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Terra abençoada pelos ipês

No dia 7 de setembro, fotografar ipês floridos na capital federal me encheram de orgulho de ser brasileira. 

17 de setembro de 2010 · 14 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Resolvi compartilhar as belezas que temos em nosso país, representada apenas pelos ipês. Nesta época do ano a exuberância é tanta que não posso imaginar que essas árvores, que passam desapercebidas na maior parte do ano, deixem de emocionar mesmo as pessoas menos sensíveis. Talvez por isso devêssemos plantar mais e mais ipês de todas as cores para contagiar nossos conterrâneos sobre a importância da natureza do Brasil. Nessa época, os ipês esbanjam uma beleza rara, nos deixando em estado de êxtase que nos enche por dentro da certeza de que a vida vale a pena.

Passei o dia 7 de setembro sem qualquer intenção de cumprir uma missão cívica, mas com o propósito de registrar as belezas dos ipês em flor. Porém, ao me defrontar com o primeiro buque radioso de um amarelo vibrante, tive a certeza de que este sim é o civismo que enaltece nosso país. Bem melhor do que participar de paradas militares que homenageiam fatos, pessoas ou poderes com os quais não sinto afinidade alguma, fotografar ipês floridos me encheram de orgulho de ser brasileira.

Nunca pensei em ser fotógrafa, até porque antes dessas máquinas maravilhosas que fazem tudo por nós, me faltava precisão no foco, e muitas vezes a percepção de qual ângulo melhor favorecia o que desejava registrar. Agora tudo ficou mais fácil, principalmente quando o motivo é de tão rara beleza.

 

Minha missão era produzir boas fotos de ipês em flor para o relatório anual que o escritório da Ana Laet está preparando para nossa organização: o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. O nome, é claro, foi escolhido para homenagear a árvore, e os complementos cuidadosamente selecionados para que iniciassem com as letras que formam a palavra ipê. Nosso relatório este ano está sendo criado com base em imagens de ipês em flor, servindo de tema de fundo para as informações que desejamos compartilhar. Descobri que, quando o tema são os ipês em flor, demandam pouca expertise de quem tem apenas que apertar um pequeno botãozinho da máquina fotográfica. São belos de qualquer forma, não importa o ângulo, a distância ou a luz que incide sobre eles. Os ipês em flor são simplesmente espetaculares. São fotogênicos. Até eu me tornei uma exímia fotógrafa com os exemplares que encontrei em profusão naquela manhã ensolarada na capital federal, onde resido parte do meu tempo.

Aliás, dentre os responsáveis pela idealização paisagística de Brasília, Burle Marx merece destaque especial por criar belezas cênicas na capital e em tantos outros cantos do país. Mas, dois outros amantes da flora brasileira contribuíram para o que usufruímos hoje. Tanto o Prof. Ezechias Paulo Hering quanto Ozanan Coelho orientaram o plantio de árvores que florescem em diferentes épocas do ano, para que as principais avenidas da cidade estejam sempre coloridas com tonalidades variadas, inclusive aquelas dos ipês que ocorrem no final do inverno.

Todavia, os ipês estão presentes em todo o país. São mesmo presentes que ganhamos anualmente. Por sua excepcional beleza, são as árvores cujas flores tornaram-se o símbolo do Brasil. A palavra ipê tem origem tupi e significa árvore cascuda. Mas suas flores são a mais vívida manifestação da essência do que é ser delicado e belo. Em suas quase dez espécies, florescem em tons de branco, amarelo, róseo, roxo e lilás.

Escritores famosos reverenciaram os ipês em flor. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, poeticamente escreveu:

“Sou um homem dissolvido na natureza.
Estou florescendo em todos os ipês.
Estou bêbado de cores de ipê, estou alcançando
a mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado.
Não me façam voltar ao chão,
Não me chamem, não me telefonem, não me dêem dinheiro,
quero viver em bráctea, racemo, panícula, umbela.
Este é tempo de ipê. Tempo de glória”.

Os ipês têm mesmo o poder de dissolver resistências porque amolecem nossos corações. São dignos de celebração, de gratidão profunda por abrirem suas belezas com tamanha desfaçatez. Por serem assim extraordinários, muitos outros escritores descreveram sentimentos profundos diante de ipês em flor. Rubem Alves é talvez o mais reincidente no tema, como mostra os trechos que se seguem:

“Gosto dos ipês de forma especial. Questão de afinidade. Alegram-se em fazer as coisas ao contrário. As outras árvores fazem o que é normal – abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está prá chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio”.

E quando descreve seu encontro com um ipê rosa em flor:

“Resolvi dar uma caminhada. E lá ia eu, absorto em meus pensamentos, quando, de repente, bem à minha frente, uma explosão de cores: a terra ejaculando flores – flores que estavam escondidas dentro dela! Um ipê rosa florido! Já pensaram nisso? Que as flores são os pensamentos da terra? A terra pensa flores! Dentro dela, as flores ficam guardadas, dormindo, mergulhadas na escuridão. Mas, pela magia de uma árvore, os pensamentos da terra se oferecem aos nossos olhos sob a forma de flores! Dentro da terra estão todas as flores do mundo, à espera de árvores… A terra sonha ipês! As árvores são os psicanalistas da terra!”

Finalmente, peço emprestadas as palavras do Rubem Alves, mesmo não sendo escritora. A idéia de algum dia me tornar um ipê, ou de meus restos mortais adubarem o solo para que ipês florescem faz com que a morte soe mais aceitável. Não que esteja completamente pronta para partir, pois espero ter a oportunidade de ainda ver muitas estações de ipês em flor, se a morte tiver a generosidade de esperar por mais tempo.

“Já é crepúsculo. Não tenho medo da morte. O que sinto, na verdade, é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui… Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês-amarelos…”

Os ipês são efêmeros. Portanto, vamos aproveitá-los o mais possível enquanto duram suas flores.

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Comentários 1

  1. Maisa diz:

    Suzana,
    Passados 10 anos de sua publicação observo que os ipês se abrem em flores para enfeitar nossos olhos e nossa mãe Terra. As cores se misturam num colorido especial que nos alegra e nos encoraja a seguir, confiantes, a nossa caminhada evolutiva. Gratidão pela linda mensagem, Maísa Magalhães