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Carente de atenção

Um Projeto de Lei aguarda na Câmara para revolucionar a maneira como o Brasil enfrenta a questão do aquecimento global. Mas tende a acabar engavetado.

27 de janeiro de 2005 · 19 anos atrás

Se considerarmos que as chances de um Projeto de Lei ser aprovado no Congresso Nacional são diretamente proporcionais à atenção que ele recebe da mídia, o Brasil está arriscado a nem ver naufragar uma iniciativa notável em termos de legislação ambiental.

Ainda em fase inicial de tramitação, o Projeto de Lei nº 3.902/04, de iniciativa do atual vice-prefeito de Belo Horizonte, Ronaldo Vasconcellos, reúne idéias originais com algumas já existentes e propõe a criação de uma Política Nacional de Mudanças Climáticas, algo de que precisamos urgentemente.

Seguindo a onda criada pelo Protocolo de Quioto e com esforços concentrados especialmente no setor energético, o texto prevê uma série de medidas a serem tomadas para que o Brasil reduza suas emissões de gases causadores do efeito estufa. Segundo seu texto, o objetivo é transformar a matriz energética brasileira em algo cada vez menos dependente de combustíveis fósseis e cada vez mais baseado em fontes alternativas de energia, através do que chama de Política de Substituição Gradativa dos Combustíveis Fósseis – ou, simplesmente PSGCF. Para tanto, será incentivado o emprego de usinas de energia eólica e de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas e o desenvolvimento do biodiesel, entre outras medidas.

Acolhendo o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa – criado pela Lei nº 10.438/02, o projeto prevê por exemplo que, em um prazo de vinte anos, no mínimo dez por cento da matriz energética brasileira deverá ser composta por fontes alternativas de energia, percentual que terá que ser aumentado a cada dez anos. Ele cria ainda um fundo, denominado Fundo de Incentivo ás Fontes Renováveis de Energia, junto ao BNDES, para fomentar e financiar a PSGCF.

Outro ponto fundamental do projeto – que tem tudo para se tornar polêmico – trata da diminuição no uso de combustíveis fósseis em veículos automotores. De acordo com o artigo 8º do texto, no primeiro ano após a publicação da Lei, será obrigatória a adição de, no mínimo, três por cento de biodiesel ao diesel comum. Este percentual também deverá ser aumentado, anualmente, em mais dois por cento, até que seja atingido o nível máximo recomendado pelos ministérios de Minas e Energia e de Ciência e Tecnologia. E mais: segundo o texto, o cultivo de plantas das quais o biodiesel é extraído – como a mamona, a soja e o amendoim, chamadas oleaginosas – que se enquadrar no conceito de agricultura familiar, será isento de impostos. De olho na necessidade de reduzirem-se as desigualdades sociais regionais, o projeto ainda dispõe que pelo menos a metade do biodiesel utilizado no país será proveniente de agriculturas familiares das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Ainda por força do projeto, todas as empresas que utilizem combustíveis fósseis como fonte de energia em uma quantidade igual ou superior a duas mil toneladas de petróleo por ano, serão obrigadas a implementar e manter projetos de reflorestamento com espécies nativas, na taxa de 1 hectare de reflorestamento para cada 150 toneladas equivalentes de petróleo consumidas. O mesmo acontecerá, caso o projeto seja convertido em lei, com as fábricas e importadoras de veículos movidos a combustíveis fósseis. Estas terão que reflorestar 1 hectare para cada 11 veículos leves movidos a gasolina ou outro combustível fóssil, e 1 hectare para cada 6 veículos pesados movidos a diesel. Estes números dobram, para respectivamente 22 e 12 veículos, caso estes sejam do tipo que utilizam mais de uma forma de combustível – flex fuel – e uma delas não seja de origem fóssil. Caso seja cumprida à risca, esta determinação significará, apenas com o reflorestamento feito pelas montadoras e importadoras de veículos, 170 mil hectares de áreas de preservação permanente ou degradadas reflorestadas a cada ano.

Um outro aspecto curioso da proposta do deputado é que ela determina, em seu artigo 22, que os proprietários de rebanhos bovinos, com mais de quinhentas cabeças, deverão manter projetos de reflorestamento na proporção de um centésimo de hectare por cabeça de gado, ao ano. Ou seja, para cada cem cabeças de gado, o proprietário é obrigado a projetoantar um hectare com espécies nativas, a cada ano.

Não é que as vacas brasileiras sejam movidas a diesel, mas hoje se sabe que o metano, proveniente da fermentação entérica – o famoso pum – e da decomposição do esterco, é um dos maiores responsáveis pelo efeito estufa. Esta é, inclusive, a razão pela qual a Nova Zelândia tem um dos maiores buracos na camada de ozônio sobre o seu território: seu rebanho de ovelhas é bem maior do que a sua população humana e esses bichos produzem tantos gases que só faltam flutuar. Por lá, os pais já devem ensinar aos filhos como pegar no sono sem contar carneirinhos, com medo que eles tenham pesadelos. Afinal de contas, são vilões ambientais.

Mas, de volta às vacas frias – sem trocadilho, por favor – além dos proprietários de rebanhos, as prefeituras também terão que tomar providências com o metano proveniente da decomposição da matéria orgânica. O projeto 3.902/04 estabelece, em seu artigo 21, que deverão ser implementados aterros sanitários em todos os municípios, com dispositivos capazes de coletar esses gases para o reaproveitamento.

O projeto traz ainda dispositivos sobre o combate ao desmatamento na região amazônica, educação ambiental e o enchimento de reservatórios de usinas hidrelétricas de forma a evitar a decomposição da vegetação submersa, sabidamente uma fonte de metano. Estes, no entanto, não trazem grandes novidades. Por outro lado, uma inovação de grande relevância, que ficou um tanto quanto perdida em meio às proposições do Projeto, é a possibilidade de negociação do saldo da compensação pelas emissões de gás carbônico nos mercados interno e externo, disposta no artigo 18.

O projeto inteiro dedicou menos de duas linhas ao tema, limitando-se a afirmar a possibilidade da realização de tais negociações. Uma pena. Ele abre as portas das empresas que expandam seus projetos de reflorestamento, plantando mais do que aquilo a que são obrigadas, para um mercado internacional emergente, no qual o Brasil tem boas chances de ocupar uma posição de destaque.

Ainda mais interessante do que o Projeto de Lei em si é a sua justificação. Quase tão extensa quanto aquele, ela é uma verdadeira demonstração de que o deputado Ronaldo Vasconcellos entende do que está falando, e tem tudo para convencer os seus colegas de Câmara. Mas, se a sociedade civil não der a devida atenção à sua tramitação, o PROJETO corre o risco de morrer esquecido em algum canto, ultrapassado na ordem do dia por outros mais “relevantes”.

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