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Gangala na Bodio e a domesticação de elefantes africanos

Durante a colonização belga, o Congo teve um programa para domar esses animais. Replicá-lo hoje poderia ser mais uma forma de evitar a extinção da espécie.

26 de janeiro de 2016 · 8 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Uma excursão de treinamento a lombo de elefante.
Uma excursão de treinamento a lombo de elefante.

Não só é possível domesticar elefantes africanos como já foi feito. Há evidências históricas de que os egípcios e os cartagineses haviam domesticado elefantes africanos. Durante os últimos dois milênios, apenas o elefante asiático foi conhecido como espécie domesticada. Como bem se sabe, este nobre animal foi muito utilizado em toda classe de fainas e em especial na guerra e, até agora, existe domesticado em muitos países dessa região. O que é bem menos conhecido é que no Congo colonial foi empreendida com sucesso a tarefa de domesticar o elefante africano. Na atualidade, esse empreendimento é anedótico, embora, levando-se em conta a dramática matança desses animais em curso, a domesticação possa ser considerada como alternativa para sua sobrevivência. Por coincidência, o autor foi colega de um dos últimos funcionários desse programa, que, muitos anos depois, foi um dos mais importantes precursores das áreas protegidas e do manejo da fauna silvestre no Peru. Por isso, porque é interessante e porque é uma forma de render homenagem a Paul Victor Pierret, meu amigo nascido no Congo agora radicado no Peru, passo a relatar brevemente a história.

Paul Pierret , de 1955 a 1960 foi Diretor Adjunto e logo Diretor da Estação de Gangala na Bodio.
Paul Pierret , de 1955 a 1960 foi Diretor Adjunto e logo Diretor da Estação de Gangala na Bodio.

Nos fins do século XIX, a Bélgica administrava o amplo território que hoje se conhece como República Democrática do Congo. Numa época em que o elefante asiático era amplamente aproveitado para trabalhos pesados, incluída a exploração florestal, houve quem no Congo questionasse por que não se aproveitava o elefante africano naquela época tão abundante. E de fato, em 1900, foi enviada uma missão técnica para estudar a possibilidade. O resultado foi que em 1904 se instalou um programa de domesticação do elefante que mudou de lugar duas vezes, uma em 1912 e outra em 1927. Até então, não se tinha progredido muito, mas as bases do trabalho futuro foram bem estabelecidas. A Estação de Domesticação de Elefantes foi finalmente implantada em Gangala na Bodio, muito perto da área que logo seria o famoso Parque Nacional da Garamba (1938), na província de Bajo Uele, ao norte do Congo e fronteira com o Sudão. A gestão da Estação passou por várias reformas, e foi apenas em 1932 que adquiriu funcionalidade plena, até que em 1952 passou a ser denominada Estação de Fauna. O trabalho com os elefantes em Gangala na Bodio foi contínuo desde 1927 até a independência, em começos dos anos 1960.

O momento mais difícil do processo de domesticação era a captura de indivíduos jovens. Embora fossem juvenis, tratam-se de animais enormes que são muito ágeis. Ademais, há que se lembrar que naquela época não existiam tranquilizantes que, na atualidade, tornam quaisquer capturas fáceis. Testou-se diversas opções como fossas, redes e cordas. Apenas o uso de cordas funcionou adequadamente. Usavam cordas de três tipos para laçar as patas, para os ombros e outra, mais grossa, para o pescoço. Complementavam o time um elefante monitor já domesticado e seu cornac.  A captura se fazia com muito pessoal, incluindo um grupo de batedores, um grupo de corredores laçadores e um grupo de proteção ou para emergências. Os batedores escolhiam um grupo de elefantes, preferentemente grande, pois nesse caso a intervenção provoca mais confusão e as mães dos jovens os perdiam de vista, reduzindo o risco de que atacassem aos laçadores. Os laçadores se colocavam a espreita no terreno e, correndo atrás e ao lado do exemplar escolhido, procuravam laçar as patas, em seguida os ombros e finalmente o pescoço, usando o auxílio de alguma árvore para detê-lo. O elefante monitor era de imediato conduzido até o animal capturado para tranquilizá-lo, o que funcionava eficientemente. Tratava-se de uma operação perigosa, com frequentes acidentes, pois havia vezes que a mãe ou a manada completa regressava para atacar a equipe, o que era controlado com disparos no ar ou até mediante uso controlado de fogo.

Banho dos elefantes, um ritual muito importante.
Banho dos elefantes, um ritual muito importante.

Os animais capturados, em fevereiro e março, eram levados até a estação onde permaneciam em calma, embora com presença humana e de elefantes já domesticados, até julho, quando começava o adestramento que, na sua etapa inicial, apenas incluía obedecer a quatro ordens: deitar, levantar, avançar e alto. Em geral, em setembro, os animais capturados já obedeciam e conviviam bem com os demais. O processo, por certo, continuava além desse período inicial. Por segurança, eram guiados na floresta só depois do quinto ano. Em 1932, já existiam 110 elefantes que se consideravam domesticados e que recebiam dos seus guias ou cornacs todo o bem estar necessário, desde alimentação e banhos até cuidados sanitários. Um dos problemas que o programa enfrentou era a incursão de elefantes machos selvagens das redondezas em procura das jovens fêmeas do plantel. Tecnicamente, se considera que o processo de domesticação é completo quando a espécie se reproduz em cativeiro. Em Gangala na Bodio houve alguns nascimentos, mas não o suficiente para considerar completado o processo. De fato, a reprodução do elefante africano é rara em cativeiro de zoológicos.

Com a independência, o programa de domesticação do elefante africano terminou abruptamente. Os cornacs, após várias gerações de dedicação, estavam tão familiarizados com os seus elefantes que ante o avanço dos rebeldes eles fugiram levando-os, para evitar que fossem massacrados. Mas, de fato, não sobrou nenhum. O governo congolês manteve a estação como reserva de fauna, que existe até o presente.

Cabe se perguntar se essa história traz alguma lição para proveito atual. Obviamente não faz sentido domesticar-se elefantes no intuito de aproveitá-lo como animal de carga. Mas, como mencionado, levando-se em conta os muitos milhares de elefantes que em toda África são massacrados a cada ano a procura do marfim, a sua domesticação hoje muito facilitada pela disponibilidade de técnicas de captura modernas, poderia ser uma forma diferente de evitar-se sua possível extinção. Uma utilidade poderia ser como na Ásia a observação da fauna dos parques nacionais das savanas a lombo de elefante, ao invés de fazê-lo em barulhentas camionetes.

 

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Comentários 2

  1. Félix marinho diz:

    Antes de se pensar domesticar os elefantes, deveria- se educar e instruir os homens que matam os elefantes. Após seulos de dominação e exploração da África, muito pouca coisa mudou e absolutamente na se fez em prol do homem africano. Miséria, ignorância, corrupção e violência. Em meio a esse pandemônio, está o meio ambiente e os elefantes. Que são mortos para saciar a fome, e obter um mísero lucro de suas presas, que são vendidas no mercado clandestino, aqueles que patrocinam esse cruel massacre.


  2. Jeff diz:

    O lobo malvino era dócil e facilmente domesticável, poderia ser uma exótica "raça" de cão doméstico hoje, mas está extinto. O elefante africano era tão "domesticável" quanto o asiático? Esses animais são torturados para serem domesticado, isso não é válido! Precisa-se protege-los no seu ambiente.