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Dona Ana e sua Prima Vera

O Parque Nacional de Doñana, no sul da Espanha, é uma das unidades mais importantes do continente europeu. Reza a lenda que as lágrimas de uma donzela formaram este belo lugar. Veja fotos.

3 de dezembro de 2009 · 14 anos atrás

Cerca de 11% do território mundial estão cobertos por unidades de conservação.  Nem todas protegem o meio ambiente de forma igual. Segundo normatização estabelecida pela União Internacional para a Conservação da Natureza, e adotada pela Convenção da Diversidade Biológica, aceitam-se como áreas protegidas seis categorias e uma subcategoria de unidades de conservação. Já o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) prevê doze tipos de áreas protegidas, cinco no grupo de proteção integral e sete no de uso sustentável.

Naturalmente que tamanha gama de classificações dá vazão a grandes diferenças na qualidade da proteção realmente outorgada às diversas áreas. Nesse contexto, muitos ambientalistas pensam que a categoria dos Parques Nacionais é a mais completa, pois além de serem integrados por “ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica”, permitem a realização de pesquisas científicas e “o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”. Alguns desses Parques são considerados ainda mais relevantes do que outros e por isso detêm estatutos internacionais de proteção, como o de Patrimônio Mundial da Humanidade, Reserva da Biosfera ou Sítio Ramsar de Importância Internacional para a Proteção de Espécies de Pássaros Migratórios. Essas unidades de conservação são pouquíssimas: há, por exemplo, apenas 176 áreas protegidas com direito a ostentar o título de Patrimônio Mundial. Por isso, normalmente gozam de beleza excepcional e manejo impecável. Em outras palavras, merecem ser visitadas.

Uma delas, Doñana, no sul da Espanha, chama atenção sobre todas as outras no continente europeu. Detém simultaneamente os galardões de Patrimônio Mundial da Humanidade, Reserva da Biosfera e Sítio Ramsar de Importância Internacional para a Proteção de Espécies de Pássaros Migratórios. Declarados como Parque Nacional em 1969, os 50.724 hectares de Donãna, acrescidos dos 50.709 hectares do Parque Natural adjacente do mesmo nome, protegem um ecossistema dunar inundável, onde vivem 800 espécies de plantas, 400 de aves, 40 de mamíferos, 20 de peixes, 20 de répteis e 10 de anfíbios, uma diversidade biológica com poucos rivais na Europa.

Segundo reza a lenda, há centenas de anos, uma certa donzela de nome Ana teria se perdido na região próxima à foz do Guadalquívir. Diferentemente de outros personagens mais afortunados de fábulas européias, Dona Ana (ou Doñana) não foi salva por um heróico caçador ou lenhador. Desesperada, chorou lágrimas de angústia e solidão que aos poucos encheram os marismas da região e atraíram a vida selvagem. Cervos, javalis, cavalos selvagens, vacas monstencas, raposas, linces ibéricos e pássaros foram chegando aos poucos de outros cantos da Península Ibérica e fizeram de Doñana seu lar.

Esses últimos, em sua maioria se valem do Parque Nacional, como ponto de descanso e alimentação em suas migrações anuais entre o norte da Europa e a África. Doñana é uma espécie de pantanal da Europa. Na época das secas, o solo ressequido e a falta de água espantam a fauna e os visitantes, mas basta uma chuvinha para que mais da metade do Parque submerja e para que a outra metade brote e viceje em mil tons de verde. Nessa época, animais aparecem de todos os cantos e dão à região uma aparência de Arca de Noé. Atrás deles vêm os turistas. Espanhóis, ingleses, alemães, portugueses, italianos e uma babel inteira de viajantes lotam a bela cidadezinha histórica de El Rocio, cujos hotéis têm janelões estrategicamente voltados para os alagadiços do Parque, proporcionando belos panoramas.

A visitação é ordenada e bastante controlada. Trilhas e passeios de bicicleta só são permitidos no Parque Natural, que na prática funciona como uma zona de amortecimento do Parque Nacional. Este, embora conte com passagens ecológicas para o Parque Natural, é completamente cercado. Só pode ser visitado em jipes anfíbios da cooperativa de condutores de visitantes de El Rocio. Ainda assim o passeio, que se restringe a um percurso pré-definido de oitenta quilômetros, está limitado a um número máximo de pessoas por dia. Para perambular em Doñana na época das cheias é necessário reservar um lugar nos jipes da cooperativa com mais de dois meses de antecedência.

A Junta de Andaluzia, equivalente espanhol de um dos nossos governos estaduais, é a responsável pela gestão dos Parques Nacional e Natural, mediante delegação do Ministério do Meio Ambiente. Parece preocupada com a qualidade do serviço. Há programas de reintrodução e manejo de espécies ameaçadas, como o lince ibérico e a endêmica águia imperial; os três centros de visitantes são impecáveis; as trilhas gozam de boa sinalização e manutenção; e a fiscalização, feita em quadriciclos motorizados, mostra-se sempre presente.

O único problema, do ponto de vista do turista, é que Dona Ana esconde sua beleza durante grande parte do calendário. Para conhecê-la em todo seu esplendor é imperativo percorre-la durante os três meses em que sua prima Vera também está por lá. Só nessa estação estão asseguradas as companhias das incontáveis manadas de herbívoros, das varas de javalis, e das revoadas dos maravilhosos pássaros migratórios. Para quem se arrisca a uma visita fora da temporada vale, contudo, um choro sincero. Se as lágrimas não vão encher os marismas, talvez sensibilizem um ou outro cervo e meia dúzia de javalis. Já valerá a pena.

Clique nas imagens para ampliar:

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