Análises

Os fantasmas dos Roosevelt III

Em 2015, visitamos a região, mas sem passar pelo sufoco que a expedição de Roosevelt passou. Meu objetivo era comparar o que vimos com o que foi descrito no passado

George Schaller ·
24 de maio de 2020 · 4 anos atrás
Da esquerda para a direita: George Schaller, Peter Crawshaw e Ana Rafaela D’Amico, em expedição no rio Roosevelt, em 2015. Foto: Arquivo Pessoal.

Em 25 de agosto de 2015, meu amigo e colega brasileiro Peter Crawshaw e eu voamos de São Paulo para Brasília e de lá, para Porto Velho, a capital do estado de Rondônia, localizada na margem do rio Madeira. Fomos recebidos por Ana Rafaela D’Amico, uma vibrante mulher com pouco mais de trinta anos. Ela havia sido diretora do Parque Nacional Campos Amazônicos por 10 anos, tendo recentemente transferido essa posição para seu colega do ICMBio, Bruno Cambraia, que também foi nos receber. Ela nos contou que entrara em licença para fazer seu mestrado.

O Parque foi criado em 2006, ao longo do Rio Roosevelt, sob a jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o órgão federal responsável pelas áreas protegidas do Brasil. O parque tem 9,615 km2, dos quais cerca de 60% (5,769 km2 ) é de floresta e o restante é de cerrado. O parque ocupa parte de três estados, Amazonas, Rondônia, e Mato Grosso. A criação do parque certamente teria deixado Teddy Roosevelt muito feliz.

Porto Velho havia sido o ponto final dos 800 km da linha de telégrafo construída da cidade de Cuiabá até o rio Madeira. Inaugurada em 1915, ela mal chegou a funcionar: às vezes eram necessários dias para transmitir um telegrama. Naquele tempo, a invenção da comunicação sem fio ou por ondas de rádio instantaneamente transformou os muitos anos de trabalho de Rondon em um dinossauro tecnológico. Mesmo assim, a linha continuou a operar até o final da década de 1930, seus funcionários ocupando estações remotas para “morrer mortes lentas, enfraquecidos por doenças, fome, e solidão,” como reportado por um visitante. Uma estrada finalmente marcou o traçado da linha do telégrafo e promoveu o estabelecimento de cidades como Vilhena e Ariquemes. Quando Rondon faleceu em 1958, com a idade de 92 anos, ele deixou um legado importante e diversificado, descrito recentemente no livro “Stringing Together a Nation”, por Todd  Diacon, publicado em 2004.

Expedição Roosevelt-Rondon pelo rio da Dúvida, em 1914. Foto: Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Às 7h20 da manhã depois de nossa chegada, saímos para o Parque Nacional Campos Amazônicos. Dois funcionários do parque, Leandro e Antônio, vão em uma das camionetes levando um reboque com um barco de alumínio e equipamento, e Ana Rafaela dirige outra camionete, levando Peter e eu. Atravessamos uma ponte sobre o rio Madeira, nesse ponto com cerca de um quilômetro de largura, para a sua margem oeste. Indo para o norte, passamos por casas com telhados de zinco, pastagens e pequenas lavouras com a terra arada. O governo cede gratuitamente a colonos 100 ha, com a condição de eles morarem na terra. Um subsídio adicional estimula a ocupação, mas muitos desistem e mudam para a cidade, na esperança de fugir da pobreza. Na movimentada cidade de Humaitá, tomamos uma balsa que nos leva de volta à margem leste do Madeira, cruzando para o estado do Amazonas, e a viagem continua por uma estrada de terra, com muita poeira. No meio do dia paramos em um restaurante solitário, na beira de um rio pequeno, e comemos um almoço de macarrão com peixe frito. Próximo dali há um acampamento de índios Pirahã, uma tribo nômade. Diversas crianças usando apenas um colar de sementes vêm nos observar. Continuando para o leste nesse trecho da Rodovia Transamazônica, atravessamos uma área com grandes fazendas e muito gado zebu. Às 15h30, chegamos em Santo Antônio do Matupi, uma pequena vila com muitos bares e restaurantes ao longo da única rua principal. Nos hospedamos na Pousada Amazônia, com quartos com ar-condicionado.

Logo depois de continuar a viagem na manhã seguinte, viramos para o sul em uma estrada secundária. De ambos os lados da estrada, quilômetros de restos de troncos queimados com apenas algumas moitas de palmeiras vivas e umas raras castanheiras. Como é costumeiro na Amazônia, a floresta é normalmente explorada seletivamente pelas melhores madeiras e depois queimada por diversos anos para a abertura de pastagens. Em alguns casos, nesse estágio é também usada para o plantio de soja. Finalmente entramos em floresta novamente. Uma cutia atravessa apressada a estrada e um mutum de bico laranja caminha na borda da mata. Depois de cerca de 48 km da estrada principal, chegamos na fazenda Cumaru, nas margens do Rio Roosevelt. As coordenadas são 8o 06’ S e 61o 4’ E. Nesse ponto, estamos bem abaixo da maioria das corredeiras e cachoeiras que haviam dado tanta preocupação e trabalho à expedição Roosevelt-Rondon. A fazenda tem uma ótima casa e já haviam sido feitos arranjos prévios para que passássemos a noite ali.

Sede da Fazenda Cumarú, com o rio Roosevelt ao fundo. Foto: Arquivo pessoal.

Em abril de 2014, no aniversário de 100 anos da expedição de Roosevelt, usando canoas modelo canadenses, os americanos Dave Freeman e Paul Schurke, juntamente com Antônio Carlos Osse, fabricante dessas canoas no Brasil, desceram toda a extensão desse rio. Apenas para constar, eu não tenho nenhum desejo de descer corredeiras ou de outra forma passar pelo que essas expedições passaram. Eu gostaria apenas de mostrar a região no presente e comparar ao que foi descrito no passado.

Os confortos da modernidade

Como tinha sido incrivelmente fácil e rápida a nossa vinda usando avião e carro até esse ponto. Em contraste, tendo que usar carro de boi e mulas, foram necessárias semanas de incontáveis dificuldades para a equipe de Roosevelt-Rondon, conforme descrito por Candice Millard: “Não apenas os bois sucumbiam ao trabalho excessivo, mas também as mulas estavam morrendo em uma taxa alarmante. Desde Tapirapuã, a expedição havia perdido mais da metade das noventa e oito mulas e daquelas ainda restantes, dez mal podiam andar. Se os homens pretendiam chegar às margens do Rio da Dúvida, a única opção era fazer mais sacrifícios apostar que as provisões e equipamentos que eles haviam abandonado não seriam desesperadamente necessários mais tarde.”

De fato, a expedição esgotou seus suprimentos e havia pouca caça, como relata Teddy em seu livro: “Cherrie matou três macacos e Lyra pegou duas piranhas grandes, o que garantiu que todos nós tivéssemos janta e o desjejum matinal. Quando vários homens trabalhando pesado são mantidos a maior parte do tempo com pouca alimentação, eles ficam felizes quando são oferecidos uma refeição relativamente boa”. E o trabalho era extremamente duro: “Sete horas foram gastas para passar uma série de corredeiras, onde a portagem por solo rochoso e difícil tinha um quilômetro. As canoas foram descidas vazias pelas corredeiras –  uma tentativa perigosa, em que uma delas virou.”

E agora, aqui estávamos nós, em uma casa confortável, nossa noite  consideravelmente diferente daquela descrita por Teddy: “… embora eu pensasse que tinha colocado minhas roupas fora de alcance, tanto as térmits quanto as formigas-saúvas as pegaram, abriram buracos em uma bota, furaram minhas cuecas, e destruíram meu lenço; e eu não tenho como substituir o que foi perdido.”

Rogério, o proprietário da fazenda, nos conta que perde em média oito de suas vacas por ano para onças-pintadas, mas que ele não as mata em retaliação como alguns fazendeiros fazem. Nesse ponto, o parque nacional chega apenas ao lado leste do rio, mas cinco quilômetros acima (para o sul) ele abrange os dois lados. Ele é médico e atende no hospital em Santo Antônio do Matupi.

No dia seguinte, saímos rio acima, o barco de alumínio equipado com um motor de popa de 40 hp destramente pilotado por entre rochas submersas por nosso guia Anésio, subindo as corredeiras. Aqui a floresta ainda cobre as margens, como nos tempos de Roosevelt. Vou registrando as espécies que vejo: coro-coró ou green-ibis, socó-boi ou tiger heron, martim-pescador-grande ou ringed kingfisher, e outras aves, além de várias delas que não consegui identificar. A Amazônia tem reputadamente cerca de 1330 espécies de aves, incluindo 45 diferentes tipos de beija-flores. Nuvens de borboletas, principalmente amarelas, se amontoam em partes úmidas da areia. Perturbadas pela nossa passagem, elas voam sobre nós em uma confusão silenciosa de bater de asas.

Nuvens de borboletas, principalmente amarelas, se amontoam em partes úmidas da areia. Foto: Arquivo Pessoal.

Quando passamos por um local particularmente lindo, a floresta calma e imponente e as águas do rio cintilando ao sol, Ana Rafaela nos diz que, segundo um plano nacional, uma represa hidrelétrica poderá ser construída, uma de duas que poderão vir a afetar o parque. Minha mente se turva, a visão de beleza desaparece e é substituída por um lago, estradas, construções e outros sinais de desenvolvimento. Ela esclarece que até o momento não foram realizados os estudos ambientais necessários. Eu já li que o Brasil têm planejadas um total de 417 hidrelétricas na região amazônica e que um terço delas já foram construídas.

Pousada do Rio Roosevel. Foto: Arquivo Pessoal.

Depois de cinco horas viajando no rio, chegamos em uma pequena cachoeira do tipo que a expedição de Roosevelt-Rondon teria que fazer uma portagem laboriosa de todo o equipamento. Um trator vem nos encontrar e nos transporta e à nossa carga ao redor da cachoeira e até a luxuosa Pousada do Rio Roosevelt, localizada no entorno do parque nacional. As cabanas atendem a turistas observadores de aves mas, principalmente a pescadores desportistas, que chegam de avião para pescar tucunaré, pacu, cachorra, piranhas de duas espécies, e vários outros peixes. A pesca é feita com base em pesca e solta. De certa forma, me parece estranho gozar de tanto luxo em um hotel com o nome de Roosevelt em um quarto com ar-condicionado e tomando uma cerveja gelada, em um lugar onde em 1914 os homens da expedição acamparam doentes, exaustos e com fome. Mas eu não estou em posição para reclamar…

A vida no entorno do rio

Veado-mateiro. Foto: Arquivo Pessoal.

Exploramos os arredores por vários dias, de barco e por trilhas a pé. Eu havia trazido quatro armadilhas-fotográficas como doação para o parque e nós armamos as mesmas em diversos pontos. Um deles, em um barreiro natural, produziu resultados espetaculares. As fotografias revelaram um delicado casal de veados-mateiros e uma vara de pelo menos 11 queixadas se espojando na lama. Todos estão excitados, com os pelos longos e pretos do dorso reluzentes e os animais esfregando-se uns nos outros, em um frenesi amigável. Uma fêmea de anta, grande e escura, atravessa o barreiro andando, e mais tarde um macho a segue. Às 20h09 do dia 28 de agosto, um macho de onça-pintada passa devagar e quatro dias depois, às 18h45, ele passa de volta, facilmente identificado pelo seu padrão único de manchas na pele.

Uma manhã, às 7h15, quando flutuávamos no rio, Anésio enxergou uma fêmea de onça-pintada melânica (preta) sentada em uma pedra na margem. Enquanto lentamente nos aproximávamos, ela se moveu para a beira do barranco. Eu esperava vê-la se diluir suavemente na vegetação, mas ela serenamente se deitou. Paramos o barco a uns 15 m dela. Ela boceja, mostrando seus caninos longos e brancos. Ela parece ainda nova, com talvez dois anos de idade. Pelo seu comportamento tranquilo, talvez ela tivesse raramente visto humanos em um barco antes. Nós a observamos, extasiados. Sua pelagem era de um negro luzidio e seus olhos brilham como ouro. Ela lambeu seu peito e paleta e passou a pata na cara. Ela ainda está absolutamente calma, como um emissário da divindade Azteca Tezcatlipoca, representado pelo jaguar:

Aquele de quem somos escravos…

O vento da noite …

O dono do céu e da Terra …

“Enquanto lentamente nos aproximávamos, ela se moveu para a beira do barranco. Eu esperava vê-la se diluir suavemente na vegetação, mas ela serenamente se deitou.” Foto: Arquivo Pessoal.

Nós andamos por muitas trilhas, a floresta surpreendentemente silenciosa. Em alguns pontos, os frutos duros das castanheiras, do tamanho de uma bola de futebol americano se acumulam no solo, alguns deles com um buraco roído em uma das extremidades para chegar às sementes saborosas. Primatas são raros: um coro matinal de um grupo de zogue-zogues, vários macacos-aranha em fuga, a vocalização melancólica de um macaco-da-noite. Uma aranha-caranguejeira permanece imóvel no meio da trilha até que forçada a se mover. Uma vez no rio, vimos uma ariranha comendo uma piranha. Quando nos viu, fugiu pela margem e mergulhou, aparecendo rio abaixo ainda com o peixe na boca. O jacaré-açu é raro. Uma noite vemos um grande flutuando, seu dorso brilhando à luz da lua. Um pescador na pousada alega que todos os jacarés deveriam ser mortos porque eles comem muitos peixes. Ele não contava com a pronta e resoluta resposta, especialmente do Peter, que havia estudado a fascinante biologia do jacaré do Pantanal no trabalho de campo de seu Mestrado pela Universidade da Flórida.

Ariranha no barranco. Foto: Arquivo Pessoal.

Enquanto procurávamos por animais, Antônio e Leandro estavam trabalhando pregando placas em locais conspícuos nas margens do rio ao longo da divisa do parque, sinalizando a todos que essa é uma área federal protegida.

Tivemos também entretenimento na pousada. Uma noite, Peter pediu emprestado um violão e cantou músicas como ‘Bridge over troubled water’, de Simon e Garfunkel. Ana Rafaela estava de aniversário e o cozinheiro assou um bolo. Tudo isso contrastava drasticamente com os dias da expedição Roosevelt-Rondon, a paisagem ainda a mesma, mas a atmosfera tão diferente.

Ontem e hoje

Voltamos à fazenda Cumaru no dia 3 de setembro, e de lá retornando pela estrada para Santo Antônio do Matupi. A pegada de um macho de onça-pintada marca a estrada. Na cidade, encontramos Bruno, o diretor do parque, que veio com oito colegas, a maioria deles da ONG conservacionista ‘Rioterra’, de Porto Velho.  Nosso destino agora é a grande mancha de cerrado do parque envolvida pela floresta. Através dos milênios, as savanas e a floresta pluvial tem sido estágios sucessivos da vegetação na Amazônia. O que propicia as mudanças? Fabiana Gomes, da Rioterra, acredita na hipótese que as térmites têm um papel fundamental. Arbustos e árvores se concentram em volta de cupinzeiros nas savanas, seu crescimento estimulado tanto pelos nutrientes quanto pelo solo ligeiramente mais elevado, em áreas que podem ser sazonalmente inundadas. Essas aglomerações de vegetação podem expandir e se tornar capões de matas. A equipe planeja cavar buracos profundos para traçar a história geológica da região utilizando o método de datação do carbono-13 e 14.

Essa savana tem grandes trechos densamente cobertos por capim Brachiaria, uma pastagem exótica africana amplamente difundida, que foi introduzida por pecuaristas. Alguns fazendeiros deixaram suas terras no que agora foi decretado parque, tendo sido oferecidos terra alternativa em troca. Entretanto, outros se recusam a se mudar até que o governo pague o valor que eles demandam por suas propriedades. Nós acampamos em um galpão vazio, com uma figueira enorme ao lado que faz uma sombra refrescante no calor do dia, um testemunho do tempo da ocupação antrópica na região. Está bem quente e úmido, com a temperatura geralmente chegando a 37o C no meio do dia. Procuramos por animais durante o dia e algumas vezes à noite mas com poucos resultados, além de pegadas de tamanduá-bandeira, veado-campeiro, jaguatirica e, uma vez, de uma onça-pintada. Um quero-quero tem um ninho com dois ovos em uma depressão no solo bem em frente à casa, e depois mais dois são acrescentados.

Cerca de 130 índios Tenharim vivem em três pequenas aldeias no cerrado, na terra indígena contígua ao parque. Existem também alguns garimpeiros que exploram ilegalmente cassiterita e pagam uma taxa aos Tenharim por permissão de explorar o minério em suas terras. Na verdade, o nome dessa terra indígena é Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, em referência à água escura por causa da presença do minério. Nós visitamos a aldeia de Água Azul, que tem 7 famílias com 35 pessoas vivendo em casas de madeira, com antenas de satélite, painéis solares, e um gerador de energia. A aldeia tem uma escola que oferece até o quinto grau, uma farmácia, e uma igreja Assembleia de Deus, nos conta o cacique. Eles não têm animais domésticos, exceto galinhas. As famílias plantam mandioca e bananas. A única fonte de renda da comunidade parece ser a taxa paga pelos garimpeiros e os subsídios pagos pelo governo federal. Uma segunda aldeia com 9 famílias e 33 pessoas tem uma economia similar.

Rio Roosevelt. Foto: Arquivo Pessoal.

Uma das nossas camionetes quebrou, o motor aparentemente tendo fundido, e teve que ser rebocada de volta para a cidade. No dia 13 de setembro Peter e eu voamos de Porto Velho para Cuiabá e de lá para São Paulo… O Parque Nacional Campos Amazônicos tem servidores dedicados, mas serão necessários anos de esforço para atingir os objetivos de implantar adequadamente o parque, tratando os problemas delicados criados pela população humana dentro e no entorno da unidade, e garantindo melhor proteção à fauna e à toda biodiversidade que ela abrange. Eu fiquei enormemente impressionado pelo que foi realizado até agora.

A expansão para o oeste da crescente população do Brasil já estava bem avançada quando a expedição Roosevelt-Rondon viajou para o norte e para o oeste através de grandes fazendas e de comunidades em direção ao Rio da Dúvida. Mas uma vez que eles chegaram nesse rio, sua sede pelo desconhecido foi satisfeita. A floresta era vasta e habitada apenas por tribos indígenas e uns poucos seringueiros. Mas da mesma forma que na América do Norte, onde entre 1700 e 1800 a colonização de fronteira era atraída  pelas aparentemente inexauríveis riquezas da Natureza no oeste, o Brasil também via a Amazônia como uma fronteira de promessas fabulosas. O Rio da Dúvida ainda oferece uma natureza selvagem gloriosa, mas também há estradas, grandes áreas da floresta já foram queimadas e convertidas em lavouras e pastagens, e há hotéis e pousadas. Teddy Roosevelt e Candido Rondon não poderiam ter imaginado poder parar em algum lugar para uma cerveja ou um filé. O governo brasileiro está determinado a manter pelo menos parte daquela região em todo seu esplendor criando grandes áreas protegidas e manejando as populações que vivem dentro e em volta dessas áreas.

Assim como os Estados Unidos tiveram pessoas como John James Audubon, Henry David Thoreau, e John Muir para promover interesse e amor pela terra, assim a Amazônia precisa de mais brasileiros para evitar a espoliação excessiva dos seus recursos e para defender a floresta e a tremenda diversidade que ela abriga. De fato, fiquei feliz em notar que a fauna pareceu mais abundante hoje ao longo do Rio da Dúvida do que quando os homens da expedição Roosevelt-Rondon encontravam muito pouco para caçar e matar a fome. A plácida visão da onça-preta que vimos é para mim um símbolo para o futuro, que seja possível manter um equilíbrio entre o desenvolvimento e a conservação na Amazônia. Eu sou consciente das mudanças ocorridas ao longo do Rio da Dúvida, entre 1914 e 2015, e posso imaginar como a região poderá parecer no futuro. Afinal, Manaus, não muito distante dali, tem agora uma população de dois milhões de habitantes.  Como será essa região em 2115?

Theodore Roosevelt IV, um banqueiro e investidor, repetiu a advertência de seu bisavô quando escreveu em 2017: “Deixe ficar como está. Você não pode melhorá-la. As eras têm trabalhado na natureza, e o homem pode apenas estragá-la. O que podemos fazer é guardá-la para nossas crianças, para os filhos das nossas crianças e para todos que virão depois de nós…”

*Tradutor e Colaborador: Peter G. Crawshaw Jr. Edição: Bernardo Araujo. 

 

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  • George Schaller

    Zoólogo e escritor. Conservacionista sênior da Wildlife Conservation Society

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