A prefeitura do Rio de Janeiro anuncia o primeiro choque de desordem da gestão Eduardo Paes. Mas más notícias nem sempre se apresentam nos jornais com nomes próprios. E esta se chama de urbanização da colônia psiquiátrica Juliano Moreira, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
É projeto do PAC, o que lhe garante o selo de projeto leviano, populista e eleitoreiro. Começa no mês que vem. Estará a pleno vapor na campanha do ano que vem, para espetar “um novo bairro carioca”, com 1.665 casas populares, numa conta de R$ 200 milhões. Para saber o que a prefeitura entende na prática por “bairro carioca”, basta dar uma volta ao redor dos muros que até agora mantiveram a Juliano Moreira mais ou menos a salvo da normalidade vigente.
Internos e moradores
A colônia – ou o que sobrou dela – é um dos últimos oásis da Zona Oeste. A loucura conservou-a, enquanto o senso-comum ia estragando irremediavelmente a cidade. Seus antigos hospitais psiquiátricos têm hoje pouco mais de 500 internos. E hospedam 900 sãos que, por terem idéias claras demais, vivem em seus pavilhões arruinados ou seus espaços baldios.
Como sempre que alguém embolsa o que era do governo no Brasil, o projeto consagrará a sagacidade infalível de quem apostou contra a lei para ganhar na certa. Lei é para sem-vereador, sem-deputado ou sem-Ong. No caso, a prefeitura quer premiar funcionários públicos que um dia foram pagos para cuidar daquilo, e preferiram cuidar sobretudo de si mesmos, beneficiando seus descendentes. Um desses herdeiros, aos 35 anos, declarou-se outro dia indignado com a lenga-lenga do governo. Ele quer já, de uma vez por todas, a casa que foi de sua avó. Ela sim foi um dia funcionária do hospício.
Cinco anos atrás, roçou as copas da Juliano Moreira um sopro de razão. Iria para lá o campus Jacarepaguá 1 da Fundação Oswaldo Cruz. Tomaria conta de 5 milhões de metros quadrados, com matas nativas, aos pés do Parque Estadual da Pedra Branca. Deixaria 75% para “preservação, proteção e recuperação florestal”. Tudo isso dentro do Rio de Janeiro. Numa reserva natural regada por nascentes e cachoeiras, com árvores com 30 metros de altura, 200 espécies de pássaros, 80 de mamíferos, 38 de répteis e 12 de anfíbios. Argumentos de sobra para romper a maldição que reduz todo subúrbio carioca a deserto superpovoado, violento e decrépito, marca registrada do modelo que todos os prefeitos acabam, mais cedo ou mais tarde, implantando nos calcanhares da expansão desordenada.
Butim para todos
Venceu a boa e velha política do cada um por si e butim para todos. E “todos”, ali, são indiferentemente pobres ou, pelo menos, remediados. Quando a Fundação Oswaldo Cruz levantou, de porta em porta, a situação dos invasores, encontrou desde miseráveis empilhados em ruínas infectas a moradias clandestinas com asfalto no portão, carro na garagem e renda familiar de cinco salários mínimos (Para conferir a íntegra do estudo preliminar, clique aqui). Ao urbanizar as seis favelas com urgência eleitoral, a prefeitura dificilmente terá a pachorra de refazer cadastros. Mas não custa ouvir o que a vizinhança anda dizendo nos jornais.
O secretário municipal de Habitação Jorge Bittar garantiu na semana passada que seu “novo bairro carioca” preservará a mata e o patrimônio histórico da Juliano Moreira, sucessora de um engenho que pertenceu ao camareiro de Pedro II. Na mesma página, uma aposentada fazia contraponto ao secretário: “Quanto mais moradores tivermos aqui, maior o risco de invasões e queimadas”. Ela pode morar em casa de loucos. Mas o que diz faz sentido.
Leia também
Chuvas no RS – Mudanças climáticas acentuam eventos extremos no sul do país
Cheias batem recordes históricos e Rio Grande do Sul entra em estado de calamidade. Mais de 140 municípios foram atingidos e barragem se rompeu na serra →
Estudo sobre impacto das alterações no clima em aves pode ajudar espécies na crise atual
Alterações climáticas reduziram diversidade genética de pássaros na Amazônia nos últimos 400 mil anos, mas algumas espécies apresentaram resistência à mudança →
Sem manejo adequado, Cerrado se descaracteriza e área fica menos resiliente às mudanças no clima
Estudo conduzido ao longo de 14 anos mostra que a transformação da vegetação típica da savana em ‘cerradão’ – uma formação florestal pobre em biodiversidade – ocorre de forma rápida; mata fica menos resistente a secas e queimadas →