientais prestados pelos 12% das florestas remanescentes.

A extinção de espécies tem sido um fato comum na vida terrestre, mas a entrada humana neste cenário tem injetado algumas novidades na lista de causas de extinção e acelerado este processo. Por exemplo, o desmatamento, corte seletivo e incêndios florestais são responsáveis pela extinção local e regional de um elevado número de espécies, podendo estes valores de extinção serem agravados em um futuro próximo, caso nada seja feito para redução das alterações climáticas globais. No estudo em questão, demonstramos que a regeneração das florestas secundárias possui potencial de auxiliar na mitigação das alterações climáticas, restauração de serviços ecológicos importantes, recuperação de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

Reflorestamento. no morro da Babilônio, no Rio de Janeiro. Foto: Daniele Bragança.

Por fim, podemos considerar que os resultados encontrados demonstram que em longo prazo as florestas secundárias, mesmo estando em paisagens altamente fragmentadas, possuem a capacidade de reduzir custos em projetos de conservação da biodiversidade e mitigação das alterações climáticas. Por exemplo, o mecanismo FLR (Forest Landscape Restoration) possui como objetivo restaurar 350 milhões de hectares de terras desmatadas e degradadas ao redor do mundo até o ano de 2030, contudo, como o custo é extremamente elevado e os recursos globais para a conservação da biodiversidade e do carbono são limitados, o objetivo inicial pode não ser atingido. Assim, temos que a adoção das florestas secundárias pelo mecanismo FLR possui o potencial de redução de custos, uma vez que estaria comprando apenas o carbono, e a biodiversidade seria um benefício “gratuito”.

Você menciona o aumento de três tipos de diversidade em florestas secundárias com 30 anos de regeneração. O que são e quais as diferenças entre elas?

A diversidade taxonômica é a medida do número de espécies de árvores por uma unidade de área (geralmente em hectares); a diversidade funcional mede a variação das características das espécies que influenciam o funcionamento das comunidades (p. ex.: morfológicas, fisiológicas e fenológicas) e fornecimento de serviços ecossistêmicos (por exemplo, a perda de habitat leva a uma redução de dispersores de sementes, o que afeta diretamente a quantidade de espécies tardias que possuem elevada capacidade de estocar carbono); a diversidade filogenética é uma medida que incorpora as relações filogenéticas (evolutivas) das espécies (sua principal premissa é que a diversidade é maior em uma comunidade em que as espécies são evolutivamente “menos” relacionadas).

A diversidade taxonômica não leva em conta o papel funcional e a variabilidade genética das espécies, ou seja, assume-se que os indivíduos das diferentes espécies amostradas são equivalentes (são ecologicamente iguais) em suas relações evolutivas e na funcionalidade dentro dos ecossistemas, mesmo sabendo que não são. Assim, considerando que é a biodiversidade que gera todo o carbono e que a degradação antrópica gera variações na diversidade, uma opção para a avaliação da biodiversidade é considerar o número de espécies, as relações funcionais e evolutivas.

Viveiro de mudas nativas da SOS Mata Atlântica em Itu, interior paulista. Foto: Claudio Angelo/OC

Hipoteticamente, imaginemos duas comunidades de espécies arbóreas, cada uma com cinco espécies: na comunidade florestal 1 temos cinco espécies, sendo que cada espécie pertence a uma família e a um gênero botânico [Abarema cochliacarpos, Actinostemon concolor, Allagoptera caudescens, Annona dolabripetala e Astronium concinnum]; na comunidade florestal  2, as cinco espécies pertencem apenas ao gênero Inga spp., ou seja, a mesma família botânica e ao mesmo gênero. Quando consideramos a diversidade taxonômica (número de espécies), todas as duas comunidades são igualmente relevantes para estratégias conservacionistas. Contudo, quando consideramos a diversidade funcional e filogenética, apenas a primeira comunidade de árvores possui potencial “mais” relevante para a conservação.

O que leva os fragmentos florestais secundários a recuperar a biodiversidade?

No estudo em questão, encontramos que a idade e o tamanho dos fragmentos aumentam a biodiversidade, enquanto o elevado nível de isolamento conduz a uma redução. Após o abandono da terra e a partir da chegada dos primeiros indivíduos das espécies, inicia-se um processo que chamamos de sucessão secundária, no qual ocorre alteração dos fatores abióticos (p. ex.: redução da luminosidade, das temperaturas e aumento da umidade), abrindo caminho para outros grupos de espécies com maiores exigências microclimáticas e nutricionais. Já uma área maior aumenta a disponibilidade de habitats, recurso para os mais variados tipos de espécies, redução das condições abióticas extremas (p. ex.: temperatura, luminosidade), possibilitando um aumento da diversidade. Contudo, níveis de isolamento maiores reduzem a eficiência de dispersão dos diásporos, afetando de maneira negativa o fluxo gênico e interações intraespecíficas e interespecíficas entre as espécies, com consequente redução da diversidade.

Em quanto tempo os fragmentos florestais secundários recuperam carbono acima do solo em paisagens altamente degradadas, após o abandono da terra?

“Em trinta anos encontramos a recuperação de 27 Mg/ha, o que representa ~ 20% do observado para as florestas primárias”.

Em trinta anos encontramos a recuperação de 27 Mg/ha, o que representa ~ 20% do observado para as florestas primárias. Consideramos como florestas primárias remanescentes florestais que ocorrem fora e dentro de unidades de conservação e sem evidências de exploração recente, incêndio e caça. O valor encontrado está abaixo do esperado, quando comparamos com estudos desenvolvidos em outras florestas tropicais secundárias. Um dos principais fatores foi o elevado nível de isolamento entre os remanescentes de florestas secundárias amostradas no presente estudo, uma vez que os outros estudos utilizaram florestas secundárias com baixo nível de isolamento com as florestas primárias. Ainda assim, para a nossa surpresa, o estudo em questão demostrou que paisagens com elevado nível de isolamento entre florestas secundárias possuem capacidade de fornecer cobenefícios. Um resultado novo e animador para que possamos traçar novas estratégias de conservação para as florestas tropicais.

Quais as principais características que esses fragmentos devem manter para acelerar essa recuperação?

As principais características são o incremento de área e redução dos níveis isolamento. No nosso estudo encontramos que o aumento da área leva ao aumento do estoque de carbono e diversidade, enquanto que o aumento do isolamento conduz a uma redução substancial de tais parâmetros bióticos. A ampliação das florestas secundárias em área permite a criação de diferentes tipos de habitats, o que favorece o estabelecimento de espécies com diferentes estratégias funcionais, interações intraespecífica e interespecífica, redução das taxas de mortalidade e aumento das de natalidade para populações de diferentes espécies. Por outro lado, o aumento dos níveis de isolamento limita a capacidade de dispersão dos diásporos [unidade de dispersão da planta composta por uma semente ou esporo mais quaisquer tecidos adicionais que ajudem à dispersão] entre manchas florestais, com efeitos diretos sobre o fluxo gênico entre populações de manchas florestais diferentes.

Recomendações adicionais também podem ser feitas. Por exemplo, é muito comum encontrar no interior das florestas secundárias indícios de passagem de gado, remoção do sub-bosque para recreação ou queimadas criminosas. Todos os processos acima citados de maneira geral afetam a taxas de germinação e mortalidade, com efeitos diretos sobre a capacidade de recompor a diversidade e ampliação dos estoques de carbono.

Como ocorrem os cobenefícios em carbono e biodiversidade relatados no estudo?

Nós sabemos que é a biodiversidade que gera o carbono. Por exemplo, plantações de Eucaliptos spp. possuem uma elevada taxa de carbono em sua biomassa, mas uma baixa biodiversidade. Assim, podemos dizer em linhas gerais que os cobenefícios são um produto da recuperação da diversidade nas florestas secundárias. Ainda assim eles podem ser “melhorados” quando temos uma redução do nível de isolamento, aumento das áreas de florestas secundárias a partir de terras abandonadas.

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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