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Justiça mantém prisão de brigadistas de Alter do Chão; MPF solicita acesso ao inquérito

Após audiência de custódia na manhã de hoje (27), ficou mantida a prisão preventiva dos quatro brigadistas de Alter do Chão. Áudios vazados não mostram indícios de crime

Carolina Lisboa ·
27 de novembro de 2019 · 4 anos atrás
Brigadistas, bombeiros e voluntários combatem o fogo que se alastrou desde sábado (14) no distrito de Alter do Chão, Santarém, no Pará. Foto: Brigada de Alter.

A Justiça do Pará negou liberdade aos quatro brigadistas detidos preventivamente na manhã de terça-feira (26). Eles foram acusados pela Polícia Civil de serem os autores do incêndio florestal que atingiu a região da Área de Preservação Ambiental (APA) de Alter do Chão, em setembro. O juiz da 1ª Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, negou a revogação da prisão preventiva.

Os brigadistas deverão passar 10 dias presos até a conclusão do inquérito policial. O advogado dos acusados, Wandre Leal, entrará com pedido de Habeas Corpus, por considerar que os brigadistas não preenchem os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal (CPP), que regula o uso da prisão preventiva.

O Ministério Público Federal requisitou à polícia civil acesso integral ao atual inquérito. Segundo o MPF, a Polícia Federal também investiga as queimadas na região de Alter no Chão e considerou outros suspeitos: “Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter”, diz, em nota.

Assédio

Na audiência de custódia, realizada às 10 da manhã desta quarta-feira (27),, os brigadistas foram apresentados com os cabelos cortados. Segundo nota da Brigada de Alter do Chão, os voluntários detidos foram levados para presídio e tiveram seus cabelos raspados, “quando, pela lei, deveriam ser detidos na delegacia e ter sua integridade mantida”.

Os voluntários foram levados à sala de audiência pelos agentes do Sistema Penitenciário do Estado do Pará, enquanto os advogados presentes no fórum classificavam a cena como uma tentativa das autoridades de criminalizar a atuação de ambientalistas, sem dar direito ao contraditório e à ampla defesa, expondo os presos à situação vexatória perante o público.

Ainda em nota, a Brigada de Alter do Chão esclareceu algumas informações equivocadas que vêm circulando desde a prisão dos brigadistas. A primeira diz respeito à relação entre a Brigada Alter do Chão e o Instituto Aquífero Alter do Chão, na qual a nota esclareceu que “a Brigada é uma iniciativa lançada em 2018 e faz parte da organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Aquífero Alter do Chão para cooperação no combate a incêndios na região, com apoio de pessoas físicas voluntárias. Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização”.

Incêndio em Alter do Chão em setembro. Foto: Eugênio Scannavino.

Sobre a menção a vídeos publicados na plataforma YouTube em que voluntários da Brigada de Alter do Chão supostamente apareceriam ateando fogo em matas, a Brigada afirmou que não teve acesso a tais vídeos. “Por desconhecer seu teor, a Brigada pode desenvolver duas hipóteses. Uma hipótese é de que as imagens sejam de treinamento de voluntários da Brigada, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes. A outra hipótese é de que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como ‘fogo contra fogo’ – realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios”.

A Brigada esclareceu também que “fez a devida declaração de doações no final do mês de setembro”, que “doações recebidas após esta data estão ainda sendo consolidadas em relatório e serão declaradas apropriadamente”, e que o valor destinado pela organização WWF-Brasil “trata-se não de uma doação, e sim de uma parceria firmada com o Instituto Aquífero Alter do Chão visando à aquisição de equipamentos para a Brigada”. A nota informou ainda que os documentos contábeis da organização “estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos” e que “quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas – e serão dirimidas a seu tempo – pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento”. Por fim a ONG esclarece, sobre os trechos de áudio de um brigadista voluntário vazados para a imprensa, que estes “estão sendo disseminados sem a devida contextualização”.

A ONG WWF-Brasil manifestou indignação com a ação da Polícia Civil em Alter do Chão e com a manutenção da prisão preventiva, e repudiou “os ataques a seus parceiros e as mentiras envolvendo o seu nome”. Segundo a ONG, a falta de clareza sobre as investigações, a falta de fundamento das alegações usadas e as dúvidas sobre o real embasamento jurídico dos procedimentos adotados pelas autoridades “são extremamente preocupantes do ponto de vista da democracia e configuram claramente medidas abusivas”. Para a Organização, o que se espera das diversas instâncias do governo é “coragem de resolver o problema das queimadas e da especulação imobiliária na região de Alter do Chão”.

Em publicações nas redes sociais, tanto o ministro da Educação, Abraham Weintraub, quanto do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, postaram sobre o ocorrido de forma pejorativa. “Tirem suas próprias conclusões”, tuitou Salles, se referindo a um print de um dos trechos do diálogo presente no inquérito.

Diálogos

Reportagem da Folha de São Paulo teve acesso a documentos que compõem o inquérito dos quatro brigadistas, como o registro dos grampos (interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça) e medidas cautelares que pediram a prisão preventiva. Segundo o inquérito, as interceptações indicavam que o grupo de brigadistas estaria se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão, buscando beneficiar financeiramente a ONGs. Trechos como “Quando vocês chegarem vai ter bastante fogo” ou “O que a gente quer é a imagem de vocês” basearam a interpretação da Polícia Civil no inquérito. Contudo, a reportagem conclui que a interpretação policial foi decisiva para alçar suspeita sobre os diálogos, e que as frases foram tiradas do contexto. Como exemplo, as palavras “doação” e “patrocínio” passam a ser entendidos como “vantagem financeira”, embora as conversas acessadas não discutam sobre desvios e sim sobre a preocupação dos brigadistas com o controle das notas fiscais emitidas nos postos de gasolina, por exemplo.

De acordo com a reportagem, a única infração penal citada na medida que pede a prisão preventiva, ainda em caráter provisório, é a de supostamente terem causado incêndios na região da Área de Preservação Ambiental (APA) de Alter do Chão, o que infringiria o artigo 40 da lei 9.605/98 causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação. No entanto, o único diálogo interceptado que alimenta a suspeita [veja abaixo] é comumente ouvido em conversas e entrevistas com moradores da região devido à sazonalidade dos incêndios que ocorrem anualmente, com pico cerca de dois meses após o pico de incêndios em outros estados amazônicos, como Acre, Amazonas e Rondônia. A estação de chuvas, consequentemente, também acontece na região cerca de dois meses após outros estados amazônicos.

Teor integral da conversa:

Mulher: Estou um pouco preocupada com o incêndio aí, né. Então…

Gustavo: Se você tiver um tempo, aí a gente pode conversar, estou por trás de tudo. Sou da Brigada Alter, a gente está com o Instituto Aquífero Alter, que fundou a brigada a um ano e meio atrás. E… pedindo apoio de todo mundo. A WWF está esperando uma resposta segunda-feira de um contrato de R$ 70 mil em equipamentos para a Brigada.

Mulher: Ah, que bom…

Gustavo: A vaquinha deu R$ 100 mil pra galera. Uma vaquinha nossa. Tá maravilhoso! Tá maravilhoso! A galera tá num momento pós-traumático, mas tudo bem.

Mulher: Que bom!

Gustavo: Quando vocês chegarem vai ter bastante fogo, na rota inclusive. Se preparem…o horizonte vai estar todo embaçado.

A reportagem conclui que, quando lidos na íntegra, os diálogos revelam apenas dúvidas dos integrantes do projeto sobre as contrapartidas ao patrocínio da WWF. As discussões ficam em torno do tempo três meses ou cinco anos em que a WWF poderá se vincular a imagens de divulgação da Brigada, já que a doação de equipamentos será usada nos próximos anos.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 2

  1. Adriano Lima diz:

    deixa o áudio rodar na rede e todo mundo faz o seu juízo de valor, estão bloqueando o compartilhamento do material no youtube


  2. Joselito diz:

    E passado um tempo todo mundo já esqueceu dos hackers de Araraquara pagos em rublos… É curioso como o governo joga marrom e colhe conspiração…