Colunas

O barato sai caro

Nuvens de poluentes gerados na China cruzam o Pacífico e atingem a costa oeste dos Estados Unidos. No curto prazo, não há esforço local que dê resultados na melhoria do ar.

6 de julho de 2007 · 17 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Os americanos pensavam que a péssima qualidade do ar nos grandes centros chineses ficasse por lá. Não estamos falando de efeito estufa, mas de enxofre, mercúrio e partículas finas geradas por vários processos produtivos. Cimento, por exemplo. Nesse caso, a produção da China representa 40% da global.

Os americanos também achavam barato fazer iPods por lá. Um estudo recente desmembrou o custo de um modelo de US$299. Do total, mais da metade, ou US$163, remuneravam trabalhadores e empresas americanas. A Apple sozinha ganhava US$80 por unidade vendida. O custo da mão-de-obra chinesa que faz a montagem é de cerca de US$3, ou 1% do total.

A Apple ganha muito pela invenção de um produto desejado mundialmente. Um iPod leva 451 componentes. A empresa descobriu uma forma de fazê-los valer juntos mais do que se fossem vendidos separadamente. Experimente desmontar o seu iPod, vai acabar toda a magia.

Idéias como essa são raras e saem da cabeça de profissionais qualificados. Por outro lado, trabalhadores fabris chineses são abundantes. Por isso, a Apple ganha a parte do leão do iPod e os chineses um pedacinho. Para compensar, eles produzem milhões de unidades. A China, incluindo Taiwan, se tornou a grande fábrica de eletrônicos do mundo.

Esse jogo não é ruim. Acusam-se os países ricos, ou pelo menos suas empresas, de explorarem a mão-de-obra barata dos pobres. Mas o comércio é um jogo ganha-ganha. Os países ricos importam produtos baratos, enquanto os pobres que participam do comércio internacional obtêm recursos para investir e aumentar a renda per capita a taxas invejáveis, duas ou três vezes maiores do que a americana, ou européia e japonesa. A redução da pobreza e o aumento de consumo na China e no Vietnã são bons exemplos.

O lado sujo dessa história não é o comércio, mas sim que parte da vantagem de custos chinesa vem de padrões ambientais sabidamente ridículos. Estima-se que a má qualidade do ar na China mate de 300 a 400 mil pessoas e cause 75 milhões de crises de asma por ano.

Mas as conseqüências não param por lá. Elas cruzam o Pacífico semanalmente com as nuvens tóxicas de poeira que se originam no deserto de Gobi, no norte da China, e passam ao longo do país, onde se carregam de poluentes. Destino? A costa oeste americana.

É a globalização da poluição.

Os americanos estão perdendo a capacidade de controlar a qualidade do próprio ar. Cada vez mais, os níveis de ozônio e mercúrio em estados como Oregon e Washington são determinados no estrangeiro.

O mercúrio chega às nuvens e se precipita com as chuvas causadas pela umidade da costa noroeste americana. Ele contamina os rios e impregna os peixes. Um quinto da contaminação do rio Willamette, no Oregon, vem de fora. O consumo de mercúrio causa problemas motores e retardamento mental. Crianças e grávidas são especialmente sensíveis a seus efeitos. Vários peixes comerciais da região já atingiram níveis de contaminação perigosos.

Um terço do aerossol (partículas finas em suspensão) que degradam o ar californiano tem origem na Ásia. Em um famoso destino de férias, Lake Tahoe, estima-se que a totalidade desse poluente vem da China. Um dos seus efeitos é danificar os pulmões. A vanguarda e o esforço californiano em programas para melhorar o ar serão anulados pela poluição chinesa.

E não adianta reclamar em cortes internacionais. A China não reconhece a jurisdição das mesmas. Uma alternativa seria penalizar individualmente empresas poluentes. Mas isso também será difícil. A China não entrega o jogo, deixando de informar as medições de poluentes locais.

Não há uma solução à vista. O que parece mais viável é dar toda a tecnologia e recursos financeiros necessários para que a fome de crescimento chinês não gere uma indigestão nos EUA. Quer dizer, a melhor alternativa a curto prazo é pagar a China para poluir menos.

De outro modo, o iPod vai acabar causando enfisema.

Leia também

Notícias
2 de maio de 2024

Estudo sobre impacto das alterações no clima em aves pode ajudar espécies na crise atual

Alterações climáticas reduziram diversidade genética de pássaros na Amazônia nos últimos 400 mil anos, mas algumas espécies apresentaram resistência à mudança

Reportagens
2 de maio de 2024

Sem manejo adequado, Cerrado se descaracteriza e área fica menos resiliente às mudanças no clima

Estudo conduzido ao longo de 14 anos mostra que a transformação da vegetação típica da savana em ‘cerradão’ – uma formação florestal pobre em biodiversidade – ocorre de forma rápida; mata fica menos resistente a secas e queimadas

Reportagens
2 de maio de 2024

Pedágio em Magé (RJ) isola bairro e gera impasse que ameaça remanescente de Mata Atlântica

Moradores pedem à Justiça isenção na cobrança; situação gerou pressão por reabertura de estrada em zona de amortecimento de parque nacional, onde vivem espécies ameaçadas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.