Reportagens

À flor da pele

Criação de parque nacional às margens da BR-163 desperta clima de insatisfação no Pará e culmina com ameaças no campo e promessas de Marina Silva no Planalto.

Carolina Elia ·
17 de março de 2006 · 18 anos atrás


Regiões definidas pelo macrozoneamento econômico-ecológico do Pará como antropizadas  (alteradas pelo homem) e propícias para atividades agropecuárias foram transformadas em áreas de proteção integral (veja mapas). Uma decisão com amparo legal, já que a União tem direito a ser mais restritiva do que o zoneamento estadual, mas perigosa do ponto de vista político. Tanto para o setor produtivo quanto para o governo paraense, ela soou como traição.

“O governo federal tem direito de agir assim, a lei permite, mas não foi isso o acordado. A medida inviabilizou a estratégia de desenvolvimento do estado”, reclama Gabriel Guerreiro, secretário de Meio Ambiente do Pará e um dos idealizadores do macrozoneamento.

A Transamazônica, a Calha Norte e as estradas PA-150 e BR-163 (Cuiabá-Santarém) são consideradas eixos importantes para o desenvolvimento do Pará. Ao se delinear o zoneamento do estado, uma das maiores preocupações foi manter esses pólos interligados. Para Guerreiro, a criação do Parque Nacional do Jamanxim dos dois lados da BR-163 liquida um dos eixos e quebra a lógica do zoneamento.“Corta toda ligação. Para mim, mandaram para o alto a BR-163”, diz.

O decreto que cria o parque deixa explícito que o leito e a faixa de domínio da BR-163 estão excluídos dos limites do Jamanxim. Para o engenheiro florestal Crisomar Lobato, da Secretaria de Meio Ambiente (Sectam), a brecha é suficiente para o asfaltamento da estrada. Mas para o secretário Guerreiro isso é insuficiente: a faixa excluída do Parque é de 30 metros de terra para cada margem da estrada.

Gente no caminho

Mas há um problema mais grave envolvendo a passagem da BR-163 pelo meio do tão recente Parque Nacional do Jamanxim. Em 30 anos de promessas de que um dia a estrada seria asfaltada, milhares de pessoas ocuparam suas margens. Ao ouvirem falar da criação do Parque, deixaram claro: dali elas não saem. Semana passada, um grupo ameaçou invadir a mata armado com motosserras caso o governo federal não diminua os limites do Jamanxim até o fim de março – o que só é possível por votação no Congresso Nacional.

Um dos organizadores do movimento é Agamenon Menezes, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso. Na quarta-feira, dia 15, ele estava em Brasília pedindo apoio a deputados e senadores e, por telefone, confirmou a O Eco: “Não quero, mas vamos derrubar essas árvores todinhas. A gente conversa, eles não cumprem”.

Em audiências públicas realizadas ano passado em Itaituba, Novo Progresso e outros municípios no oeste do Pará, a população se opôs aos limites apresentados pelo governo federal para as sete unidades de conservação. Os presentes pediram que fosse respeitado o traçado do macrozoneamento do estado, que liberava para regularização fundiária boa parte das áreas ocupadas. “Ignoraram os resultados das audiências públicas, registradas em cartório, e o zoneamento estadual”, reforça Agamenon.

Tasso Azevedo, diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, esteve presente nas audiências e discorda. Garante que o governo federal fez “mudanças radicais” na proposta inicial para respeitar as reivindicações e que a área de ocupação antiga da BR-163 foi excluída dos limites do Parque Nacional. De fato, quando se olha o mapa da unidade, é fácil observar uma clareira bem no meio do Jamanxim. Existirá um pólo urbano encravado na área de proteção integral.

Tasso embarcou quarta-feira à noite para o Pará com a missão de tentar acalmar os ânimos no campo. Ia a Belém, Santarém e Itaituba se reunir com representantes de pequenos produtores para explicar a questão da regularização fundiária e da desapropriação das terras. Segundo ele, aqueles que terão de sair são posseiros recentes, que se instalaram nos últimos cinco anos dentro da área escolhida para ser parque. Ele não sabe ao certo quantas pessoas terão que ser retiradas, mas é enfático: “Não tem como mudar os limites do parque. Mudar para poder desmatar?”, questiona.

Não é difícil encontrar casos de ocupação recente. Cristiano Campos Fontoura, de 27 anos e advogado do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, é um deles. Sua família tem fazendas de gado em Mato Grosso do Sul e parte se mudou em 2001 para a região com o intuito de ocupar terras promissoras por causa da proximidade com a BR-163. Ele ganhou da mãe um terreno de quase 2 mil hectares dentro do que é hoje o Parque Nacional do Jamanxim e diz que a família investiu ali cerca de 300 mil reais. “Dizem que somos posseiros, mas cumprimos a Instrução Normativa 2 do Incra”, argumenta.

A instrução estabelece as regras para regularização fundiária de áreas ocupadas. Mas cumprir todos os seus requisitos não significa ter direito à terra, apenas torna as pessoas aptas a receberem o título de posse. “A regularização é prerrogativa do governo federal”, explica Boris Alexandre César, ex-funcionário do Incra e atual coordenador-geral de regularização fundiária do Ibama. “Depois que se cria uma unidade de conservação, não tem mais como dar título de posse”, encerra.

A maioria das pessoas que mora na área do Jamanxim não tem título das terras e se sente iludida pelo Incra. O Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso estuda processar o Instituto. “Dizem que a terra é da União. Ela ‘está’ da União, mas tem que passar para quem de direito”, afirma Agamenon Menezes. Diante das ameaças de destruição da floresta, Tasso Azevedo rebate atacando:“A gente também não está brincando. Com a primeira motosserra baixa o Exército na região”. E lembra que, com a entrada em vigor do PL de Gestão de Florestas Públicas, desmatamento em terra da União se tornou crime, sujeito a penas de 3 a 6 anos de prisão.

O clima de tensão preocupa os grandes madeireiros da região. “O setor florestal sempre paga a conta”, teme Luis Carlos Tremonte, diretor do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Sudoeste do Pará (Simaspa). Durante a semana, ele agiu nos bastidores numa tentativa vã de levar os dois lados para a mesa de negociações. “Se respeitassem a faixa de 50 km reivindicada pelos produtores na beira da estrada o problema deixaria de existir”, diz.

Em troca

Em meio ao fogo cruzado, houve uma conversa afinada quarta-feira em Brasília. Foi entre a ministra Marina Silva e o governador do Pará, Simão Jatene. O tema principal do encontro foi a forma como o governo federal usa o Zoneamento Ecológico-Econômico do Pará (ZEE) para tomar decisões sobre o uso da terra no estado. A ministra se comprometeu a fazer ajustes nos pontos em que o governo estadual não estiver de acordo e tentou mostrar ao governador que o zoneamento foi respeitado, inclusive no que diz respeito a ocupações antigas às margens da BR-163.

Mas a melhor proposta ao governo do Pará foi a sugestão de levar o plano de macrozoneamento ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Uma reivindicação antiga do estado, que deseja reduzir os limites da reserva legal em algumas áreas já degradadas. O Conama consentiu esse direito recentemente a Rondônia. Hoje, em toda a região amazônica do Pará, a reserva legal é de 80%. Mesmo em áreas como a do arco do desmatamento, onde sobrou pouca floresta. Com a mudança da reserva legal nessas áreas, o estado espera aumentar suas terras destinadas a atividades econômicas. O macrozoneamento determina que 65% do território do Pará seja preservado em forma de unidades de conservação e que 35% seja destinado a atividades produtivas. Mas a criação das unidades de conservação no dia 13 de fevereiro reduziu em 7% a área destinada ao desenvolvimento sócio-econômico. A redução da reserva legal pode ser uma forma de compensar essa “perda” de território para o governo federal. Segundo dados do Laboratório de Sensoriamento Remoto da Sectam, a extensão atual de áreas administradas pelo Ibama no Pará corresponde a 15,3% do estado. O equivalente a cinco vezes o estado do Rio de Janeiro ou mais que a soma das áreas de Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Além dos domínios do Ibama, 24,8% do Pará é ocupado por Terras Indígenas e 0,8% por terras de quilombolas e das Forças Armadas.

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