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Desmatamento de florestas mais velhas põe Mata Atlântica em desequilíbrio

Pesquisadores alertam que aparente equilíbrio na cobertura florestal do bioma esconde o grave impacto da redução das florestas mais maduras, fundamentais para a biodiversidade

Duda Menegassi ·
21 de janeiro de 2021 · 3 anos atrás
Apesar da relativa estabilidade em cobertura florestal, a perda de florestas mais velhas pode ser um grande risco à Mata Atlântica. Foto: Marcelino Dias/CC 2.0

Devastada por séculos e reduzida a apenas 12% de sua cobertura original, a Mata Atlântica tem ganhado um respiro em termos territoriais nas últimas duas décadas, com uma maior estabilidade e até recuperação na sua cobertura florestal no país. Essa constatação, entretanto, camufla uma dinâmica perigosa que tem ocorrido no bioma: a perda de florestas mais velhas. O alerta foi dado por pesquisadores que apontam que a suposta estabilidade na cobertura florestal nativa ocorre porque as florestas maduras – que continuam sendo desmatadas – estão sendo substituídas por florestas jovens, em recuperação. Esta equação, entretanto, não equilibra de verdade a balança ecológica, porque os ambientes mais maduros protegem uma maior biodiversidade de espécies e também as que estocam uma maior quantidade de carbono.

“Revelamos que a aparente estabilidade da cobertura de mata nativa observada nas últimas décadas escondeu a destruição de florestas antigas insubstituíveis. Nossos resultados indicam um processo alarmante de rejuvenescimento da cobertura florestal e distribuição espacial desigual em direção a áreas menos atrativas para a agricultura mecanizada, que podem ter efeitos deletérios na conservação da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos”, aponta o artigo, que foi publicado esta semana na revista Science Advances e é assinado por um grupo de 9 pesquisadores de diferentes instituições. Para levantar as informações, eles se basearam nos mapas anuais da MapBiomas de 1985 a 2018.

De acordo com o artigo, 11% da cobertura florestal de Mata Atlântica atual são florestas jovens, com menos de 20 anos, sendo que um terço delas possui menos de 10 anos. Foi notada praticamente a mesma quantidade de floresta recuperada e de florestas maduras desmatadas.

“Foi demonstrada a recuperação de florestas jovens, que são essenciais para aumentar a cobertura florestal e criar corredores entre fragmentos isolados, principalmente em Áreas de Preservação Permanente ao longo dos rios. Mas o estudo também comprova o desmatamento contínuo das florestas nativas mais antigas, com maior biodiversidade e carbono estocado, principalmente para ampliação da agricultura e plantio de florestas exóticas. Apesar dessa dinâmica de perda e ganho de florestas nativas ter mantido a quantidade de floresta praticamente estável nos últimos 20 anos, esse rejuvenescimento das florestas pode ser extremamente danoso para a conservação do bioma”, ressalta Marcos Reis Rosa, coordenador técnico do MapBiomas e um dos autores da pesquisa.

Os dados levantados no estudo permitem também fazer um mapeamento geográfico da dinâmica de ganho e perda de floresta nativa. De acordo com a pesquisa, a perda de floresta nativa se concentra na região centro-sul do Paraná e Santa Catarina, especialmente nas matas de araucárias, e na divisa entre Minas Gerais e Bahia, principalmente na região das Matas Secas. Já o ganho de floresta nativa é observado no interior do Paraná e de São Paulo, no sul de Minas Gerais e do Espírito Santo, além da região serrana do Rio de Janeiro e litoral de Pernambuco e Paraíba.

Mapeamento das áreas onde houve ganho e perda de cobertura nativa de Mata Atlântica entre 1990 e 2017. Imagem: Fundação SOS Mata Atlântica/Reprodução

“A estabilidade na cobertura de Mata Atlântica passa a falsa impressão que o desmatamento está controlado. Infelizmente, não está. A análise separada das taxas de desmatamento e de regeneração mostra que o desmatamento no bioma ainda é significativo e afeta matas maduras, que são as matas mais importantes para conservação da biodiversidade e para a regulação climática e hídrica”, explica Jean Paul Metzger, do departamento de Ecologia da USP, que também assina o artigo.

A pesquisa reforça que, por mais que a riqueza de espécies de árvores em florestas em regeneração possa chegar a quase 80% dos níveis de florestas antigas em 20 anos, a recuperação total da composição de espécies de árvores pode levar séculos ou nunca ser alcançada; e que existem muitos animais e microorganismos incapazes de recolonizar florestas secundárias, que dependem de habitats mais antigos, menos alterados, estruturalmente desenvolvidos e biodiversos para persistir em paisagens modificadas pelo homem. A mesma lógica vale para os serviços ecossistêmicos, que dependem de florestas bem desenvolvidas e estruturalmente complexas para serem potencializados.

“As consequências da dinâmica florestal observada para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos podem ser drásticas, incluindo o aumento do isolamento de habitat, a destruição de habitats e a perda de espécies endêmicas que ocorrem exclusivamente em áreas mais adequadas para a agricultura, bem como a redução da produção agrícola por perdas nos serviços do ecossistema. Embora a intensificação da agricultura tenha poupado terras para restauração, ela também promove a destruição direta e indireta de florestas mais antigas com valor de conservação potencialmente alto, tendo assim um impacto negativo líquido final para a biodiversidade”, conclui o artigo.

Metas de restauração florestal

O estudo destaca ainda os compromissos de restauração florestal, como por exemplo o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que assumiu a meta de recuperar 15 milhões de hectares no bioma até 2050, e aponta que proteger não apenas as florestas nativas mais jovens, mas também as mais antigas, é uma etapa crítica para garantir a restauração florestal em larga escala e de longa duração.

“A recuperação da vegetação nativa deve se dar não apenas em quantidade, mas também em qualidade. Trocar floresta madura por florestas jovens é um risco para a biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. A recuperação florestal tem que acontecer, especialmente em biomas extremamente desmatados e fragmentados como a Mata Atlântica. Mas essa recuperação florestal tem que vir atrelada à manutenção das florestas maduras. Ou seja, nem sempre a transição florestal, ganho líquido de floresta, é um sinal de melhoria da qualidade ambiental”, afirma Renato Crouzeilles, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade na Austrália, que também assina o artigo.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Luiz diz:

    Pois é! Aqui na minha região o desmatamento só aumenta e o desequilibrio ja esta nos afetando. Nossa propriedade que antes era envolvida por florestas joens agora esta sendo devastada por brocas qur normalmente só atacam madeira seca em estado de apodrecimento. Derrubanram praticamebte 80% das arvores que nos arrodeavam e agora estamos nisso. Pasto pra tres vacas. É o odio pela natureza e o lucro acima de tudo.