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Deputados de Rondônia aprovam nova mutilação de UCs no estado

Propostas aprovadas pela Assembleia Legislativa de Rondônia extinguem parque estadual e reduzem reserva, em corte total de 96.355 mil hectares de área protegida do estado, e vão para sanção do governador

Duda Menegassi ·
14 de julho de 2021 · 3 anos atrás

Na sessão da última terça-feira (06), a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou um novo corte nas unidades de conservação do estado. Dessa vez, o ataque foi orquestrado por dois projetos de lei complementar diferentes: um para revogar, por completo, a criação do Parque Estadual Ilha das Flores, com seus 89.789 mil hectares; e outro para reduzir em 6.566 hectares os limites da Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Limoeiro. Ambos os projetos miram o texto da Lei nº 1.089/2021, aprovada em maio deste ano, que desafetou cerca de 220 mil hectares de duas unidades de conservação – a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim – e para “compensar” criou outras cinco áreas protegidas, que somavam cerca de 120 mil hectares. Se os projetos aprovados pelos parlamentares forem sancionados pelo governador do estado, restarão apenas 23 mil hectares a serem implementados de novas áreas protegidas.

O Projeto de Lei Complementar nº 104/2021, que extingue por completo o Parque Estadual Ilha das Flores, é de autoria do deputado estadual Jean Oliveira (MDB-RO) e foi enviado à assembleia apenas cinco dias depois de sancionada a Lei nº 1.089/2021 que, dentre outras providências, criou o parque, no município de Alta Floresta D’Oeste, na porção sul do estado.

Em sua justificativa, o deputado aponta que “a medida revogatória torna-se necessária porque a população local não foi ouvida, tampouco fora feito qualquer espécie de estudo econômico-social a fim de verificar a viabilidade social da criação do mencionado parque. Nesse contexto, após a criação do parque, a população local que vivia da caça, da pesca e da agropecuária ficou desassistida e sem a principal fonte do sustento familiar”.

Já o PLC nº 105/2021, de autoria do Deputado Lebrão (MDB-RO), reduz em 6.566 hectares a área proposta para a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Limoeiro, no município de São Francisco do Guaporé, também ao sul do estado. O parlamentar argumenta que com a criação “muitas áreas produtivas foram reclassificadas como áreas de proteção, prejudicando pequenos produtores que lá residem há décadas e tiram seu sustento da referida área”. O deputado aponta que a diminuição corrige apenas “uma distorção feita na lei”, já que a área originalmente proposta para RDS era mesmo de 11.453 hectares, número que foi inflado através de emenda parlamentar para os atuais 18.020 hectares sancionados pela lei. A proposta de Lebrão também foi apresentada apenas cinco dias após a sanção da lei estadual que criou as UCs.

Ambas as propostas, discutidas em menos de 10 minutos durante a plenária, foram aprovadas em primeiro e segundo turnos, com votação favorável pela maioria dos parlamentares.

Ironicamente, a não realização de audiências públicas para ouvir as partes interessadas e a falta de estudos para embasar as alterações feitas com a Lei nº 1.089/2021, usadas agora como argumento para justificar as alterações a respeito das unidades de conservação (UCs) criadas, estavam entre os principais pontos de crítica e oposição à lei, enquanto ainda tramitava como PLC nº 080 na assembleia, com foco principalmente nas reduções arbitrárias que desafetaram 169 mil hectares da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e 50 mil hectares do Parque Estadual Guajará-Mirim, sem consultar as comunidades tradicionais e os povos indígenas diretamente afetados por essa alteração de limites, e beneficiando os invasores que se estabeleceram de forma ilegal nestas UCs.

Na época da sessão plenária, no dia 20 de abril, quando o então PLC nº 080 foi aprovado, às pressas e sem transparência em relação às emendas feitas ao texto, estas questões não pareciam incomodar nenhum dos dois deputados, que votaram favoráveis à aprovação do inteiro teor da lei que agora propõe mudar. O próprio Jean Oliveira discursou, na ocasião, em defesa da legitimidade do projeto e do “bom-senso do legislativo” em criar novas UCs para compensar a desafetação.

“Os ambientalistas precisam entender, que jamais uma área de pastagem voltará a ser uma área de floresta. É essa sensibilidade que nos levou a dar o parecer favorável, é saber que se retirarmos as pessoas de lá de cima, não se resolverá o problema ambiental. O que o Estado fez, foi adquirir uma forma de compensar isso tudo com a criação de outras unidades de conservação. Existem vários desentendimentos no meio desse projeto, nenhum deputado aqui é favorável à criação de unidade de conservação, mas infelizmente se faz necessária para compensar, para ter um equilíbrio. Eu quero aqui registrar a todos que nos assistem que não existe uma só norma vigente nesse país e nesse estado que obriga a criação de uma unidade de conservação para compensar outra, isso está sendo feito utilizando bom-senso para que a gente possa ter o equilíbrio, para que a gente possa dar a esperança daquelas pessoas que estão lá e ao mesmo tempo renovar a das futuras gerações criando outras áreas de preservação”, defendeu na plenária de abril, apenas 35 dias antes de apresentar a PLC nº 104/2021 para revogar a criação do Parque Estadual Ilha das Flores e uma dessas UCs criadas em nome do “bom-senso” e do “equilíbrio”.

Um terceiro projeto de lei complementar (PLC nº106/2021), de autoria do deputado Alex Redano (PRB-RO) foi aprovado pelos parlamentares na última terça-feira, também a respeito da Lei nº 1.089/2021, no artigo que dispõe sobre os limites do Parque Estadual Guajará-Mirim, mas a mudança foi feita apenas para corrigir um erro de redação no texto original.

Todos os três PLC estão agora na mesa do governador, o coronel Marcos Rocha (PSL), para sanção ou veto. A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) ainda não se manifestou sobre os processos.

Inconstitucionalidade

Independente dos parlamentares e suas súbitas reavaliações sobre normas legislativas aprovadas por eles próprios, está em curso uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), protocolada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia (MPE-RO), contra a Lei Estadual nº 1.089/2021. A ação tramita no Tribunal de Justiça de Rondônia e aguarda julgamento. A ADI não questiona os artigos sobre as criações das cinco UCs, apenas as desafetações.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    Bando de canalhas, enrustidos de poder e conhecimento. Bagaçada.

    Gente ruim.