Reportagens

Voando alto

O Brasil ainda tem muito a aprender sobre observação de aves. Iniciativas apontam avanços e boas perspectivas, mas é essencial a conservação da biodiversidade nacional.

João Teixeira da Costa · Carla di Cologna ·
5 de junho de 2007 · 17 anos atrás

“Observação de aves é para quem vê mais longe”. A frase de Guto Carvalho, organizador do Avistar 2007, tem a economia característica dos textos publicitários. E resume bem a impressão de que a observação de aves está prestes a decolar no Brasil, crescendo em importância como atividade que incentiva o ecoturismo e movimenta o mercado editorial. Mas o seu impacto vai além. Fica cada vez mais claro o estreito vínculo entre observação de aves e conservação.

Essa impressão foi reforçada pelo Avistar 2007. O encontro, realizado em São Paulo na última semana de maio, reuniu observadores de aves, ornitólogos, operadores de ecoturismo, proprietários de fazendas e pousadas, editores, fotógrafos, jornalistas, guias, mateiros e autoridades. Foram palestras, mini-cursos, workshops e saídas a campo. Além disso, a realização do evento em um dos poucos espaços verdes da grande cidade, o Parque Villa-Lobos, permitiu que muita gente que nunca tinha ouvido falar no assunto travasse um primeiro contato com esse mundo um tanto excêntrico.

Sim, porque observar aves na natureza no Brasil ainda é uma excentricidade. Como observou o fotógrafo carioca Luiz Cláudio Marigo, os observadores de aves ainda são uma pequena minoria por aqui. Os clubes de observadores têm grande dificuldade em se manter e são poucos os seus sócios, especialmente em comparação com os clubes de criadores de pássaros e com os clubes de caça e pesca. Marigo parecia expressar a opinião de muita gente ao dizer que a observação de aves não “pega” no Brasil porque a nossa relação com a natureza é de espoliação e não de contemplação.
Ele fala com conhecimento de causa. É um dos nossos mais destacados e experientes fotógrafos de natureza. Um dos poucos que conseguem viver disso. No entanto, como explicar o surgimento de tanto entusiasmo em torno dessa idéia quase quixotesca de que mais vale capturar imagens, sons e impressões do que colocar o passarinho na gaiola? Pode-se dizer que estamos apenas recuperando um certo atraso em relação a países mais avançados. Os debates deixaram claro que a atividade é muito mais desenvolvida em alguns dos países vizinhos, e a maior parte da nossa infra-estrutura ainda atende principalmente turistas estrangeiros.

Vizinhos

O cenário da prática na América do Sul foi bem apresentado por Andrés Bosso, diretor executivo da organização Aves Argentinas e o especialista peruano Thomas Valqui. A organização argentina é a pioneira dentre as presentes, atuando desde 1916 na preservação e no estímulo à observação de aves. Localizada em Buenos Aires, tem como algumas de suas preocupações o incentivo à formação de reservas naturais urbanas que contemplem ambientes adequados às aves que vão perdendo espaço com a urbanização, a produção de campanhas que alertem sobre espécies ameaçadas, inventários ornitológicos de diferentes locais, planejamento de infra-estrutura e material informativo – o que deu a entender que o Brasil tem muito a aprender com los hermanos. No Peru, segundo Valqui, a prática ainda é escassa e, para incentivá-la, algumas estratégias deveriam ser adotadas a fim de transformá-la em uma atividade importante não apenas no país, mas em todo o subcontinente sul-americano. Para isso ele sugeriu duas ações: criar a marca América do Sul (AS) e incentivar o costume estrangeiro de vir à América do Sul para observar as aves. “Estamos no continente das aves”, afirma. “Todos conhecem os animais da África, como o elefante, a girafa, mas não conhecem nossas aves. Temos que vender nossa diversidade ecológica”, defende. Segundo dados apresentados por ele, a “AS” é a primeira em diversidade avifaunística do mundo, com 3.344 espécies. A África fica em segundo lugar com 2.468 espécies e a Europa em último, com 1.047. Valqui fez ainda algumas sugestões do que seria necessário no Peru: melhorar a infra-estrutura para receber o turista, construir mirantes, incentivar pesquisas científicas e inventários e investigar o comportamento das aves.

Recebendo estrangeiros

A falta de apoio oficial foi tema de uma outra mesa de discussões. Israel Waligora, presidente da ABETA – Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura, trouxe algumas propostas bastante objetivas de ações necessárias. Um dos primeiros passos seria reunir um núcleo de empresas interessadas em captar visitantes e a elaboração de propostas para o segmento. “Queremos levar empresas para a Birdfair, em parceria com a Embratur. Para fazer negócios, propor roteiros na América do Sul”, afirma. Outro passo seria a qualificação de guias especializados, que faltam no mercado do ecoturismo e, mais ainda, no setor de observação de aves que, segundo Waligora, pode ser um dos principais segmentos de turismo no país. A questão da visitação dos parques nacionais e estaduais foi avaliada como essencial, assim como um programa de sinalização turística e científica nas unidades de conservação. “Os parques no Brasil são diurnos. Abrem às nove e fecham às cinco horas da tarde. Qualquer um sabe que observadores de aves madrugam. Temos que mudar isso”, afirmou e recebeu aplausos do público, lembrando também que isso impossibilita a observação das aves noturnas.

Esse problema não deixa de afetar os operadores de hotéis de selva. Ou pelo menos alguns deles, como Nicholas Locke, da REGUA. Situada no estado do Rio de Janeiro, a reserva gerida por Nicholas atrai não apenas pelas possibilidades de observação (e de ecoturismo e turismo rural) dentro dos seus limites, mas também pela proximidade de outros destinos como os parques de Itatiaia e da Serra dos Órgãos. Nicholas comentou que são freqüentes as dificuldades na entrada dos parques. Entre outros problemas, ele citou ainda alguns problemas gerais do turismo brasileiro, como a falta de segurança e a obrigatoriedade de vistos para americanos. Mas falou também na falta de um bom guia de campo, ou livro de bolso que ajude os visitantes a identificar aves.

Mas quem realmente tem dificuldades com o setor público é Vitória da Riva Carvalho, proprietária e gestora do hotel de selva Cristalino. Claro, Cristalino tem hoje um status privilegiado, pois é reconhecido como o melhor local para observação de aves amazônicas. Mas Vitória tem enfrentado sérias dificuldades com os poderes constituídos do estado do Mato Grosso, como tem sido noticiado pelo Eco. Roberto Klabin falou da experiência singular da Fazenda Caiman, uma fazenda de gado no Pantanal que é um dos principais destinos de ecoturismo no Brasil. Roberto indicou que essa posição foi conquistada com muito trabalho e pouco apoio.

Fotografia

Marigo não foi o único grande fotógrafo presente no Avistar. Daniel de Granville e João Guilherme Quental também falaram sobre fotografia, e Haroldo Palo Jr. falou sobre imagens em movimento. As discussões foram fascinantes, mas o panorama não é muito animador para aqueles que quiserem seguir o caminho desses mestres. A falta de respeito ao direito autoral e a ampla disponibilidade de imagens na rede tornam muito difícil a vida de quem quer viver disso. O que já não era tarefa fácil, dados os obstáculos de sempre como o alto custo de trabalhar no Brasil, e as dificuldades impostas pela burocracia irracional das nossas unidades de conservação. Ainda assim, as palestras despertaram muito interesse, confirmando a avaliação dos organizadores do evento de que a fotografia será um instrumento poderoso no crescimento da observação de aves no Brasil.

Grantsau

Rolf Grantsau, o grande homenageado do Avistar 2007, falou na noite de abertura e esteve presente ao longo do evento. O biólogo e naturalista alemão é uma figura extraordinária e merece um capítulo à parte. Mas basta dizer que ele é o tipo de pessoa que, já na casa dos 80 anos de idade, não hesitou em mergulhar na tecnologia de manipulação digital de imagens, por acreditar que oferece melhores resultados do que o desenho e a pintura.

Etc.

Isso é apenas uma fração do banquete que foi o Avistar. Temos certeza que deixamos de mencionar outros aspectos interessantíssimos do evento. Como por exemplo a programação infantil, ou a mesa-redonda que reuniu alguns dos mais renomados guias locais do Brasil. Só resta indicar a presença e o apoio do CEO, o Centro de Estudos Ornitológicos da USP, da SAVE Brasil e especialmente dos membros das listas de discussão ornitobr, onde tudo começou, e birdwatchingbr. E como não podia deixar de ser, um encontro cheio de fotógrafos da era da internet não poderia deixar de gerar páginas com registros dos eventos. Aqui vão três delas: de Rodolfo Eller, J. Quental e Guilherme Serpa.

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