Análises

Um resgate com final feliz de dois filhotes de gato-mourisco

Resgate de felinos ameaçados de extinção envolve comunidade local e gestão de Parque Nacional da Furna Feia, no Rio Grande do Norte

Paulo Henrique Marinho ·
22 de julho de 2020 · 4 anos atrás
Filhotes de gato-mourisco são resgatados com ajuda de moradores locais no entorno do Parque Nacional da Furna Feia. Foto: Arquivo do Parna Furna Feia.
“Por sorte os dois filhotes não eram tão jovens e pareciam estar em bom estado, apesar do susto da provável queda e dos vários dias presos.”

No último domingo, dia 19 de julho, Leonardo Brasil, gestor do Parque Nacional da Furna Feia –, uma unidade de conservação federal localizada na Caatinga do Rio Grande Norte e gerida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) –, recebeu um chamado atípico de moradores da comunidade Juremal, que fica no município de Baraúna e no entorno do Parque. Segundo Leonardo, dois filhotes de gato-mourisco (ou gato-vermelho, um dos nomes populares da espécie na região) estavam há mais de oito dias presos dentro de um poço vazio (ou cacimba, nome utilizado na região), daqueles construídos com tijolos na lateral para fornecer água em períodos de estiagem. O poço tinha mais de 5 m de profundidade e mesmo a descida de uma pessoa seria difícil.

Leonardo, junto com moradores locais e outros parceiros e técnicos do ICMBio, dirigiu-se ao local para avaliar a situação. Por sorte os dois filhotes não eram tão jovens e pareciam estar em bom estado, apesar do susto da provável queda e dos vários dias presos. Ficou claro que seria necessário elaborar um plano cuidadoso para o resgate. Apesar de estarem ali há dias, as informações eram de que os moradores se preocuparam em fornecer alimento para os animais atirando pedaços carne de ave dentro do poço. O local também continha uma pequena quantidade de água, o que deve ter contribuído para os filhotes não sofrerem maiores privações. Segundo os moradores, desde a queda dos filhotes, a mãe sempre aparecia na redondeza para procurá-los.

Considerando todas essas informações e a dificuldade que seria uma pessoa descer lá embaixo, na segunda-feira (20), a equipe de resgate optou por usar uma caixa de madeira propícia para contenção de fauna que seria suspensa por cordas. A esperança era que os dois animais entrassem na caixa a procura de abrigo e de um local escuro depois de tantos dias ali. Não deu outra, o primeiro filhote estava no chão dentro do poço e entrou mais facilmente, já o segundo filhote estava abrigado em um pequeno buraco na parede da estrutura. A chuva e o mato fechado do local dificultaram o trabalho da equipe. O segundo felino teimou em entrar, mas após algum tempo de expectativa e sob os olhares curiosos e fascinados de alguns moradores locais, por se tratar de animais muito bonitos, ele também entrou na caixa, que pode ser fechada e içada para fora do poço. Os filhotes estavam salvos!

Caixa de madeira propícia para contenção dos filhotes. Foto: Arquivo do Parna Furna Feia.

Por estarem em boas condições físicas e já terem alguns meses de vida, logo foram soltos na mesma área, isso porque tudo indicava que sua mãe estava por ali atenta à movimentação e não seria muito difícil encontrá-los. Esse caso ilustra um resgate de sucesso de uma espécie ameaçada de extinção resultante da união de esforços entre moradores locais e órgão ambiental.

Francisco Eliezio Cristino, morador da região, participou desde o início do resgate. Foi ele quem, com ajuda de antigo brigadista da unidade de conservação, Marlus Barbosa, entrou em contato com a gestão do parque assim que soube dos animais encontrados no poço por seu familiares, e quem segurou firmemente a caixa que resgatou os dois filhotes enquanto eles eram içados. Eliezio relata o que o levou a procurar ajuda: “Eu vi que o certo seria procurar alguém para fazer um trabalho com eles, para retirar”. Após contato com a equipe do parque, ele não teve dúvidas do que fazer: “Leonardo (gestor do parque) falou comigo e perguntou se teria como eu ajudar, e eu disse com certeza, eu estou disposto a ajudar, o que eu mais queria era salvar os animais”. Depois do resgate realizado ele comemora: “Graças a Deus resgatamos os dois com êxito”.

O gato-mourisco, Herpailurus yagouaroundi no seu nome científico, é um felino de pequeno porte – um adulto pode chegar a pesar 4,5 kg – que habita todos os biomas brasileiros, incluindo a Caatinga. Essa espécie se alimenta de pequenos animais como roedores, aves e lagartos e por ser diurna pode ser vista mais facilmente atravessando estradas para se locomover entre a vegetação. No entanto, esse “fácil” avistamento esconde o fato de que se trata de uma espécie pouco abundante, ou seja, em uma área existem poucos indivíduos dessa espécie. Esses poucos animais ainda sofrem com os efeitos do desmatamento, dos atropelamentos e da perseguição humana por algumas vezes predarem galinhas. Por isso, o gato-mourisco está na lista de animais ameaçados de extinção no Brasil, e faz parte das espécies alvo do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Pequenos Felinos, uma estratégia de escala nacional desenvolvida pelo ICMBio e seus parceiros.

Felizmente os dois filhotes do entorno do Parque Nacional da Furna Feia seguem seu rumo na natureza na esperança que contribuam com a perpetuação da espécie na Caatinga, isso graças aos moradores locais e à equipe do ICMBio. Quando comunidades e órgãos ambientais trabalham juntos, todos têm a ganhar, especialmente a biodiversidade!

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  • Paulo Henrique Marinho

    Biólogo e Doutor em Ecologia pela UFRN, membro do Plano de Ação Nacional para Conservação dos Pequenos Felinos (ICMBio)

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Comentários 4

  1. Vitor diz:

    Parabéns aos moradores do Juremal e aos gestores do Parque Nacional da Furna Feia. Um exemplo da importância do envolvimento de comunidades na conservação da biodiversidade de áreas naturais protegidas.

    Obrigado, Paulo, por compartilhar está emocionalmente história. Excelente matéria.


  2. roberta diz:

    Graças a Deus conseguiram tirar os filhotes . Seria muito importante tampar para evitar outros Animais caírem ali.


    1. Paulo diz:

      Concordo. Se estiver sem uso. Aterrem.


  3. Paulo diz:

    Parabéns a todos , pelo trabalho de resgate.

    Sugestão aos moradores. Coloquem troncos dentro do poço desativado, para que as futuras quedas de animais, tenham condições de saída.