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Verde Para Sempre até quando?

Um ano e meio depois de criada, a reserva extrativista Verde Para Sempre produz no Pará, segundo o Imazon, os mesmos índices de desmatamento que havia na região antes de 2004.

9 de agosto de 2006 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Saiu a primeira safra de resultados da Reserva Extrativista Verde Para Sempre, criada no Pará em novembro de 2004 para evitar o saque das madeireiras clandestinas, como disse na ocasião Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros. Ela foi colhida em imagens de satélite pelo Imazon. Ou seja: o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que está lá para escorar em pesquisas científicas o uso sensato de seus recursos naturais. Logo, não é coisa de ecochato para consumo de paranóico. Mas informa que, nesse ano e meio de existência, a Verde Para Sempre tirou de suas terras muita árvore. Ela produziu 31,4 quilômetros quadrados de desmatamento em 2005. Tem tudo para superar essa marca em 2006, porque fechou o primeiro semestre com 18,3 quilômetros quadrados de clareiras e é no segundo semestre, o da estiagem, que a motosserra costuma roncar mais alto na Floresta Amazônica.

Feitas as contas, a reserva até agora jogou para empate. Somando o que se cortou lá dentro com o que caiu a seu redor, nos 10 quilômetros da faixa de amortecimento que ela também deveria proteger, a derrubada na Verde Para Sempre sobe a 118,4 quilômetros quadrados. São pouco mais do que os 114,9 quilômetros quadrados que em 2004 pareciam inaceitáveis, quando serviram para acelerar a campanha que tentava criá-la havia quase 20 anos. Este ano, até agora, a soma dá 71,77 quilômetros quadrados. Se isso é um sinal do que ela tem pela frente nos próximos meses, o número pode chegar a dezembro como um novo recorde. Senão, continuará tudo mais ou menos como antes nesse filé madeireiro da Terra do Meio paraense.

Pegadas antrópicas

Em outras palavras, as de Paulo Amaral, um pesquisador do Imazon que seguiu essas “pegadas antrópicas” na selva, por enquanto “nada mudou” na reserva. Diminuíram, de um lado, os focos de incêndio, de 168 em 2004, em plena corrida para arrancar a floresta dali o mais depressa possível, enquanto o governo ruminava seus projetos de regularização fundiária.No ano passado, registraram-se 66 focos. Mas recrudesceu, do outro lado, a abertura de estradas clandestinas, que no ano passado rasgaram mais 160,8 quilômetros da região. Contra 76,8 quilômetros em 2004, distância que 2006 praticamente alcançou em apenas seis meses, com 71,4 quilômetros abertos de janeiro para cá. Essas estradas informais, que o Imazon mapeia e o governo ignora, ambos sistematicamente, traçam as rotas da pirataria ambiental na Amazônia. Onde elas chegam, o estrago geralmente veio para ficar. E onde o estrago está, mais cedo ou mais tarde o conflito se reinstala.

A menos, é claro, que haja fiscais para controlar o tudo que transita por esses caminhos construídos no peito, longe dos olhos de qualquer esfera de governo. Mas a Verde Para Sempre, com quase um milhão e trezentos mil hectares aos cuidados de uma população vagamente orçada em 2.500 famílias, tem um único funcionário do Ibama para responder por sua fiscalização. A do Cajari, no Amapá, também. O resto, por enquanto, está mais ou menos entregue à matroca. Ou aos próprios moradores, submetidos pela ausência das autoridades a um teste perigoso e ameaçando a lenda de que o uso tradicional preserva a natureza.

As reservas extrativistas são o modelo de conservação predileto da ministra Marina Silva. Multiplicaram-se nos últimos quatro anos mais depressa do que a capacidade do Ministério do Meio Ambiente para implementá-las. Irromperam no repertório oficial das unidades de conservação no começo da década de 90, com a morte do líder seringueiro Chico Mendes. Já são 46. Só na Amazônia há 38. Há mais 22 na fila do decreto. Treze surgiram nos anos 90. Trinta e três no século 21. Só o governo Lula criou 22. Na pressa, é inevitável que os detalhes de funcionamento acabem ficando para trás. Estendem-se por nove milhões de hectares. E nenhuma delas tem plano de manejo, como exige a lei. Aparentemente, os ambientalistas de Brasília acreditam “realmente que a preparação de pomposos planos para as unidades de conservação é suficiente para manejá-las”, escreveu recentemente neste site a ex-presidente do Ibama Maria Tereza Pádua, do alto dos oito milhões de hectares conservados em seu currículo. Não admira que, vista de perto, mesmo quando esse perto é o sensor de um satélite na órbita terrestre, uma reserva extrativista se revele extrativista demais para ser propriamente uma reserva. E deixa no ar um perigo. Até novembro, o Imazon fará o balanço ambiental de todas as reservas extrativistas da Amazônia.

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