Reportagens

Andando em borboletas

Ibama do Rio descobre tardiamente que a grife Cantão vendeu sandálias enfeitadas com borboletas mortas, sem documentação sobre a origem dos animais, na coleção Verão 2007.

Andreia Fanzeres ·
7 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás


A autuação por crime ambiental aconteceu por acaso. Segundo Rodrigo de Carvalho, consultor técnico do Ibama do Rio de Janeiro, uma servidora do instituto em Brasília notou numa revista feminina a foto das sandálias com as borboletas. Estranhou e contactou a fiscalização no Rio, onde a grife está sediada. Sem se identificar, Carvalho telefonou para algumas lojas e descobriu que ainda existiam exemplares no Leblon, bairro nobre da cidade. Uma equipe foi até lá, pediu nota fiscal que comprovasse origem das espécimes e registro da Cantão junto ao Ibama como comerciante de produtos da fauna. A loja não tinha nenhum dos documentos e foi multada em oito mil reais.

Foi um valor irrisório para a Cantão, que vendeu cada par de sandálias por 1.200 reais. A empresa não quis revelar quantos pares foram fabricados, mas as vendedoras disseram que foram poucos e saíram como água antes mesmo da chegada do Natal. Carvalho lamenta um valor tão baixo para a infração. “No Brasil, crime contra a fauna é considerado menor, de pouco potencial ofensivo, e o tipo de pagamento pelo dano pode ser feito por doação de cesta básica, por exemplo”, diz o biólogo.

No dia em que a equipe do Ibama autuou a Cantão, os lojistas disseram que só havia mais um par das sandálias na loja. Os fiscais apreenderam o exemplar e levaram para a superintendência do instituto, onde, diz Carvalho, as espécies de borboletas serão identificadas. Além da multa, a grife recebeu uma notificação para apresentar sua defesa até meados de fevereiro e explicar quantas sandálias foram vendidas, quem as produziu e a origem dos insetos usados como enfeite.

Na loja da marca na Gávea, visitada pela reportagem de O Eco, jovens vendedoras exaltaram a criatividade da estilista Gisele Nasser, idealizadora dos calçados. “As borboletas eram lindas, eram de verdade. As sandálias saíram até na revista Vogue!”, disse uma delas, sem se dar conta de que seu uso representou crime ambiental.

A advogada da Cantão, Fernanda Mendes, garante que a grife tem como comprovar a origem legal das borboletas e neste momento reúne os documentos necessários a serem apresentados na semana que vem para o Ibama. “Elas vêm de um criatório de Santa Catarina”, informou. Mas ainda precisa verificar se a empresa está cadastrada no Ibama como comerciante de produtos de fauna, como exige a lei.

Quem visita o site da Cantão se depara imediatamente com a sandália nos pés de uma modelo. Ao clicar sobre a coleção Verão 2007 é possível obter mais informações sobre Gisele Nasser e a poética justificativa para apropriação dos elementos da natureza: “… buscando a liberdade como borboleta, bordando amores, sutis-tentadores, pousando cá e lá por esses cantos dourados de flores…” A diferença é que a borboleta inspiradora acabou presa, morta e colada em acrílico sob os pés de quem pagou mais de mil reais por ela.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

Leia também

Reportagens
16 de abril de 2024

Projeto de Lei tenta reduzir área do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque

Proposta está para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Área que se pretende desafetar sofre com expansão de garimpo no Amapá

Salada Verde
16 de abril de 2024

Gestão da água no RJ será debatida no Encontro dos Comitês de Bacias Fluminenses 

Tema central do encontro é a união de esforços para a gestão sustentável da água. Evento começa nesta quarta, 17/04. As inscrições estão abertas ao público

Reportagens
16 de abril de 2024

Indígenas conservam floresta que protege rio de 600 km no Maranhão

Estudo mostra que restam menos de 20% de Floresta Amazônica na Bacia do Rio Pindaré (MA) e que essa pequena porção conservada se encontra completamente dentro de Terras Indígenas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.