Análises

Candidatos e meio ambiente

Enquanto as campanhas à presidência discutem politicagem, assuntos importantes como crescimento demográfico, qualidade ambiental e o futuro das cidades ficam fora do debate.

Carlos Gabaglia Penna ·
19 de outubro de 2006 · 17 anos atrás

Nestas eleições, é desanimador observar como nenhum candidato a cargo executivo aborda, em momento algum, temas fundamentais para o país, como a qualidade do meio ambiente, os problemas das grandes cidades e os índices demográficos. Infelizmente, os políticos brasileiros parecem não perceber a verdadeira dimensão desses assuntos. As questões ambientais não são dissociadas das questões econômicas e sociais. Pelo contrário, elas são suficientemente entremeadas para merecer, dos candidatos, um mínimo de atenção.

Parece óbvio que os políticos só se interessam por esses temas quando a população assim exige, o que – convenhamos – não se deve esperar do povo brasileiro… No entanto, aqueles que são realmente comprometidos com os interesses do país, ou dos estados, deveriam ter a determinação – e a coragem – para encarar essas questões. Mas, falta também cultura.

O Brasil, como todos sabem, sofre de sérios e crescentes problemas ambientais: a destruição acelerada de todos os seus biomas – e não apenas da Amazônia; a intensa ocupação do litoral com reflexos nos ecossistemas costeiros e no mar continental; aumento da poluição do ar nas cidades, comprometendo a saúde da população; um volume impressionante de resíduos sólidos perigosos (3 milhões de toneladas por ano) e a crescente participação nos níveis mundiais de gases do efeito estufa. Uma outra questão muito preocupante é a degradação de boa parte das bacias hidrográficas. Somada ao consumo excessivo e ao desperdício, ela torna o abastecimento de água um sério desafio em várias regiões.

As cidades brasileiras abrigam quase 82% da população, ou 153 milhões de pessoas. Em termos populacionais, São Paulo oscila entre a 3ª e a 4ª maior cidade do mundo e o Rio de Janeiro é a 19ª. Todas as capitais estaduais apresentam macroproblemas. Nesses centros, as questões sanitárias são realmente assustadoras, pela deficiência aguda de redes de esgoto e de indispensáveis estações de tratamento. Nos meios urbanos produz-se uma massa impressionante de lixo (mais de 240 mil toneladas de resíduos sólidos são produzidos diariamente no país) e praticamente inexistem tratamento e disposição adequados. A reciclagem, embora em alta, apresenta ainda taxas pouco animadoras. As cidades são também grandes geradoras de poluentes atmosféricos (gases e partículas) e funcionam como verdadeiros buracos negros que demandam uma quantidade espantosa de recursos. Muitos outros problemas atormentam os centros urbanos, mas tudo o que o Ministério das Cidades conseguiu fazer até agora foi incentivar – sequer tentou ordenar – a favelização galopante, frequentemente com o prestimoso auxílio das prefeituras (não é mesmo, prefeito César Maia?).

Uma dos fatos mais intrigantes – e assustadores – é que, para administradores públicos, parece que o Brasil não tem nenhum problema demográfico. O país cresce a 1,4% ao ano, ou quase 2,6 milhões de pessoas, um quantum que é superado apenas pelo de sete países do mundo, sendo somente um país do hemisfério ocidental (os EUA, cuja população absoluta cresce ligeiramente acima da nossa). O atual índice de crescimento populacional brasileiro é mais de 20% superior ao global, que é de 1,15% ao ano. Esses montantes ajudam a explicar as tensões existentes no campo e o crescimento caótico das cidades.

O aumento da população brasileira exige, dos governos, pesados investimentos em infra-estrutura. Isso, infelizmente, não acontece no ritmo desejado e, como os governos praticamente nada fazem em relação ao (ainda) exagerado crescimento demográfico e à migração interna, diversos outros indicadores nacionais de qualidade de vida continuam a ter desempenhos pífios no cenário internacional.

Se o Brasil deseja realmente ser considerado de primeiro mundo no que se refere a índices concretos de desenvolvimento humano – e não apenas a enganadoras estatísticas econômicas – terá que enfrentar, o quanto antes, esses grandes temas.

  • Carlos Gabaglia Penna

    Professor de Engenharia Ambiental da PUC-Rio, pós-graduado em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de Tufts (EUA) e mest...

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.