Reportagens

Incêndios florestais na Bolívia já destruíram 2,1 milhões de hectares

Queimadas ainda afetam regiões do Pantanal e suas cabeceiras. Mês passado Evo Morales promulgou decreto permitindo desmatamento e queimadas na região afetada

Giovanny Vera ·
1 de setembro de 2019 · 5 anos atrás
Os números de focos de calor aumentaram drasticamente no começo do mês de agosto. Foto: Carlos Orias B.

Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) – Mais de 2,1 milhões de hectares de áreas queimadas e 19.976 focos de calor registrados em 2019 na Bolívia. As chamas se concentram especialmente nas regiões da Chiquitania, Pantanal e o Chaco – na fronteira com o Paraguai –, onde as queimadas acirraram no começo de agosto e se recusam a dispersar.

A ampliação da fronteira agrícola boliviana é considerada ponto estratégico para o governo. Em julho, o presidente Evo Morales promulgou um decreto que autorizou o desmatamento e a queima controlada para atividades agropecuárias nas regiões de Santa Cruz e Beni.

Para especialistas, normativas como esta se transformam em vetores de desmatamento, especialmente quando são criadas sem base técnica e científica. “Ampliar a fronteira agropecuária exige desmatamento e queimadas sem precedentes na Bolívia. Agora estamos vendo o que isso significa na prática”, disse o pesquisador Vincent Vos, biólogo de formação.

Para Huáscar Bustillos, especialista em Ecologia, as autorizações para a criação de assentamentos – com colonos do partido de Evo Morales trazidos das regiões montanhosas bolivianas – em regiões sem vocação agrícola e a falta de controle nas normativas sobre desmatamento e queimadas são as duas principais origens do fogo que ainda arrasa a região.

Desmatamento e queimadas foram autorizadas pelo governo de Evo Morales na região que hoje ainda queima. Foto: Carlos Orias B.

O governo de Evo Morales justifica a expansão da fronteira agrícola como uma medida para combater a fome no país e coloca a culpa das queimadas nas mudanças climáticas. “Estamos vendo grandes tormentas e inundações fora do normal; com certeza nos próximos anos assistiremos terríveis secas”, disse o vice-presidente Álvaro García Linera, que atribuiu os incêndios às mudanças climáticas que afetam o país.

Resposta tímida

O incêndio no parque nacional Pantanal de Otuquis, fronteira com o Brasil e o Paraguai, está sendo combatido por guarda-parques de outras unidades de conservação da Bolívia. Foto: ANMI San Matías.

A tímida e demorada resposta do governo de Evo Morales fez com que cidadãos do país inteiro se mobilizassem para ajudar a combater o fogo. De todos os cantos, mais de dois mil voluntários chegam para agir como bombeiros, médicos e veterinários, ou enviando alimentos, remédios e materiais necessários para proteger o pouco que ainda não queimou.

Há uma pressão popular para que governo declare a situação das queimadas no país como “desastre nacional”, o que permitiria ajuda de fora do país para atender as áreas incendiadas. O presidente, que está em campanha de reeleição, resiste em dar a declaração e declara que o governo boliviano pode conter sozinho o fogo. Enquanto isso, na mata queimada, bombeiros sofrem sem ferramentas e alimentos.

Em Las Petas o fogo quase entrou na comunidade, que não conta com uma equipe de bombeiros. No final da noite o incêndio foi controlado. Foto: reprodução/Facebook/Por la Chiquitania.

O governo declarou que 85% dos focos de calor foram extintos após 8 dias de combate ao incêndio. “O fogo está recuando”, disse o ministro de Defesa, Javier Zavaleta. No entanto, ontem (31), as chamas avançavam em Las Petas, Tornito e Candelária, na região de San Matias, e continuam queimando fazendas e gado no Chaco, na fronteira com o Paraguai.

Após 20 dias de queimada sem atenção do governo boliviano, foi contratado o avião cisterna americano Supertanker, um Boeing 747 com capacidade para 74 mil litros de água, que desde o dia 23 está em operação na Bolívia.

Apesar da luta, o fogo ainda se abate sobre uma vegetação seca, arde e queima tudo, incluindo animais que não conseguem fugir. Segundo estimativas da Fundação para a Conservação do Bosque Chiquitano (FCBC), só nesta região boliviana existem mais de 1200 espécies da fauna, sendo 43 anfíbios, 140 répteis, 788 aves e 242 mamíferos.

Um presidente perdido

Na quarta-feira, o presidente Evo Morales realizou um sobrevoo na região de San Ignácio de Velasco, ao leste do país, também afetada pelos incêndios, e esteve na comunidade de Caballo Muerto (cavalo morto, em português), onde fez fotos e vídeos combatendo o fogo para propagandas do governo.

No dia seguinte, durante uma coletiva na cidade de Roboré, onde o governo está centralizando as atividades de combate às queimadas, o presidente contou que se perdeu na mata. “Tivemos uma pequena aventura ontem à noite. Nos perdemos por quase uma hora, mas graças aos soldados, pudemos encontrar o caminho para retornar”, disse.

O episódio rendeu piadas nas redes sociais, como o que diz que “a comunidade onde Evo se perdeu chamava Cavalo Morto, agora chama Burro Perdido”.

Esta foi a segunda vez em que o presidente boliviano se vestiu de bombeiro para as câmeras e gerou críticas, principalmente da oposição. “Evo viaja com várias câmeras para usar as queimadas em sua propaganda eleitoral”, tuitou Victor Hugo Cárdenas, candidato à presidência. Já Shirley Franco, deputada e candidata à vice-presidente da chapa adversária, declarou que Evo “só fez sessões de fotos disfarçado de bombeiro na Chiquitania pretendendo apagar focos de incêndio onde não existiam, enquanto a população clama pela declaração de desastre nacional porque o Estado boliviano não tem a capacidade técnica, logística e financeira para o combate os incêndios”, disse.

As autoridades do governo negam que a performance tenha intenção eleitoral.

Tesouro afetado

Na região afetada pelo fogo em agosto existem o parque nacional Pantanal Otuquis, a área natural de manejo integrado San Matias, o parque Santa Cruz La Vieja, a reserva de vida silvestre Tucabaca e a área de conservação Ñembi Guasu (dentro do território indígena Charagua).
Segundo o biólogo Huáscar Bustillos, na região da reserva Tucabaca existem afloramentos rochosos que abrigam espécies endêmicas, especialmente plantas herbáceas, muito suscetíveis a qualquer intervenção. “[Com as queimadas] Os impactos à biodiversidade da região serão drásticos, especialmente na população de micromamíferos, anfíbios e répteis. Com o desaparecimento da cobertura vegetal, são eliminadas as zonas de proteção dos animais, e aumentará a caça pela falta de refúgio para eles”, explica.

De acordo com o Sistema de Monitoramento e Alerta Precoce dos Riscos de Incêndio Florestal (Satrifo) da Fundação Amigos da Natureza (FAN) da Bolívia, os níveis de risco de queimadas deverão aumentar, favorecidos pelas condições meteorológicas. Armando Rodríguez, gerente de geomática da FAN, explica que a seca na Bolívia começou cedo neste ano, e vai se estender pelo menos até setembro e outubro. “Serão meses ainda mais secos. Temos que estar alertas”, disse.

Queimadas estão afetando fazendas na região de fronteira com o Paraguai. Foto: Carlos Diaz.
O fogo queimando dentro do Parque Nacional Pantanal de Otuquis. Foto: Reprodução Facebook de Maria René Barrancos.

 

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  • Giovanny Vera

    Giovanny Vera é apaixonado pela área socioambiental. Especializado em geojornalismo e jornalismo de dados, relata sobre a Pan-Amazônia.

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Comentários 2

  1. Oliveira diz:

    Tenho visto muitas reportagens sobre os focos de incêndios florestais em nosso pais, até mesmo uma reportagem da Folha dizendo que o Governo de Israel pretende doar produtos para combate a incêndios florestal ( Produto este não autorizado no Brasil ).

    O que ninguém diz é que o Brasil tem uma das melhores tecnologias para combate a incêndios florestais, patenteado no Brasil e 100% nacional ( FERTIL FIRE), este produto foi aprovado através de uma normativa do IBAMA, é ecologicamente correto e não agride o meio ambiente.

    Porque os órgão federais não se prepararão para utilizar este produto que bloqueia e apaga as chamas de forma rápida e sem agredir o meio ambiente, preferem utilizar milhares de litros de água ou outros produtos paliativos e não autorizados pelo IBAMA ( Como é o caso dos espumogenos ou LGE).

    Milhares de brigadistas são contratados e colocam a sua vida em risco, com esta tecnologia poderíamos ter uma grande agilidade no combate aos incêndios florestais, pois os incêndios s não chegariam a ter grandes proporções, uma vez que seriam apagados logo no seu inicio de forma rápida e efetiva, evitando um grande estrago ambiental.


  2. Paulo diz:

    Outro presidente pessimo para o ambiente natural.
    Confirma-se, para estes cabeçudos, destruição não tem nada em ser deste mimimi de direita ou esquerda. A receita é a mesma.