
Com 20 mil pessoas marchando para os portões do parque neste feriadão, nada mais refrescante do que um mergulho nas cataratas que o americano Burton Holmes visitou em 1918 no rio Iguaçu. A história está num de seus Travelogues, o 13º volume da série de relatos de viagem que ele manteve por 60 anos, de fins do século XIX a meados do século XX.
Holmes foi um legítimo blogueiro. Isso uns 100 anos antes que a moda pegasse na internet. Ou mesmo que a internet existisse. Mas nunca teve nada a ver com a atual voga dos guias turísticos, feitos para quem planeja botar o pé no mundo. Ele zanzava de continente em continente para que as as pessoas conhecessem lugares remotos sem sair de casa – ou saindo para ir, no máximo, ao cinema mais próximo.
Porque Holmes também fez cinema falado antes do cinema falado. Ou seja, ele em pessoa falava durante a projeção de seus filmes. Adotou o neologismo Travelogues – soando a “papo de viagem” – para evitar que a platéia debandasse diante da ameaça de ouvir uma palestra em sala de cinema. E seus livros são imitações propositais de velhos diários de bordo, colando impressões a imagens.
Até aí, nada demais. Difícil era ir às cataratas naquela época, quando a primeira Guerra Mundial mal havia terminado e só o périplo de Buenos Aires a Puerto Aguirre, onde começa a visita aos saltos do Iguaçu, vai da página 301 à 315. As 300 páginas anteriores, diga-se de passagem, percorrem Recife, Salvador, Rio de Janeiro e outros portos da rota para a Argentina. E cada cidade tem seu capítulo próprio.
“Nunca um destino nos hava parecido tão fugidio”, ele confessa. “Alguns nos diziam que os mosquitos nos comeriam vivos ou que o calor dos trópicos se revelaria mortal”. Na reta final da viagem, ele encarou hotéis “en liquidación”, atendidos por “misantropos enigmáticos”, antes de percorrer a cavalo os 20 quilômetros “encantadores” de uma “soberba avenida” na selva, sob “espantosas borboletas” que lhe coroava a cabeça com “auréolas coloridas”.

Ia a caminho das cataratas que desbancaram as do Niágara. Mas, “Oh! Leitor!”, que ninguém esperasse encontrar por lá, como no Niágara, trilhas pavimentadas, pontes e escadas. O Iguaçu tinha que ser conquistado a facão de mato. Em compensação, suas rochas tinham cor de “chocolate”, emolduradas pelo “verde de uma floresta quase equatorial”.
O grupo passou “oito dias que jamais serão esquecidos fotografando as cataratas de muitos pontos de vista difíceis de atingir, para os quais tivemos que abrir caminho à força”. No fim, com “a ajuda de dois guias índios”, Holmes atracou no último dia uma “canoa de tronco” sobre a Garganta do Diabo, onde o rio parece-lhe “literalmente despencar num buraco redondo no meio da correnteza”. Ali, descobriu que os índios nunca tinham feito aquilo antes.

Mas não perdeu a chance de se debruçar numa ilhota pendurada sobre o abismo, sentindo a “pedra tremer com o impacto incessante do rio”, para fotografar a cena indescritível de “suprema grandeza”. No fim, a catararas renderam 19 páginas de seu Travelogue.
Holmes não deixou de notar que, embora raramente visitadas, a não ser “por índios pouco impressionáveis”, as cataratas do Iguaçú já tinham naquela ocasião inspirado projetos hidrelétricos a uma civilização incapaz de ver água caindo sem pensar em quilowatts. Fez votos de que, pelo menos, o essencial daquela paisagem escapasse do progresso “para a elevação do espírito humano”.

Ela escapou, como atestam hoje os sucessivos recordes de visitação às cataratas. Mas o livro de Holmes, que aos 90 anos chegou intato a um sebo de Foz do Iguaçu e foi parar na administração do parque, bem que poderia ficar exposto na fila de ingresso. Para ninguém pensar que às cataratas se vai assim, sem mais nem menos.