Análises

Conservação de onças-pintadas: prioridade mundial

Congresso de Conservação da IUCN discutirá moção para priorizar a conservação da onça-pintada. É tempo de lutar pelo maior felino das Américas

Yara de Melo Barros ·
13 de janeiro de 2020 · 4 anos atrás
Onça Croissant. Foto: Yara de Melo Barros.

Esse ano vai acontecer em Marseille, na França, o Congresso de Conservação Mundial da IUCN 2020, que reunirá milhares de líderes e tomadores de decisões de governos, sociedade civil, indígenas, setor de negócios e academia com o objetivo de “conservar o meio ambiente e buscar as soluções que a natureza oferece aos desafios globais”. A ideia é melhorar a forma como manejamos o mundo natural para o desenvolvimento humano, social e econômico.

No Congresso, será submetida a moção “Prioridade de Conservação Continental para a Onça-Pintada (Panthera onca)

Os principais pontos da moção são:

      • Reconhecer o valor cultural, simbólico e biológico da espécie, e sua importância na manutenção de ecossistemas tropicais e destacar sua importância para o ecoturismo, que ajuda na renda das comunidades.
      • Considerar que houve um declínio de 45% em sua distribuição geográfica nos últimos 70 anos devido à perda de hábitat e degradação dos ecossistemas. As populações em muitos países de distribuição histórica declinaram, e no Uruguai e El Salvador elas foram extintas. A estimativa é que existam não mais que 60.000 onças pintadas restantes no mundo.
      • Reconhecer também outras ameaças, como a perseguição e caça.
      • Reconhecer a preocupação com a crescente demanda por partes de onças-pintadas (pela, presas e ossos), local e internacional.
      • Pontuar que a conservação das onças-pintadas deve ser baseada em visões locais, envolvendo todas as partes interessadas, e com a participação das comunidades locais e indígenas.
      • Informar que em 2018 o PNUD organizou um evento com a presença de governos dos países na área de distribuição das onças-pintadas que resultou na elaboração da “Declaração de Nova York Onça-Pintada 2020” e no “Jaguar Conservation Roadmap for the Americas”.

Considerando esses fatos, a moção pede ao Diretor Geral da IUCN que solicite aos países na área de distribuição da onça-pintada (do México a Argentina) que se comprometam com a conservação da onça-pintada como espécie focal e emblemática das Américas, e isso inclui:

      • O reconhecimento do valor ecológico da espécie como um indicador de bom status ambiental dos ecossistemas
      • A priorização de sua proteção face ao aumento da perda de hábitat.
      • Trabalho para minimizar os conflitos entre seres humanos e onças-pintadas, com ênfase na participação de comunidades locais, indígenas e afro-americanas.
      • A implementação de medidas de controle de caça ilegal da espécie e de sua exploração como pets, uso em circos e shows e a aplicação de medidas necessárias para combater as redes de tráfico de onças e de suas partes.
      • O manejo efetivo das pressões causadas pela caça das presas naturais das onças-pintadas.
      • Assegurar que no planejamento de unidades de conservação na área de distribuição das onças-pintadas, as necessidades de conectividade da espécie e de suas presas sejam consideradas
      • Reforçar a proteção de áreas naturais, zonas de amortecimento, áreas privadas e corredores biológicos, incluindo territórios fronteiriços

A moção também cobra dos membros da IUCN tenham um maior envolvimento, como por exemplo, enriquecerem as práticas culturais associadas às onças-pintadas que sejam compatíveis com a conservação da espécie, para que tais práticas sejam consideradas uma herança cultural intangível nos Estados Membros, e subsequentemente, para a humanidade.

Cartaz do 2° Congresso Internacional sobre Ecologia, Manejo e Conservação de Onças-Pintadas e Outros Felinos Neotropicais.

É ainda solicitado, com urgência, que organizações internacionais, programas das Nações Unidas (especialmente FAO e UNEP tomem medidas para  atacar as ameaças à espécie e promover agendas conjuntas com ações para sua conservação  e incorporar estratégias de conservação da onça-pintada em iniciativas de desenvolvimento.

Também há a recomendação que o escritório Regional da IUCN na América do Sul, junto com os Membros e Comissões, organizem um evento que possa juntar especialistas e os países na área de distribuição da onça-pintada, comunidades locais e indígenas para promover o reconhecimento e adoção do Roadmap.

Enfim, os governos dos países onde a onça-pintada ocorre serão chamados à ação para proteger a espécie (o bom e velho “chamar na chincha”). A responsabilidade do Brasil é imensa, pois cerca de 70 a 80% da população de onças pintadas reside aqui, de acordo com Ronaldo Morato, Coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Predadores (CENAP/ICMBio).

Passos para a conservação

No Brasil, temos alguns avanços. Em 2018 o Ministério do Meio Ambiente publicou a Portaria MMA N° 8/2018, que cria o Dia Nacional da Onça-Pintada e reconhece a espécie como Símbolo Brasileiro de Conservação da Biodiversidade. Também existe um Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Grandes Felinos, com as ações necessárias, atores e prazos para execução. Esse plano é monitorado continuamente por um Grupo de Assessoramento Técnico (GAT), que está sob a coordenação do CENAP, através do analista ambiental Rogério Cunha de Paula.

Temos dados animadores, como o crescimento da população de onças-pintadas no Corredor Verde (Brasil e Argentina) nos últimos dez anos, esforço conjunto entre o Parque Nacional do Iguaçu, Projeto Onças do Iguaçu e Proyecto Yaguareté (Argentina).

Não é uma selfie, mas parece. Foto: Projeto Onças do Iguaçu.

Com relação a resolução de conflitos entre seres humanos e onças-pintadas, o Dr. Silvio Marchini (LEMaC/ESALQ/USP), com apoio do Chester Zoo e WildCRU, criou o Projeto Coexistência Humano-Fauna, no qual estão envolvidas as principais equipes de pesquisadores que trabalham com onças-pintadas no Brasil. Foi criada a CopCoex, uma Comunidade de Práticas em Coexistência Humano-Fauna, que busca entender os conflitos, desenvolver e partilhar ferramentas para trabalhar a coexistência entre grandes predadores e seres humanos.

Está sendo organizado, por várias instituições nacionais e estrangeiras, o 2° Congresso Internacional sobre Ecologia, Manejo e Conservação de Onças-Pintadas e Outros Felinos Neotropicais, que acontecerá em Foz do Iguaçu entre 24 e 28 de agosto, e pode ser uma oportunidade para discutir os pontos dessa moção e possíveis estratégias.

Obstáculos

Mas também temos retrocessos, como notícias constantes de abates de onças, seja por retaliação, seja por diversão. E a ameaça absurda de seis projetos de lei tramitando que propõem a liberação da caça no país.

Temos projetos de abertura de estradas cortando áreas protegidas em habitats críticos para as onças-pintadas. E claro, a sombra que nos ronda da ameaça da demanda de presas de onças-pintadas para o mercado chinês.

Seria muito interessante (e absolutamente necessário) que as solicitações apresentadas nesta moção se traduzissem em linhas de crédito (nacionais e internacionais) para a implementação de medidas de conservação da espécie.

Sim, o caminho pela frente é longo, mas temos luz no fim do túnel. Esperamos que não seja um trem vindo em nossa direção…

 

Leia Também

Ao infinito e além?

Acho que vi um gatinho

Um é pouco, dois é bom, três é demais (de lindo)

 

  • Yara de Melo Barros

    Doutora em zoologia, membro do CPSG Brasil e coordenadora do Projeto Onças do Iguaçu.

Leia também

Análises
8 de agosto de 2018

Um é pouco, dois é bom, três é demais (de lindo)

O nascimento de três filhotes de onça-pintada no Parque Nacional do Iguaçu precisa ser comemorado

Análises
7 de junho de 2018

Acho que vi um gatinho

Após inúmeras tentativas frustradas, conseguimos capturar uma onça, um macho. Ele recebeu um colar que nos permite acompanhar sua movimentação, tanto por GPS quanto VHS

Análises
4 de dezembro de 2019

Ao infinito e além?

Censo revela que população de pantheras na região do Corredor Verde em Misiones e no Brasil tem crescido. E podemos ter esperança de alcançar a capacidade de suporte da região

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 5

  1. Paulo diz:

    Quem sabe liberar. Mas com uma condição, sem arma de fogo, sem cães, sem equipamentos.
    Somente como os povos primitivos. Em condições iguais.


    1. Boston Medical diz:

      Grande ambientalista, Paulo! Só comenta bobagens e com o fígado!


      1. Paulo diz:

        Voce acha sr. Boston. Defender o mundo não Humano é bobagem. Ok


  2. lá pode, aqui não diz:

    "E a ameaça absurda de seis projetos de lei tramitando que propõem a liberação da caça no país". Sem entrar no mérito específico do teor desses 6 projetos citados, é fato que a maioria dos países membros da IUCN mantém algum programa de caça-esportiva/manejada em seus territórios!


    1. Carlos diz:

      A própria IUCN defende a caça amadora regulamentada como importante ferramenta de conservação. Infelizmente, o preconceito e a ignorância ainda imperam no Brasil. Poucos lêem inglês, e esses poucos não lêem nada do que é publicado no primeiro mundo, onde se caça em TODOS os países.