Reportagens

Projeto monitora baleias no litoral norte de São Paulo

Através de parcerias, o “Baleia à Vista” colocou São Paulo na rota do monitoramento de Cetáceos no país. Projeto é idealizado por um observador amador

Daniele Bragança ·
3 de outubro de 2017 · 6 anos atrás
A Baleia-de-Bryde, num raro momento em que resolveu dar o ar de sua graça. Foto: Arlaine Francisco.
A Baleia-de-Bryde, num raro momento em que resolveu dar o ar de sua graça. Foto: Arlaine Francisco.

Observar baleias é um exercício de paciência. Principalmente se a espécie em questão for uma Bryde (Balaenoptera edeni), conhecida pela discrição. O borrifo denunciando a presença de uma apareceu no horizonte, perto do farol da Ponta Grossa, em Ilhabela (SP), no litoral norte do estado, por volta das 16h40 do dia 14 de setembro. Havia um cardume perto, indicado pelos mergulhos rasantes de atobás (Sula leucogaster) e trinta-reis-de-bando (Thalasseus acuflavidus) na água. Em local de avistamento de baleias, cardume reunido é indicativo de presença de Cetáceos, já que a presença deles é sinônimo de alimento para elas.

“Ali, na direção 10 horas”, diz Wagner, capitão da Ballerina, a lancha Ferretti 530 usada no projeto “Baleia à Vista” para fazer o monitoramento de Cetáceos no litoral norte de São Paulo. Usar o ponteiro das horas como direção no mar é costume antigo que se mantém pela simplicidade: a proa, parte da frente do barco, é o marco 12 do relógio e a popa, parte traseira, é o marco 6. Basta fingir que a direção é um relógio analógico para saber qual lado olhar quando alguém grita 10 horas.

O que não é tão simples é enxergar a “pegada da baleia”. As ondinhas geradas pela batida da barbatana na água deixam uma marca. É a pegada que olhos treinados enxergam com facilidade.

Por quase 40 minutos, a Baleia-de-Bryde brincou de esconde-esconde com a tripulação da Ballerina. Ora aparecia a leste, ora a oeste, num círculo difícil de acompanhar, talvez por desconfiar que a bordo da embarcação intrusa haviam três pessoas prontas para fotografá-la. O zigue-zague feito com todo cuidado para não afastá-la, ou pior, não atropelá-la, rendeu boas risadas e algum medo, pois a colisão com baleias é uma das grandes causas do naufrágio de embarcações.

A Bryde levou 20 minutos para reaparecer inteira, e não só o borrifo, agora mais próxima de Ilhabela. Logo em seguida surgiu outra, bem menor, provavelmente um filhote. As duas já haviam sido avistadas dois dias antes pelo pesquisador Manuel Albaladejo, do Instituto Argonauta para a Conservação Costeira e Marinha, uma ONG que tem um projeto de monitoramento de praias da Bacia de Santos.

Julio Cardoso e Arlaine Francisco aguardam o momento em que a Bryde aparecer na superfície para fotografá-la. Foto: Daniele Bragança.
Julio Cardoso e Arlaine Francisco aguardam o momento em que a Bryde aparecer na superfície para fotografá-la. Foto: Daniele Bragança.

A aparição mais comemorada foi quando a baleia mãe apareceu quase ao lado do barco, a uns 30 metros de distância, quando a embarcação estava parada. Esta distância não é grande para um bicho que pode chegar a 16,5 metros de comprimento e pesar 20 toneladas. Foi celebrado por gritos de euforia da tripulação. Ela era composta de Wagner, capitão; Marcone, o auxiliar de capitão; Júlio Cardoso, fundador do projeto “Baleia à Vista” e dono da embarcação e Arlaine Francisco, bióloga marinha e pesquisadora no projeto. A reportagem de ((o))eco também estava a bordo.

Não é comum uma Bryde dar as caras em São Paulo em setembro, por isso o entusiasmo do grupo. Ou pelo menos não se sabia que isso era comum. Mas esse entendimento está mudando a medida que novos avistamentos são registrados.

Tirar um dia para navegar, observar e registrar baleias é o que Júlio Cardoso faz desde 2004. São mais de 5 mil horas de navegação, 113 registros de 189 baleias na região. Já foram avistadas por Cardoso as espécies Bryde, Jubarte (Megaptera novaeangliae), Franca (Eubalaena australis), Minke (Balaenoptera acutorostrata) e até a famosa Orca (Orcinus orca), que não é baleia, mas é tão grande quanto uma. Cardoso anota a espécie e a localização num arquivo detalhado de monitoramento de Cetáceos.

Advogado de formação, administrador de empresa por profissão e entusiasta da vida marinha por escolha de vida, Cardoso reuniu seus dados e resolveu criar, junto com a bióloga marinha Arlaine Francisco, o “Baleia à Vista”, que acaba de formalizar uma parceria com o Projeto Baleia Jubarte, que trabalha na preservação da espécie e monitora a ocorrência da Jubarte no litoral da Bahia.

O projeto funciona através de uma rede de cientistas amigos, que ajudam na identificação das espécies, e no cuidado de anotar, ponto por ponto, o avistamento delas. Não há foco em uma única espécie. O Baleia à Vista também monitora a ocorrência de aves marinhas na região, como albatroz-do-nariz-amarelo (Thalassarche chlororhynchos) e bobo-pequeno (Puffinus puffinus).

“Dentro do mundo acadêmico, as pessoas são muito fechadas e o acesso aos dados são acompanhados apenas na leitura de trabalhos acadêmicos. E o perfil do Júlio é completamente diferente. O perfil dele, que acaba sendo do projeto, é conectar diferentes grupos e fazer essa informação espalhar”, explica Arlaine Francisco, bióloga marinha especializada em peixes marinhos e que agora está fazendo a transição para o estudo de Cetáceos.

Orca à vista

A orca macho. Foto: Monique Tayla/Instituto Argonautas.
A orca macho. Foto: Monique Tayla/Instituto Argonauta.

Um exemplo de parcerias entre grupos de pesquisadores foi o avistamento de oito Orcas no último sábado (30), que reuniu observadores de pelo menos três projetos: Instituto Argonauta, Baleia à Vista e Projeto Baleias & Golfinhos, do Rio de Janeiro.

Era manhã quando Cardoso recebeu uma mensagem de que Orcas estavam perto da praia do Curral, em Ilhabela. A tripulação foi acionada para preparar o barco e as pesquisadoras Monique Tayla e a Amanda Fernandes, do Instituto Argonauta, junto com o secretário de Meio Ambiente de Ilhabela, Mauro Oliveira, foram fotografar o observar os maiores golfinhos do mundo nadando em grupo na costa paulistana. Dessa vez, Cardoso não estava a bordo.

Dentre o grupo de Orcas, havia um macho que não passou despercebida pelo olhar atento da bióloga Liliane Lodi, que monitora cetáceos na costa fluminense. Liliane recebeu as fotos do monitoramento porque o Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro, do qual faz parte, é parceiro do Baleia à Vista, e verificou que esse espécime já havia sido fotografado em setembro de 1993, no Rio de Janeiro. O macho Orca passeia há pelo menos 24 anos por águas brasileiras.

“Essa Orca macho possui uma nadadeira dorsal bem característica, o que possibilitou identificá-la assim que me mandaram a fotografia. Eu sabia que já tinha visto esse animal e confirmei nos arquivos que se tratava de uma Orca já fotografada na década de 90”, afirma Liliane Lodi.

Agora, uma página no Facebook “Onde estão as Baleias e Golfinhos?”, canal dedicado à ciência cidadã, está promovendo um concurso para escolher o nome da Orca macho. As sugestões serão aceitas até o dia 10 de outubro. A relação dos nomes sugeridos será publicada no dia seguinte e a votação ficará aberta até o dia 15 de outubro. Quem quiser participar, é só entrar no grupo, sugerir e depois votar.

Financiado pelo Instituto Mar Adentro e SOS Mata Atlântica, o Projeto Baleias & Golfinhos troca informações, principalmente sobre avistamentos, com o projeto paulistano. Por fotografia comparada, é possível verificar a rota da baleia ou golfinho em questão, e saber mais sobre os hábitos das espécies.

 

Mapa de avistamento de baleia. Imagem: Projeto Baleia à Vista.
Mapa de avistamento de baleia. Imagem: Projeto Baleia à Vista.
Nadadeiras são as digitais das baleias Jubartes. Pesquisadores trocam fotos para saber se uma espécime fotografada em determinado estado foi visto em outro. Imagem: Projeto Baleia à Vista.
Nadadeiras são as digitais das baleias Jubartes. Pesquisadores trocam fotos para saber se uma espécime fotografada em determinado estado foi visto em outro. Imagem: Projeto Baleia à Vista.
Quem está no mar também monitora a degradação nele. Acima, o corpo de uma toninha (Phocoena phocoena) com marca no pescoço aparece boiando no mar. É o golfinho mais ameaçado de extinção do país. Foto: Daniele Bragança.
Quem está no mar também monitora a degradação nele. Acima, o corpo de uma toninha com marca no pescoço aparece boiando no mar. É o golfinho mais ameaçado de extinção do país. Foto: Daniele Bragança.
Jubarte de 14 metros fotografado em julho de 2016. Foto: Júlio Cardoso.
Jubarte de 14 metros fotografado em julho de 2016. Foto: Júlio Cardoso.

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 2

  1. Muito show mesmo, parabéns pelo projeto!


  2. Andreia diz:

    Que iniciativa legal!!!