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Em Bonito, fazendeiro é multado em R$13 milhões por drenos ilegais no Banhado do Prata

Sistema de drenagem joga sedimentos e polui rio que é atração do ecoturismo da cidade. Prefeitura quer transformar banhados em unidades de conservação

Fábio Pellegrini ·
17 de maio de 2016 · 8 anos atrás
Policiais usam drone para fotografar operação. Dreno ilegal aparece no fundo da imagem. Fotos: PMA-MS
Policiais usam drone para fotografar operação. Dreno ilegal aparece no fundo da imagem. Foto: PMA-MS

 

Campo Grande (MS) – Nesta segunda-feira (16), a Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA-MS) multou em R$ 13 milhões o proprietário da Fazenda São Francisco, Adolpho Mellão Cecchi, por ter construído 26 quilômetros lineares de drenos no Banhado do Rio da Prata e desmatado área de vegetação nativa sem licença ambiental. De acordo com os policiais, os proprietários das fazendas adjacentes Arco-Íris, Gramado e 20 de Julho devem ser multados em breve, pelos mesmos crimes ambientais. O dono da fazenda Arco-Íris é o prefeito de Bonito, Leonel Lemos de Souza Brito, conhecido como Leleco.

Leleco negou ter drenos ilegais: “as valetas que existem na propriedade foram feitas há mais de 30 anos, todas estão recuperadas por vegetação nativa, cercadas e sem uso há mais de 20 anos”. Segundo nota à imprensa da polícia, a vistoria na fazenda Arco-Íris encontrou criação de gado em área de preservação permanente, desmatamento e agrotóxicos utilizados ilegalmente e com “embalagens espalhadas em vários pontos da propriedade”. Sobre os drenos da fazenda Arco-Íris, a nota da polícia diz que “foram encontrados drenos de várzea na propriedade, porém, nas análises em imagens de satélites, os policiais verificaram até o momento que são muito antigos. Já foram analisadas imagens desde o ano de 2008 e as valetas já apareciam”.

As fazendas ficam na região do Banhado do Rio da Prata, uma área úmida localizada nos municípios de Bonito e Jardim repleta de olhos d’água e nascentes que formam o Rio da Prata. O Banhado é uma área de várzea de baixa declividade que desempenha papel ecológico essencial para a biodiversidade e para a economia ao filtrar sedimentos, regular o fluxo e, assim, garantir a limpidez do rio da Prata. Além disso, é habitat de várias espécies ameaçadas de extinção como cervos-do-pantanal, antas e aves migratórias.

O Rio da Prata é um dos rios da Serra da Bodoquena com águas cristalinas e rica diversidade de peixes e outros animais, que tornaram Bonito, Jardim e Bodoquena um polo de ecoturismo que recebe cerca de 200 mil turistas por ano, atraídos pelas águas cristalinas e formações calcárias, como grutas e cachoeiras.

Para proteger os banhados do rio da Prata e Formoso, as prefeituras de Bonito e Jardim querem transformá-los em unidades de conservação (UCs), mas foram impedidas de iniciar o processo de criação por força de mandados judiciais solicitados pelos Sindicatos Rurais de ambos os municípios.

 

Policiais filmam “rio de dreno” na área das fazendas investigadas

 

O Banhado do Rio da Prata tem área de 11.208 hectares, dos quais 7.935 localizados dentro do município de Jardim e 3.273 em Bonito. Já o Banhado do Formoso tem 2.275 hectares e está todo dentro do território de Bonito.

Pelo Código Florestal, os banhados são classificados como áreas de uso restrito, onde é permitido plantar desde que com licença dos órgãos ambientais.

Agrotóxicos e desmatamento irregulares

A Polícia Militar Ambiental investigava há meses uma denúncia anônima sobre a existência de drenos irregulares na região. A reportagem de ((o))eco visitou a área externa da fazenda São Francisco em janeiro e constatou a existência de dois drenos óbvios, que cortam uma estrada vicinal.

No dia 4 de março os policiais foram até a fazenda São Francisco e confirmaram os mesmos drenos, que teriam sido construídos nos anos 1980, época em que o governo federal incentivava a construção de canais de drenagem para implantação de lavouras. Durante esta fiscalização, um funcionário da fazenda apresentou aos policiais uma declaração ambiental eletrônica de limpeza de drenos com data de 5 de agosto de 2015. O documento garantiria a legalidade dos drenos.

 

Mapa revela a área quase dois mil hectares da fazenda São Francisco e seu marca pontos onde existem drenos irregulares.
Mapa revela a área quase dois mil hectares da fazenda São Francisco e seu marca pontos onde existem drenos irregulares.

 

Em 21 de abril, durante uma operação de repressão a crimes ambientais, os policiais multaram em R$ 30 mil o proprietário de uma fazenda vizinha, chamada Gramado, que armazenava agrotóxicos fora das especificações da legislação que visa impedir contaminação e vazamentos no solo e em águas. Os produtos químicos estavam em um barracão de zinco, que mantinha animais doméstico e estocava sementes e combustível. Foram apreendidos 29 galões de 20 litros e 24 caixas de pesticidas de diversas marcas e tipos.

“No retorno à base”, disse o tenente Diego Ferreira, comandante da PMA de Bonito, “passando por trecho da fazenda São Francisco, verificamos outros drenos que nos despertaram a atenção”.

A partir de então, para checar os drenos e avaliar danos ambientais, os policiais solicitaram apoio técnico do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), além de apoio da Promotoria de Justiça da Comarca de Bonito e de biólogos.

“Foram mais de duas semanas de trabalho de campo. Os acessos são difíceis, precisamos de drones e fizemos sobrevoos em aeronaves tripuladas para termos uma análise completa. Fizemos levantamentos terrestres, por imagens de satélites, fotografias e vídeos para averiguar as irregularidades”, disse o tenente Ferreira. “Os drenos são interligados a outros em propriedades vizinhas e deságuam no rio da Prata”.

As análises de imagens de satélites mostraram que os drenos foram instalados a partir de 2013. Somente na fazenda São Francisco, localizada a cerca de 40 km da cidade de Bonito, os policiais mediram através de GPS 26 quilômetros lineares de drenos, em uma área de 993 hectares. A função deste sistema era secar o solo das várzeas para possibilitar plantações.

Na área, os policiais constataram um plantio de soja, de colheita recente, e já estava prevista uma plantação de milho. Além dos drenos, houve desmatamento de 684 hectares da vegetação de várzea (constituída por savana herbácea e arbustiva). O solo sofreu “gradeação”, técnica de limpeza prévia ao plantio.

 

Canais são Foto feita em sobrevoo mostra dimensão do sistema interligado de drenos, construído para enxugar o banhado e facilitar plantio de soja e milho. Foto: PMA-MS
Canais são Foto feita em sobrevoo mostra dimensão do sistema interligado de drenos, construído para enxugar o banhado e facilitar plantio de soja e milho. Foto: PMA-MS

 

A polícia também constatou agravantes como degradação de olhos d’água e nascentes, protegidas por lei como áreas de preservação permanente (APP). Segundo o laudo da Polícia Militar Ambiental, as intervenções afetaram propriedades vizinhas, onde causaram erosões e sedimentação. Os sedimentos são levados pelo fluxo das águas através dos canais de drenagem, com maior carga e velocidade nos períodos chuvosos, e turvam o rio da Prata, que em dias normais tem águas límpidas.

Todas essas atividades eram ilegais e foram interditadas. No cálculo da multa total de R$13 milhões, os policiais consideraram os danos, o tamanho da área afetada, a classificação da área (de uso restritivo) e o poder aquisitivo do proprietário. Pela construção ilegal do sistema de drenagem, Adolpho Cecchi foi multado em R$10 milhões, valor máximo de multas ambientais previsto por lei, somados a outros R$3 milhões por desmatamento de área de APP.

 

Em dia de chuva, os policiais comprovaram que a água lançada pelos drenos turva o rio da Prata. Foto: PMA-MS
Em dia de chuva, os policiais comprovaram que a água lançada pelos drenos turva o rio da Prata. Foto: PMA-MS

 

Por destruição de APP, ,o fazendeiro responderá por crime ambiental e poderá ser condenado a prisão por período de um a três anos. Pela construção ilegal dos drenos, a pena pode ter um acréscimo entre um e seis meses. Além disso, Cecchi deverá apresentar um plano de recuperação da área degradada (PRAD). Ele tem 20 dias para apresentar sua defesa. Após análise do Imasul, esta defesa pode aumentar ou reduzir a multa em 40%, o último caso se o proprietário se propuser a usar o valor deste abatimento no plano de recuperação. A multa também cai em 30% se for paga em até 30 dias. Enquanto isso, o Ministério Público pode decidir abrir uma ação civil pública para a reparação dos danos ambientais.

 

Dreno principal que recebe outras ramificações e deságua no rio da Prata

 

*Reportagem editada em 19/05/16: após ser procurado pelo prefeito e ter acesso a uma nota explicativa da polícia, foi incluído no texto um novo trecho (o 2o parágrafo), que detalha as duas versões.

 

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Comentários 4

  1. Carlos L. Magalhães diz:

    Ao menos com relação à Fazenda S. Francisco, a história está muito mal contada/explicada. Se, como diz a matéria, "No dia 4 de março os policiais foram até a fazenda São Francisco e confirmaram os mesmos drenos, que teriam sido construídos nos anos 1980, época em que o governo federal incentivava a construção de canais de drenagem para implantação de lavouras. Durante esta fiscalização, um funcionário da fazenda apresentou aos policiais uma declaração ambiental eletrônica de limpeza de drenos com data de 5 de agosto de 2015. O documento garantiria a legalidade dos drenos.", esses drenos são perfeitamente legais. O fazendeiro exibiu declaração ambiental que fez por livre vontade às autoridades. Por que a multa?


    1. Fernando diz:

      Nenhuma licença ambiental isenta qualquer pessoa de cumprir a legislação ou de ser responsabilizada por qualquer dano ambiental. A licença para limpeza dos canais certamente foi emitida de forma equivocada. Infelizmente isso ainda acontece no nosso país. Inclusive a emissão desta licença deveria ser apurada.


      1. Carlos L. Magalhães diz:

        1. Então que se apure exatamente que dano ambiental o fazendeiro ocasionou por ações não autorizadas;
        2. Se a licença foi emitida de forma equivocada, a culpa não foi do solicitante – que se puna e multe o órgão emissor;
        3. É risível o valor da multa de 13 milhões. Evidentemente impagável, é apenas um numero espetaculoso, "pra inglês ver".