Análises

Amazônia: Estudos de impacto ambiental, o caso da BR-319

Para tratar do controverso assunto da pavimentação da rodovia, foi criado um fórum de discussão que tem a contribuição do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)

Lucas Ferrante ·
18 de dezembro de 2019 · 4 anos atrás
BR-319. Foto: Ibama.

Estudos de impactos ambientais (EIA) são mais que apenas formalidades para um empreendimento, pois danos ambientais não previstos ou omissões das empresas podem causar catástrofes ambientais irreversíveis, que por sua vez afetam não apenas os ecossistemas, mas também seres humanos.

Um dos mais polêmicos empreendimentos e que divide opiniões é a pavimentação da rodovia BR-319, que liga Porto Velho em Rondônia até Manaus no Amazonas. A rodovia corta um dos blocos de floresta mais preservados na Amazônia e o liga diretamente ao arco do desmatamento. Para criar um cenário de governança, o Ministério Público Federal (MPF) criou o Fórum de discussão permanente sobre o processo de reabertura da Rodovia BR-319, coordenado pelo Procurador da República Dr. Rafael da Silva Rocha. Há mais de um ano o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) tem contribuído nas reuniões do fórum com estudos que apontam o aumento de desmatamento via rodovia e impactos sobre as comunidades tradicionais e indígenas pelo empreendimento. Sobre o estudo de impacto ambiental deste empreendimento em específico, o MPF solicitou uma avaliação de diversos pesquisadores ligados ao INPA para verificar a suficiência e as conformidades do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Esta é uma ação realmente importante por parte do Ministério Público Federal, pois garante que os estudos de impacto ambiental tenham o rigor necessário, inclusive para estabelecer as condicionantes necessárias para evitar impactos. Na quinta-feira, 05 de Dezembro de 2019, o procurador do MPF Dr. Rafael Rocha realizou a primeira reunião formal para discutir a avaliação dos estudos de impacto ambientais por um órgão externo, antes que seja enviado para a aprovação do IBAMA. Participaram da reunião, a Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação da Casa Civil Rose Mirian Hofmann, representantes do Dnit e pesquisadores ligados ao INPA e seus programas de pós-graduação. Vários questionamentos foram feitos para a secretária da Casa Civil e Dnit sobre a inexistência de um estudo de viabilidade econômica, pois se a obra não for viável economicamente, como poderemos esperar o cumprimento das condicionantes ambientais?

“Esta é uma ação realmente importante por parte do Ministério Publico Federal, pois garante que os estudos de impacto ambiental tenham o rigor necessário, inclusive para estabelecer as condicionantes necessárias para evitar impactos.”

Antes da reunião o procurador do MPF já havia enviado os estudos prévios que tinha em mãos para os pesquisadores do INPA. Durante a reunião, o Dnit pediu para que fossem desconsiderados os estudos até então enviados devido a sua inconclusão. Alguns pontos já são preocupantes, como até o momento não ter havido consulta aos povos indígenas no raio de 40 km da rodovia como estabelece o componente indígena dentro do EIA. A licitação para o projeto de engenharia já foi aberta, mas como estabelecer um projeto de engenharia que ignora as particularidades do relevo, biodiversidade, clima e ambiente e sua interação com os povos tradicionais que são extremamente dependentes destes recursos.

Aos olhos de todos ao final da reunião, foi consenso que a avaliação dos estudos ambientais por pesquisadores especialistas, pode contribuir para o aperfeiçoamento dos estudos e evitar danos devido a estudos ambientais mal realizados. Sobe a minha perspectiva, isso vai muito além, assegurando que o IBAMA não dê uma licença por pressões politicas, como observado em outros grandes empreendimentos da Amazônia, como Belo Monte, o que garante a real viabilidade ambiental da obra. Dentro do INPA, um dos MCTICs ao qual sou pesquisador associado é o CENBAM, Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica, ao qual tem módulos de amostragem RAPELD na extensão de toda a BR-319 e já mostrou como a diversidade de vários grupos de animais tende a mudar com a variação do gradiente latitudinal em diferentes trechos da BR-319. Uma amostragem adequada pode ser essencial para validar um estudo de impacto ambiental, e sem duvidas esta é a área com maior amostragem de fauna e flora em todo o planeta.

Esta iniciativa deveria ser replicada para outros grandes empreendimentos no Brasil, principalmente na Amazônia; garantindo de fato que estudos de impacto ambiental desempenhem seu papel real de aportar os impactos da obra, sem pressão politica ou interferência dos empreendedores, propondo condicionantes que resguardem a biodiversidade ou que tenham embasamento técnico suficiente para dar um parecer concreto de inviabilidade ambiental de um empreendimento. Aqui também vale ressaltar, a necessidade de profissionais da área ambiental estarem capacitados e recorrentemente buscando aperfeiçoamento para fazer avaliações precisas. Sobre isso, eu criei um E-book com a Biotrópica Consultoria Ambiental, apresentando sete conhecimentos aplicáveis sobre ecologia da paisagem e conservação da biodiversidade que visam contribuir para a consultoria ambiental (baixe aqui).

“A ausência de uma resposta é preocupante, e firma ainda mais a necessidade do Ministério Publico Federal avaliar de perto os grandes empreendimentos da região Amazônica.”

Ainda sobre a BR-319, enviei um e-mail após a reunião à Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação Rose M. Hofmann, com alguns questionamentos sobre a obra que são pertinentes, nada me foi respondido.

A ausência de uma resposta é preocupante, e firma ainda mais a necessidade do Ministério Publico Federal avaliar de perto os grandes empreendimentos da região Amazônica. Além disso, existe uma necessidade de se fazer cumprir condicionantes ambientais que vão além das obrigações do empreendedor (no caso o Dnit) em obras federais e de interesse nacional. Alias, se o governo é o detentor de terras devolutas às margens da BR-319 e presa como afirmou na COP25 pela conservação de suas florestas, não deveriam ser encaradas como condicionantes absurdas a necessidade de novas unidades de Conservação e politicas públicas que resguardem o patrimônio ambiental do Brasil.

Indagações enviadas por e-mail à secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação Rose M. Hofmann:
“Uma das questões temerárias sobre a viabilidade da BR-319 são as condicionantes que não são da competência do Dnit, por exemplo necessidade de novas Unidades de Conservação, agências e instituições que irão ocupar postos de fiscalização, entre outras condicionantes que podem ser apontadas com indispensáveis pelos estudos ambientais. Nossa preocupação é que algumas das principais condicionantes que asseguram a sustentabilidade da BR-319 não são responsabilidade do Dnit, e desta forma este poderia solicitar ao IBAMA que é o emissor da licença, a retirada de tais condicionantes da licença, o que comprometeria toda a sustentabilidade da BR-319.

Minha pergunta para a senhora seria, o governo irá defender que a licença ambiental para o empreendimento emitida pelo IBAMA deve conter todas as condicionantes ambientais, mesmo as que não sejam de pertinência do Dnit e sem elas a licença ambiental não poderá ser emitida? Ou seja, em caso de questionamento do Dnit perante o IBAMA o governo irá se posicionar e tomar medidas para atender as condicionantes uma vez que existam relatórios e estudos que apontem sua indispensabilidade? E de forma oficial, como a secretária vê a importância de manutenção destas condicionantes?

Lembro ainda, que como mencionado pelo professor Philip, o bloco de floresta tangente a BR-319 é responsável pela regulação hídrica das regiões Sul e Sudeste do Brasil, que tende a afetar não apenas o abastecimento humano da região mais populosa do país, como também tendo potencial para comprometer a soberania agrícola do Brasil, de forma que se faz necessário resguardar e proteger determinadas áreas que assegurem esses serviços ambientais.

Também gostaria de tratar com a senhora outras questões da BR-319, como a necessidade de um estudo de viabilidade econômica. O estudo já feito é anterior da década de 70, da primeira obra, e esta está sendo tratada como uma segunda obra. São mais de 50 anos e todos os processos sociais da região já se alteraram, o que torna evidente a necessidade de um novo estudo, até para resguardar o governo em manter a funcionalidade da rodovia. Minha pergunta sobre este tópico seria, uma vez que não existem estudos recentes de viabilidade econômica, como o governo justifica o gasto de tal quantia e necessidade da rodovia sobe o carácter de segurança nacional e desenvolvimento da região, uma vez que a BR-319 é inócua a área da SUFRAMA e Zona Franca, como já mencionado por representantes destas no Fórum de Sustentabilidade da BR-319 realizado pelo MPF, além dos índices e projeções de desmatamento da BR-319 terem sido reconhecidos por autoridades de segurança a propiciar o aumento de criminalidade, contribuindo para a falta de segurança e ausência de governança de território da Amazônia e cidade de Manaus, o que entra em conflito com o caráter de segurança nacional e desenvolvimento da região. Estes registros estão em Ata do Fórum realizado pelo MPF.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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  • Lucas Ferrante

    Doutorando em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)

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Comentários 2

  1. Gabriel diz:

    Tem que ser pavimentada caso contrario não teríamos estradas no pantanal. Moro na Amazônia e vejo o quanto o meu estado é atrasado em tudo.


  2. Carlos diz:

    Em sendo pavimentada pode ter certeza da morte em massa de animais silvestres atropelados e mortos a tiros.