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Os recursos hídricos e as florestas públicas não são mais regidos pelo Ibama. Está na hora de conceder a mesma independência institucional às unidades de conservação

3 de agosto de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Foto: Gino Crescoli/Pixabay

Minha proposta agora, tendo em vista o momento político, é a criação de um Instituto para abrigar os Parques Nacionais e demais unidades de conservação. Vou apresentar meus argumentos nesta matéria. Falo “minha proposta”, pois creio que não tenho adeptos a esta idéia, ou se os tenho, são poucos, ou não têm a necessária vontade de começar uma luta por isso. Talvez porque não acreditem que só isso vá mudar a precária situação de nossas áreas protegidas, abandonadas à própria sorte. Luto por isso há décadas e me sinto também abandonada. É difícil mudar. Todo mundo teme mudanças, até de casas e endereços. Muitas vezes as mudanças são para pior, mas eu não acredito que este seja o caso.

Como era

O IBAMA foi criado em 1989 unindo os ex Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendência da Pesca (SUDEPE), que estavam com o Ministério da Agricultura, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), que pertenceu eminentemente ao Ministério do Interior, e a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), um órgão de menor estatura. Todos nós ambientalistas gostamos, àquela época desse casamento, pois ainda não existia o Ministério do Meio Ambiente. Mas foi um casamento que não deu certo, devido principalmente às heranças de culturas distintas e ao corporativismo das instituições pregressas. Mas isto é outra longa história, na qual não vou me deter agora.

O IBAMA foi um órgão que se notabilizou, nos seus primeiros passos, pela fiscalização e foi muito bem aceito pela sociedade em geral. Seu nome pegou. Então, surgiu finalmente o Ministério do Meio Ambiente, no começo como uma Secretaria Especial. Foi até esdrúxulo, pois havia o Ministério, fraco, com orçamento risível e só um órgão executor a ele subordinado: o IBAMA, com enormes atribuições e poderes e com um orçamento comparativo, muitíssimo mais expressivo. Assim, na verdade e na prática, o IBAMA dominava o pedaço, com 7 mil funcionários e arrecadação própria, por ser uma autarquia de administração indireta. Tudo da área ambiental estava com o IBAMA: planejamento, licenciamento, fiscalização, unidades de conservação, florestas, pesca, controle ambiental, fauna silvestre, a maioria dos recursos marinhos, parte de pesquisas, principalmente de fauna silvestre, proteção de recursos hídricos, etc. e tal…

Como está

Com o passar dos anos e eminentemente neste governo, o IBAMA foi perdendo a pesca, pesquisas, parte do planejamento, os recursos hídricos e finalmente a gestão das florestas públicas. Perdeu também parte da execução de suas tarefas que foram repassadas para o próprio Ministério do Meio Ambiente. A ANA foi criada e o Serviço Florestal, ambos sob a égide do Ministério do Meio Ambiente, que foi ganhando mais status, felizmente. Infelizmente, a pesca, quase como um todo, foi para o Ministério da Agricultura. Claro está que a piscicultura deve estar com a Agricultura, bem como o plantio de florestas exóticas ou silvicultura, mas a proteção e a normalização dos recursos pesqueiros deveria ser obra somente da área ambiental. O que sobrou no IBAMA desmantelado, foi: fiscalização, controle ambiental e unidades de conservação.

“O sistema nacional de unidades de conservação é a espinha dorsal para a proteção de nossa biodiversidade, bem como para a obtenção dos serviços ambientais de que tanto o homem depende.”

Acontece que as unidades de conservação que atingem já 80 milhões de hectares, ou seja, cerca de 9% de nossa extensão territorial, deve ser o maior patrimônio latifundiário do Brasil. O sistema nacional de unidades de conservação é a espinha dorsal para a proteção de nossa biodiversidade, bem como para a obtenção dos serviços ambientais de que tanto o homem depende. Os recursos passaram de cerca de 20 milhões de dólares anuais, na última década, para quase nada na atualidade. Implantar os Parques Nacionais e demais áreas protegidas existentes é factível em médio prazo. Primeiramente porque as unidades de conservação brasileiras, como as de outros países, podem gerar benefícios econômicos tangíveis que superariam os investimentos nelas necessários (turismo, esporte, recreação, serviços ambientais, em especial água, para usos urbanos, etc.). Também, porque existem recursos disponíveis de várias fontes como os da compensação ambiental (0,5 % exigido de todas grandes obras que causam impacto ambiental expressivo), o ICMS Ecológico, as doações internacionais principalmente para o ARPA e do setor privado e os empréstimos internacionais. A própria renda dos Parques Nacionais, se bem manejados, poderia tirar as unidades de conservação de sua desastrosa situação atual.

Em vários artigos anteriores eu já disse do escasso número de funcionários e da falta de treinamento e capacitação dos mesmos. Já disse ainda dos parcos recursos financeiros disponíveis, que vêm diminuindo ano a ano, embora a extensão venha aumentando, com o estabelecimento de novas unidades de conservação de forma bem expressiva, o que é bom. O ruim é criar áreas protegidas e deixá-las sem qualquer prioridade política em termos de manejo e implantação.

O futuro

O que fazer para mudar a situação não é muito difícil, nem tampouco impossível. A ANA foi criada para cuidar dos recursos hídricos e o Serviço Florestal para cuidar das florestas públicas, assim nada mais justo que se crie um instituto para cuidar de nada menos de 80 milhões, também, a exemplo dos outros dois, subordinado ao Ministério de Meio Ambiente.

Como fazer para que esse instituto funcione e tenha os recursos disponíveis para sua gestão? Aí vão algumas idéias:

  • Garantir a autonomia da gestão do sistema nacional e de cada unidade de conservação. Para esse fim criar o Instituto Nacional de Parques Nacionais e demais Áreas Protegidas ou entidade equivalente, vinculada ao setor ambiental, com participação efetiva do Setor de Turismo e da sociedade civil.
  • Diminuir e adequar normas, muitas delas excessivamente burocráticas, que até o presente têm inviabilizado uma gestão adequada do sistema.
  • Dotar a gestão do sistema com recursos compatíveis ao gigantismo da tarefa. O sistema federal tem somente 2 milhões de reais para a administração de todas as áreas protegidas de uso indireto até o final do ano 2006, ao mesmo tempo em que o MMA libera 3 milhões de reais para ONGs de chapa branca para executarem trabalhos bem menos importantes para a área ambiental.
  • O sistema necessita de mais recursos humanos no campo (há um funcionário para 100 mil hectares), sendo este um dos índices mais baixos do mundo. Tão importante quanto colocar mais funcionários no campo é capacitá-los para as funções de gerenciamento das unidades de conservação.
  • Impulsionar a execução do ARPA. O ARPA foi concebido com doações vultosas para implantar alguns Parques Nacionais existentes e criar novos nas áreas já detectadas na Amazônia brasileira como prioritárias, através de critérios científicos. O governo atual desviou muito dos recursos doados para as áreas de uso direto como as Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Reservas de Desenvolvimento Sustentável. Não obstante ao fato que tais áreas merecem atenção governamental, merecem ainda mais aquelas para os quais o Programa fora criado para se salvar amostras daquele enorme e importante bioma, quer seja para benefício ambiental, social ou econômico.
  • Regularizar as áreas estabelecidas ou decretadas como unidades de conservação no que diz respeito ao aspecto fundiário. Este tem sido o maior desafio dos governos para poder manejar o sistema de áreas protegidas de uso indireto, pois 50% das terras das mesmas ainda se encontram em mãos de particulares, quando têm de pertencer ao Poder Público.
  • Estabelecimento de um programa de médio prazo para solucionar a questão fundiária das unidades de conservação, incluindo definição de mecanismos alternativos para a solução do problema, como a possibilidade de quitação de débitos com o INSS entregando terras situadas nessas áreas ao Governo; a desoneração do imposto de ganhos de capital para as operações de compra e venda de terras para as unidades de conservação de proteção integral.
  • Facilitar e estimular o estabelecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural ( RPPN), que vêm sendo um sucesso no Brasil, mas que nos últimos anos, devido à burocracia do governo atual, se desacelerou significativamente. Esta ajuda do setor privado para a preservação da biodiversidade deve ser mais e melhor apoiada pelos órgãos governamentais e não burocraticamente travada como ocorre hoje.
  • Facilitar as pesquisas necessárias para o avanço da ciência no Brasil e para o adequado manejo dos recursos naturais, dentro das unidades de conservação do sistema federal. Os pesquisadores vêm encontrando uma enorme dificuldade em obter as autorizações de pesquisas pela má interpretação da legislação de biopirataria. O receio de biopirataria não pode ser motivo para não se pesquisar dentro das áreas protegidas. Ninguém pode manejar bem sem conhecer cientificamente os ecossistemas protegidos por lei.
  • Acabar com o mecanismo espúrio da dupla afetação em Parques Nacionais e áreas indígenas inventado pelo governo atual e que além de ilegal é impraticável por ter finalidades antagônicas.
  • Deter e reverter a onda de diminuir ou mudar de categoria as unidades de conservação para resolver problemas criados pela falta de implantação das unidades de conservação.
  • Estabelecer novas unidades de conservação de uso indireto onde seja realmente fundamental e cuja indicação siga parâmetros científicos. Parar com a onda de criar por criar, pois esta atitude diminui as possibilidades de se bem gerenciar um sistema nacional de áreas protegidas que realmente beneficie a biodiversidade e ao homem.
  • Enxugamento da máquina do Ministério do Meio Ambiente, com a redução de estruturas que são mais bem atendidas pelos órgãos executores da pasta. Voltar o MMA ao papel de coordenador de política ambiental, ao invés de órgão executor.

Conclusão

Não sei se vou conseguir trazer alguns defensores para esta idéia, mas meu dever como conservacionista há quarenta anos, é pelo menos dizer o que penso da situação dos nossos Parques Nacionais e demais áreas protegidas e como tentar resolver os graves problemas que o sistema enfrenta, com algumas sugestões. Oxalá os atuais candidatos à Presidência e aos governos estaduais possam atuar no futuro para que realmente se proteja a nossa biodiversidade na prática e não apenas nos discursos demagógicos.

*Editado às 18h23, do dia 10/02/2021, para melhoria da diagramação e recorte de fotografias. O texto não foi alterado.

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