Reportagens

Estruturas de combate a enchentes na Baixada Fluminense estão abandonadas

Descontinuado há 8 anos, Projeto Iguaçu reassentou 3 mil famílias na Baixada Fluminense, mas muitas já voltaram a ocupar áreas de inundação

Emanuel Alencar ·
4 de março de 2020 · 4 anos atrás
Pôlder do Jardim Gláucia, em Belford Roxo: obras ficaram pela metade. Divulgação/Blog do Cao-Lote XV.

As recentes chuvas que causaram dor e revolta na população do Rio seguem como estorvo principalmente para moradores de áreas mais suscetíveis a inundações. Na Baixada Fluminense, obras que tinham o objetivo de combater enchentes estão paradas há 8 anos, e há registros de invasões e construções irregulares em locais que haviam sido recuperados, nos rios Sarapuí, Botas e Iguaçu. Iniciado em 2007, o Projeto Iguaçu foi financiado pelo governo federal, coordenado pela Secretaria Estadual do Ambiente, mas ficou pelo caminho após aplicar cerca de R$ 500 milhões em obras – metade do previsto.

Morador de Belford Roxo, Rogério Gomes, ex-integrante do comitê de acompanhamento de obras, lembra que os três pôlderes – estruturas hidráulicas artificiais de controle de cheias – construídos pelo programa estão abandonados.

“Depois de 2012, nada aconteceu. Parou tudo”, lamenta. “É o cenário de sempre: muda o governo, se esquece os projetos que vinham acontecendo e tudo cai no esquecimento”.

O avanço da criminalidade em bairros que margeiam os rios Sarapuí, Iguaçu e Botas é outro complicador. Os acessos aos pôlderes e diques são bloqueados por barricadas feitas por grupos de traficantes. Se 3 mil famílias foram reassentadas até 2010, hoje um contingente ainda maior segue morando em áreas de alta suscetibilidade de enchentes. A estação de bombeamento de água do Outeiro/Lote XV, inaugurada há 9 anos nas margens do Rio Iguaçu, em Belford Roxo, está parada.

Grande enchente de 1990 motivou projeto

Vista aérea de enchente em Belford Roxo, em 2009: Baixada Fluminense sofre com fortes chuvas há décadas. Foto: Divulgação/Blog do Cao-Lote XV.

Esse compasso de espera para novas intervenções que complementem o que já foi feito é dramático, atesta o engenheiro Irinaldo Cabral, que foi o coordenador geral do Projeto Iguaçu. Hoje atuando na prefeitura de Maricá, Irinaldo lembra que a Baixada Fluminense historicamente sofre com inundações, e que a descontinuidade das obras representa um retrocesso.

“As intervenções foram pensadas desde a década de 1990, para recuperar as áreas de enchentes. Foi um trabalho da Coppe/UFRJ. Retiramos várias famílias (das margens dos rios) e recuperamos boa parte das calhas do Sarapuí, Botas e Iguaçu. Mas é claro que as obras tinham que ter continuado. Em Mesquita estava prevista uma barragem no Rio Dona Eugenia, que nasce no Gericinó-Mendanha. E isso não foi feito”, diz Irinaldo, lembrando que o Projeto Iguaçu foi premiado pela Caixa Econômica Federal (CEF). “Esse projeto não tem bandeira partidária. Os governos deviam dar sequência. É uma tristeza muito grande”.

((o))eco procurou a Secretaria Estadual do Ambiente (SEAS) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), mas não obteve resposta se há planos de retomada do Projeto Iguaçu.

Atualização

Após a publicação da reportagem, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) entrou em contato para informar que iniciou as tratativas para a retomada do Projeto Iguaçu. O órgão ambiental estadual fará a licitação para a escolha da empresa que fará a revisão do plano diretor do projeto.

 

*Editado às 16h12 do dia 05/03/2020. 

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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Comentários 1

  1. Marcio Santa Rosa diz:

    Parabéns por recobrar o importante trabalho que vinha sendo feito de proteção da Baixada Fluminense contra as enchentes. No pacote do PAC houve lugar para o mais importante projeto socioambiental que foi feito de recuperação ambiental da região oeste da Baía de Guanabara que foi o Projeto Iguaçu. Era uma grande inspiracao para a nossa equipe do PSAM, mostrando o que poderia ser feito de envolvimento participativo das comunidades em toda a extensão da Baía.