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São Tomé

A história do arquipélago de São Tomé e Príncipe pode nos ensinar muito sobre políticas ambientais no Brasil. A estratégia do governo para coibir o desmatamento está equivocada.

26 de fevereiro de 2008 · 16 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Comecei a escrever este artigo durante minha segunda viagem a São Tomé e Príncipe. É um belo país, com uma capital com casario que lembra partes de Ilhéus, gente hospitaleira e simpática, florestas que lembram a Mata Atlântica, águas azuis onde jubartes e marlins saltam, praias onde tartarugas de couro nidificam, snorkeling melhor que em Noronha e uma culinária interessante onde sobressaem o complicado “calulu” e pratos com frutos do mar.

A São Tomé e Príncipe de hoje é resultado de um experimento social que poderia ser similar a transplantar o sul da Bahia para o meio do oceano e deixá-lo 15 anos sob o governo da direção da UNE de 1964 ou dos alunos de Marilena “Quando Lula Fala o Mundo se Ilumina” Chauí. E um exemplo interessante de como a cultura influencia a biodiversidade.

São Tomé e Príncipe é o menor país africano, com 145 mil habitantes em duas ilhas principais (uns 5 mil em Príncipe, o restante em São Tomé) As ilhas nunca foram parte do continente, a cerca de 220 km de distância. Com altitudes superiores a 2.000 (São Tomé) e 950 m (Príncipe) e originalmente cobertas por florestas com espécies afins das montanhas da África, a biota do país tem uma dominância de espécies endêmicas que justifica o título de Galápagos da África. De especial interesse são 28 espécies de aves endêmicas, algumas das quais permaneceram “perdidas” por mais de um século. Cerca de 1/3 do país é protegido pelo Parque Natural Obô, com situação fundiária resolvida, mas ainda com um longo caminho para sua implantação.

Os portugueses descobriram as ilhas, até então desabitadas, em 1470. Rapidamente foram ocupadas com o objetivo de implantar canaviais (sempre eles), importando-se colonos lusos, incluindo crianças abduzidas das famílias (o preço pago por judeus expulsos da Espanha dos Reis Católicos em 1492) e escravos africanos. Os canaviais rapidamente ocuparam as terras planas junto à costa, e a experiência em São Tomé foi depois aplicada na implantação da cultura da cana no Brasil. Em 1529 São Tomé era o maior produtor de açúcar do mundo.

Há muitas ligações históricas entre STP e o Brasil, além do açúcar, e também semelhanças culturais com partes de nosso país. Os holandeses ocuparam as ilhas antes de partirem para a conquista da antiga capitania de Pernambuco. Algumas aves retratadas pelos naturalistas de Nassau são originárias das ilhas, e sua obra preenche uma lacuna importante. Porque os portugueses, caracteristicamente, não se interessaram pela história natural das ilhas, que só começou a ser estudada no fim do século XIX. É provável que muitas espécies tenham desaparecido naqueles 500 anos de exploração sem nunca terem sido descritas cientificamente. Além disso, parte importante da elite local veio da Bahia nos séculos XVIII-XIX.

Os holandeses foram expulsos de STP pelas epidemias. Doenças trazidas da África, como a malária, febre amarela e doença do sono, tornaram o lugar insalubre para os europeus, os africanos sendo mais resistentes às doenças com as quais co-evoluíram. A alta mortalidade dos colonos europeus levou a Coroa portuguesa a ativamente criar uma elite negra livre. Seus descendentes, os “forros”, mostraram-se altamente refratários a qualquer ocupação que lembrasse o passado escravo.

Com a competição do Caribe e do Brasil a cultura da cana entrou em declínio em STP, as ilhas passando a servir de entreposto para abastecer navios negreiros cruzando o Atlântico. Foi só em 1822 que José Ferreira Gomes, marquês, baiano, mulato, dono de navios negreiros, trouxe as primeiras mudas de cacau. O resultado foi tão promissor que a cultura rapidamente se expandiu, junto com o café. Praticamente todas as florestas das ilhas se tornaram plantações de cacau sombreado (nossas cabrucas) até cerca de 1.000 m, e de café sombreado até 1.200 m. Apenas em áreas remotas sobraram matas abaixo de 800 m de altitude. De 1908 a 1919, São Tomé e Príncipe foi o maior produtor de cacau do mundo.

A cultura do cacau implantou uma incrível infra-estrutura de pequenas ferrovias e portos para escoar a produção, obras de engenharia incríveis no terreno montanhoso. Grandes fazendas (localmente chamadas “roças”) com casas senhoriais e vilas de trabalhadores dividiram as ilhas entre si. Em meio a um luxo familiar de quem conheceu a Bahia de Gabriela e Nacib, as condições de trabalho eram tão ruins que um chocolatier inglês promoveu o boicote do cacau local pelos compradores europeus. Naquela época a pressão de mercados conscientes já levava à mudança social, beneficiou os cacauicultores das colônias britânicas (there is no free lunch) e levou as roças a se modernizaram, construindo hospitais e escolas. Mas o preço dos custos adicionais foi à falência de muitas e a maior concentração de terras por causa da economia de escala.

Um problema crônico sempre foi a falta de mão de obra, mas não por falta de pessoal. Os forros tradicionalmente se recusavam a trabalhar nas roças, visto como trabalho de escravos, obrigando a importação de trabalhadores de Angola, Cabo Verde e Moçambique.

Com o fim da ditadura de Salazar, Portugal rapidamente deu a independência a suas colônias africanas, que passaram a se dedicar a guerras civis. São Tomé, independente em 1975, foi uma exceção, mas como boa parte da África optou pelo regime socialista de partido único. As roças, e tudo o mais, foram nacionalizadas e negociantes portugueses expropriados. O governo acabou com 92% das terras, o resto sendo de pequenos proprietários forros. Assim, um admirável mundo novo estava diante daqueles jovens que, depois de anos na clandestinidade da militância política, subitamente se viram dirigentes de um país e seguiram a cartilha política então na moda.

Outros já analisaram admiravelmente a história moderna de São Tomé e Príncipe e sua política, que tem ecos muito similares ao que vemos no Brasil. E como a fase socialista, embora tenha reduzido o analfabetismo de 70% para 30% (hoje é de cerca de 17%) e tornado alguns serviços universais, também ajudou no declínio da economia e, por fim, dos indicadores sociais. O triste é que mesmo a redemocratização não tem ajudado STP a deixar de ser um dos países mais pobres da África, dependente de ajuda externa. Aqui irei me ater à interface ambiental.

Com a estatização das roças, o inchaço da máquina e o gerenciamento com base em critérios políticos (soa familiar ?) as levou à ruína. Junto com a cultura local refratária ao trabalho nas plantações. A este sempre se preferiu atividades individuais, como a agricultura de subsistência e a produção de aguardente que, se por um lado punham comida na mesa, por outro, não traziam divisas ao país. Quando, nas décadas de 1980-90, se adicionou uma seca, a queda dos preços do cacau (que trouxe ruína à nossa Bahia) e o colapso soviético, São Tomé rapidamente viu sua economia ir para o saco e ter que apelar para o FMI.

O resultado do colapso econômico das roças foi seu abandono. Hoje, pouco mais de 30 anos após a independência, as ruínas de casas senhoriais, alojamentos de trabalhadores, caminhos de ferro e terraços de secagem podem ser encontrados em meio às cabrucas que estão se tornando floresta. E o processo continua. Durante minha estadia notei um aumento nos preços dos alimentos e a imprensa falava em crise agrícola, uma das razões sendo o abandono de 50% das terras distribuídas durante a reforma agrária local e, segundo autoridades entrevistadas, a pouca disposição de muitos para o trabalho agrícola e o alto custo de insumos.

Como resultado, estima-se que São Tomé tenha mais floresta em 2008 do que em 1975.

São Tomé faz meditar sobre como “maiores do mundo” no agronegócio podem empobrecer rapidamente. E é mais um exemplo de que declínio econômico e abandono de áreas por populações humanas pode resultar no retorno das florestas. É um fato bastante óbvio, mas ignorado quando se trata de planejamento territorial aqui no Brasil.

É bem conhecido que o despovoamento resultante de acidentes nucleares (Chernobyl), conflitos (a Zona Desmilitarizada da Coréia, as Montanhas Cardamon) e a instalação de bases militares (como a fantástica área da Aeronáutica na Serra do Cachimbo) pode resultar (enquanto a paz não volta) no que a imprensa chama de “paraísos ecológicos”. Ou pelo menos áreas onde a fauna e flora vão muito melhor do que com pessoas na área fazendo o de sempre. A versão econômica do fenômeno também é bem conhecida.

O retorno das florestas associada ao declínio econômico e emigração é bem conhecido em locais como o leste do USA do início do século XX, e no Yucatan durante o colapso maia do século IX. Exemplos também podem ser observados no Vale do Ribeira, onde o esgotamento da mineração de ouro já no século XVIII levou ao despovoamento do que era uma região muito ocupada, e que se tornou a maior área contínua de Mata Atlântica. No litoral norte de São Paulo o declínio resultante da modernização do porto de Santos, no início do século XX, causou o abandono das fazendas de cana e café em Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela, áreas hoje ocupadas por florestas – ainda em regeneração – e parques estaduais. Menos pessoas na zona rural = mais floresta.

O poder de incentivos econômicos negativos – desincentivos – como ferramenta para dirigir o uso do espaço, e conservar ambientes naturais, tem sido subestimado e casos como São Tomé e o Vale do Ribeira poderiam gerar algumas idéias sobre como controlar ocupações destrutivas, irracionais e predatórias, como a que promovemos na Amazônia, onde “só” 11 mil km2 de desmatamento anual (c. 1/3 da área de Taiwan, que tem 22 milhões de habitantes, quase o mesmo que a Amazônia brasileira) é visto como vitória. Pelo contrário, em geral só se cogitam incentivos positivos para manter as pessoas em locais onde seria melhor que não estivessem.

Bola da vez são as variações da estratégia costa-riquenha de pagar para que proprietários conservem as florestas de suas áreas. Coisas como o bolsa-floresta do governo do Amazonas. Confesso que sou muito desconfiado disso, porque vejo futuros alternativos com “movimentos sociais” dando ultimatos do tipo “paguem mais ou queimo tudo”.

Por outro lado, a chave talvez seja um mix de manejo cultural e econômico. Fundamental para o retorno das florestas em São Tomé foi a cultura local avessa ao trabalho nas roças de cacau. Em El Salvador, clássico exemplo de país drasticamente desmatado, um dos fatores que têm resultado na expansão das florestas são as remessas de dinheiro de expatriados, o que permite que seus parentes larguem a enxada e se dediquem a atividades econômicas mais rentáveis, ou pelo menos ralem menos. A questão é até quando isso se sustentará.

Um olhar com mais cuidado na experiência costa-riquenha é interessante. Arturo Sánchez-Azofeifa e colegas compararam a taxa de desmatamento em áreas onde proprietários recebiam o Pago por Servicios Ecosistemicos (PSA) com áreas onde o pagamento não ocorria, avaliando a eficiência da primeira etapa (1997-2000) do PSA. O interessante resultado é que o desmatamento não foi significativamente menor nas áreas que recebiam pagamento, e que os fatores determinantes foram políticas adotadas anteriormente, como a legislação de 1997, que restringiu o corte de florestas, e a criação de parques nacionais e outras reservas de verdade.

Existir um governo faz uma tremenda diferença. Perguntem para o pessoal do IBAMA que está lá no mato dando a cara a bater enquanto o MMA contrata consultores para espalhar a mensagem criacionista. Também é de se perguntar como a efetividade de um projeto destes variaria entre regiões do Brasil com diferentes substratos culturais.

Cultura à parte, não oferecer incentivos, de estradas (BR 319, 163, etc) a dinheiro vivo (via PRONAF, FNO, BB, BASA, etc), que tornam atividades destrutivas economicamente viáveis teria um impacto muito maior sobre as taxas de desmatamento do que centenas de operações da PF, ou projetos politicamente corretos, dispendiosos e inerentemente furados como entregar territórios a “populações tradicionais” (exceção feita a alguns grupos indígenas que, por enquanto, parecem não fazer o que os Pataxós fizeram ao Monte Pascoal).

O desmatamento na Amazônia e no Cerrado depende muito mais da Bolsa de Chicago, do apetite chinês por carne e do crédito disponibilizado via BB, FNO, etc, do que daquilo que é isoladamente decidido pelo MMA. É fato que bilhões de reais pagos por contribuintes de outras partes do país têm sido canalizados para financiar atividades destrutivas, especialmente uma pecuária amazônica caracterizada por pastos enormes com poucos bois.

Na região Norte, o crédito oficial e as terras baratas, quando não griladas, e desmatadas não raro com uso de trabalho escravo possibilitaram que 96% do crescimento do rebanho nacional entre 2003 e 2006 ocorresse na região. Nossa ex-floresta banca 1/3 das exportações brasileiras de carne, que queremos aumentar, segundo nossa crônica vocação de exportadores de commodities baratos que geram pouco emprego, ocupam muita terra e enriquecem pouca gente.

A continuidade do subsídio oficial ao desmatamento associado à pecuária é indefensável, assim como o Governo Federal continuar se recusando a assumir o controle de terras que são públicas, nem que seja usando o Exército, como sugere Blairo Maggi, e continuar promovendo assentamentos na região.

Os recursos dos subsídios para destruição seriam mais sabiamente utilizados em atividades com melhor relação emprego e renda gerados por área desmatada. Coisas como culturas perenes em áreas já desmatadas ou, melhor ainda, indústrias de alta tecnologia, como em Manaus. Praticamente a única iniciativa na região que pode ser chamada de sucesso.

Com algumas décadas de atraso, o governo federal ensaia condicionar o uso de financiamentos à obediência da lei e penalizar a cadeia produtiva baseada em produtos de áreas desmatadas ilegalmente. Meus aplausos, e votos que haja coragem de levar esta iniciativa até o fim, já que a pressão política (por aqui políticos e legalidade são antagônicos) contrária é intensa. ISSO (e mais um ou dois surtos de aftosa) pode controlar o desmatamento.

Desmatamento zero é de nosso maior interesse. Nosso tamanho é a única razão pela qual o Brasil, país sem prêmio Nobel, é relevante no contexto internacional. Ele se traduz na maior floresta tropical do mundo, algumas montanhas de ferro, e a capacidade de inundar o mercado de grãos, etanol e carne a preço de banana. Produtos vindos de regiões onde 20% ou mais das chuvas dependem da umidade transpirada pela floresta amazônica. Desmatar para plantar, pasto ou soja, é um tiro no próprio pé.

Além disso, a Amazônia é uma sucessão de histórias de boom-colapso que só têm gerado mais pobreza e concentração de renda – nas mãos dos políticos e corruptos de sempre – em troca de destruição ambiental. Trocar floresta pelos Buriticupu, Novo Progresso ou Castelos dos Sonhos da vida (para me ater a lugares que conheço) é desenvolvimento? Para quem?

Seria melhor para a maioria se passássemos direto para o colapso e mantivéssemos a floresta em pé.

Há poucos meses o presidente da Guyana, Bharrat Jagdeo, país pobre e com o bolivariano louco morando ao lado, viu que oferecer sua área de floresta para tutela britânica em troca de ajuda econômica (e proteção) seria uma boa saída. Espero que a idéia vingue e cria um novo paradigma, apesar dos nossos fósseis adeptos do detonar para não entregar.

Temos nos comportado com nossa herança natural como os talebans com os Budas de Bamiyan e a liberdade feminina e, tietagem da imprensa gringa com Marina Silva à parte, somos vistos por aí da mesma forma que a França caso queimasse o Louvre. História, arte e natureza são herança comum de todo a humanidade, presente e futura, não apenas de um Estado ou tribo que calhe de estar ali neste momento histórico.

Acredito que o Brasil poderia seguir a idéia de nossos vizinhos, já que não estamos nos acanhando em entregar nossas florestas a madeireiros privados, repetindo estratégia que se mostrou furada em outros países.

O que é de interesse público (como a água que cai como chuva em Brasília e São Paulo, e o dinheiro do contribuinte gasto em subsídios) seria melhor contemplado cedendo áreas de concessão florestal para gestão por entidades idôneas, nacionais ou multinacionais, que trabalhem com desmatamento evitado, do que a um madeireiro que deva fazer suas doações de campanha. Um projeto nesta área está sendo implantado em Sumatra e iniciativas similares poderiam estar em curso no Brasil se o governo estabelecer regras claras para a aplicação de recursos externos em desmatamento evitado. Há interessados. Será que dá para agilizar ?

As áreas naturais mais bem protegidas no Brasil são aquelas nas mãos das Forças Armadas, como a Serra do Cachimbo e a Marambaia, e por mim toda UC problemática (como a Terra do Meio) teria um destacamento militar. Mais que isso, os acordos de concessão de áreas para desmatamento evitado poderiam contemplar recursos para que as Forças Armadas sejam responsáveis pela segurança das áreas, explodindo grileiros, madeireiros e outros malfeitores que surjam, e garantindo que o patrimônio nacional continue público – de todos nós e de gerações futuras mais sábias -, e não privado.

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