Reportagens

Programa de conservação usa drone para estudar os muriquis-do-norte

Apelidados de "Dronequi", o equipamento possui tecnologia que une câmeras UHD e termal e vem sendo utilizado no monitoramento do maior primata das Américas

Carolina Lisboa ·
18 de fevereiro de 2018 · 6 anos atrás
A muriqui Esmeralda. Foto: Theo Anderson.

Unir ciência e tecnologia em prol da conservação. Esse é o objetivo do Programa de Conservação Muriqui de Minas (PCMM) ao utilizar drones para estudar, monitorar e salvar da extinção o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), o maior primata das Américas, que existe somente na Mata Atlântica brasileira. O Programa foi iniciado em setembro de 2016 e tem duração de 4 anos.

De acordo com Fabiano Melo, coordenador do projeto e professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, ao longo de um ano e meio eles conseguiram avançar em duas linhas de pesquisa. A primeira foi a elaboração do drone, um hexacóptero S900 da DJI apelidado de “Dronequi”, e do software Murilabs, ambos desenvolvidos juntamente com a empresa Storm Security. “O Dronequi vai ajudar a localizar os muriquis em áreas de mata onde há maior dificuldade de encontro dos animais. Nele foi instalada uma caixa com duas câmeras, sendo uma termal da marca Flir e uma GoPro Hero4 colorida de alta resolução. As duas câmeras ficam juntas nessa caixa, enquanto um gimbal, o suporte abaixo do drone que normalmente leva uma câmera, leva essa caixa, movimentando as duas câmeras simultaneamente. Essa movimentação permite que filmemos não só em UHD mas também que captemos imagens termais. A câmera termal permite filmagem dos animais sob as copas das árvores, o que é uma grande vantagem nas florestas densas onde vivem os muriquis, aumentando muito as chances de identificá-los, pois com a câmera colorida vemos galhos balançando, mas não conseguimos identificar a espécie”, explicou Fabiano. “Nós estamos tentando construir um algoritmo no software que consiga ler automaticamente a imagem da câmera termal e assim possa identificar cada espécie, como se fosse uma impressão digital. A ideia é que possamos expandir essa metodologia para outras espécies ameaçadas, principalmente as que vivam em áreas abertas, como as de Cerrado e Pantanal, ou as grandes aves de floresta, como rapinantes ou araras, ou ainda macacos de porte semelhante ao do muriqui” acrescentou.

Apelidados de “Dronequi”, o equipamento possui tecnologia que une câmeras UHD e termal. Foto: Theo Anderson.

Segundo Fabiano, os macacos percebem a presença do Dronequi. “Isso é um bom indicativo, pois eles acabam se movimentando e então podemos filmá-los com maior segurança. Esse monitoramento por drone é mais eficiente do que o presencial por uma razão simples: ele percorre uma área muito maior em muito menos tempo. Em um voo de dez minutos cobrimos cerca de 10 ou 20 hectares e conseguimos observá-los com mais facilidade”, explicou.

Esmeralda

A segunda linha de pesquisa do PCMM são as ações de manejo, cujo objetivo principal é transferir indivíduos de populações isoladas ou pequenas para populações maiores, visando aumentar sua chance de sobrevivência e a variabilidade genética dessas populações. “Tivemos sucesso na translocação [transferência] de uma fêmea chamada Esmeralda, que foi levada para uma área conhecida como a Mata do Luna em Santa Rita de Ibitipoca (MG), para encontrar um grupo de muriquis-do-norte onde havia dois machos. A atual situação da Esmeralda é um pouco tensa, pois não a encontramos desde setembro. A translocação em si só poderia ser considerada bem-sucedida se nós tivéssemos a fêmea reproduzindo, o que não ocorreu. Agora nós vamos desenvolver uma nova iniciativa de manejo que foi discutida em fevereiro”, esclareceu. A segunda linha de pesquisa é financiada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza juntamente com a Reserva do Ibitipoca e executado pelo Muriqui Instituto de Biodiversidade – MIB.

Apesar do enigma sobre a situação de Esmeralda, Fabiano enfatiza que outras ações anteriores foram muito bem-sucedidas. “Fizemos uma ação de manejo semelhante em Minas Gerais e o Sérgio Lucena, da Universidade Federal do Espírito Santo, fez também uma lá [no Espírito Santo]. Ambos translocamos, cada um, uma fêmea de uma área isolada. A nossa fêmea, a Eduarda, vivia sozinha e foi levada para a RPPN Mata do Sossego, da Fundação Biodiversitas, e nós conseguimos com que ela não só se integrasse ao grupo mas também que reproduzisse. Ela já teve quatro filhotes, então podemos concluir que a translocação foi muito bem-sucedida. Inclusive o filhote mais velho dela, um macho adulto, já está reproduzindo, e uma filha dela, a Ecológica, já saiu do grupo, o que é normal já que as fêmeas deixam o grupo natal em busca de possíveis novos grupos numa floresta. Como na RPPN só tem um grupo, as fêmeas acabam ficando na periferia. Foi o que aconteceu com Ecológica, que ficou isolada num fragmento, assim como sua mãe, e a nossa ideia é fazer um manejo dela para manter e resguardar sua genética e melhorar e revigorar as populações, como essa do Ibitipoca”.

A paixão pelos muriquis

“Em 1989, quando eu tinha uns 15 anos, fui nessa reserva em Caratinga e os vi na natureza. Aí eu não tive dúvidas de que essa seria a espécie símbolo para a minha luta pela conservação da biodiversidade do Brasil. ”.

Para Fabiano, os muriquis são bem mais que um objeto de estudo. Essa paixão pelos macacos vem da infância, e norteou toda a sua vida profissional. “Os muriquis entraram na minha vida porque eu sou de Valadares, uma cidade perto de Caratinga, e quando eu era criança eu ouvia as pessoas falarem que existia um macaco gigante que vivia nas matas de Caratinga. Isso já me impressionava bastante, daí eu sempre quis trabalhar com eles, desde os oito anos de idade. Então eu fui pra Viçosa estudar, já com essa intenção de conhecer os muriquis. Em 1989, quando eu tinha uns 15 anos, fui nessa reserva em Caratinga e os vi na natureza. Aí eu não tive dúvidas de que essa seria a espécie símbolo para a minha luta pela conservação da biodiversidade do Brasil. Já tem mais de vinte anos que eu trabalho com os muriquis e a nossa ONG, o MIB, já tem quase três anos. Entrei na universidade como professor e desenvolvo pesquisas sobre eles, além de ter sido coordenador e articulador do PAN Muriquis do ICMBio”.

O pesquisador explicou ainda que os muriquis são uma espécie única e intrigante. “Os muriquis representam uma das espécies de primata mais interessantes do Novo Mundo. São considerados os maiores primatas das Américas e são endêmicos do Brasil e da Mata Atlântica. São também um dos primatas mais raros e ameaçados, pois hoje existem cerca de 900 indivíduos, confinados em pequenas porções de mata, que atualmente correspondem a oito localidades em Minas Gerais, uma no Rio de Janeiro e três no Espírito Santo. São classificado como Criticamente em Perigo (CR), tanto na Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção quanto na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN. Eles têm um sistema de reprodução semelhante ao dos grandes macacos africanos, como os chimpanzés, onde os machos formam coalizões e defendem os territórios das fêmeas que estão com filhotes ou com jovens. Os machos reproduzem com fêmeas receptivas, sem brigas ou estresses. Eles não brigam entre si por alimento ou reprodução. Por isso são chamados ‘muriquis’, que em tupi significa ‘povo manso da floresta’. São úteis também em termos de comparação com a própria evolução humana, como podemos observar nas pesquisas da doutora Karen Strier, uma americana da University of Wisconsin, autora do livro Faces da Floresta, que trabalha no Brasil há 37 anos. Ela é uma das maiores autoridades no mundo em muriquis e seu trabalho merece ser divulgado”.

Equipe do Programa de Conservação Muriqui de Minas. Foto: Marcus Desimoni.

Planos de Conservação

Os muriquis tinham um Plano de Ação Nacional específico, o PAN Muriquis, coordenado pelo ICMBio, que foi extinto em janeiro para ser incluso no PAN Primatas da Mata Atlântica. Para Fabiano, esta mudança certamente vai dispersar o foco nos muriquis, pois há outras espécies de primatas no PAN. “Mas eu acredito que o fato de os muriquis estarem lá vai manter nosso esforço para conservar esses animais”, disse ele. “O PAN não é tão efetivo como ele mereceria ser porque não temos recursos específicos do governo federal pra isso na quantidade que precisamos. Entretanto, tem havido iniciativas como a do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FunBio), que liberou recursos específicos para espécies ameaçadas contempladas com PANs, e a da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que possui editais específicos para PANs”, acrescentou.

Já em relação aos projetos de corredores ecológicos para os muriquis, Fabiano acredita que eles são essenciais. “Já existe um trabalho muito bem feito pelo pessoal das ONGs Preserve Muriqui e Fundação Biodiversitas, que é o Corredor Ecológico Sossego-Caratinga, reconhecido pelo Decreto Estadual NE nº397, de 01 de agosto de 2014. O Corredor possui vários projetos aprovados, e a própria Biodiversitas aprovou um projeto de recuperação e recomposição de nascentes ao longo do corredor, e nós desenvolvemos vários trabalhos de identificação dos principais fragmentos. É uma iniciativa muito bacana. Também existem projetos para os muriquis-do-sul no Rio de Janeiro e em São Paulo, e no Espírito Santo o pessoal da universidade federal também tem feito ações para consolidação de corredores”. Fabiano esclareceu ainda que, sobre a febre amarela, não existe preocupação de dispersão do vírus por meio dos corredores. “O problema é quando o ser humano, contaminado pelo vírus, leva a febre amarela para outras regiões. Essa é nossa maior preocupação. As populações de muriquis e boa parte das espécies de mamíferos da Mata Atlântica estão em populações isoladas, onde não há conexão entre as áreas. O homem infectado que leva a doença e o mosquito pica o homem e infecta o macaco em seguida”, explica.

 

 

Leia Também 

Uma História de Dois Muriquis

Febre amarela ameaça população de muriquis-do-norte

Como proteger os macacos contra a febre amarela

 

  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

Leia também

Reportagens
29 de janeiro de 2018

Como proteger os macacos contra a febre amarela

A conservação de primatas está (ou sempre esteve) ameaçada pela febre amarela. Por que a vacinação de primatas é controversa? Como a ciência pode agir?

Notícias
19 de janeiro de 2017

Febre amarela ameaça população de muriquis-do-norte

Mortal para humanos e macacos, a epidemia está ocorrendo muito próxima de local que concentra parte fundamental da população de muriquis, espécie criticamente ameaçada de extinção

Análises
11 de junho de 2013

Uma História de Dois Muriquis

Primatas caçados por costume e como troféus por populações tradicionais mostram que conservação nem sempre combina com politicamente correto.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Joana Trancoso diz:

    Parabéns pelo ótimo trabalho de conservação dos muriquis-do-norte. Com certeza o uso de equipamento moderno como drones vai ajudar muito. Precisamos muito destes animais!
    Joana Trancoso