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Dois convites a pôr as barbas de molho

Morar no mato é pior para a natureza do que viver na cidade, diz economista. Engenharia muda a terra há milhões de anos, segundo um biólogo. Só para lembrar que sabemos pouco.

19 de março de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

 

Num “belo dia” da primavera de 1844, o escritor Henry David Thoreau, “padroeiro do ambientalismo americano”, explorando as margens do rio Concord, ainda embrulhadas na floresta primária que cobria o estado de Massachussetts, botou fogo no mato sem querer, ao esquentar a sopa. Queimou um quilômetro quadrado de árvores nativas. Mais do que qualquer comerciante conseguia fazer na época, só à custa de ganância ou ambição.
 

Com essa provocação, o economista Edward Glaeser, de Harvard, abre um artigo recente, para nos parágrafos seguintes desancar as miragens do culto à natureza. E pergunta o que seria melhor para a conservação do planeta: gente vivendo em arranha-céus de Nova York, ou em casas de campo, cercadas de verde?

Melhor o cimento

A realidade da típica família novaiorquina vence a fantasia pastoral por sete toneladas anuais de CO2, segundo Glaeser. Ele se baseou em contas que andou fazendo com Matthew Khan, da universidade da Califórnia. Em seu placar, entraram diferenças de hábitos em matéria de transporte, consumo de energia e calefação. Mas não as virtudes dos prédios de última geração, capazes de reciclar a água que corre em seus canos, processar o próprio esgoto ou tirar do lixo toda a sua eletricidade.

Ou seja, “viver no meio do concreto é na verdade muito verde e no meio das árvores, não”. Mas ele chegou a essa conclusão sem ouvir o que tem a dizer sobre o assunto o biólogo Mike Hansell, “professor emérito” de Arquitetura Animal na Universidade de Glasgow. Hansell inventou a cadeira que ocupa em 1968, com uma série de palestras sobre o assunto, para poupar a platéia da massa de informações que trazia da pós-graduação em moscas aquáticas, sua especialidade acadêmica.

A escolha do tema deu tão certo que, quase 30 anos depois, ele se viu pela primeira vez diante de 300 engenheiros, reunidos num congresso em Londres. Disse-lhes, na ocasião, “que não é preciso ter cérebro para construir”. E foi aplaudido pelos ouvintes, uma douta assembléia de peritos em hidráulica, ventilação, energia e sistemas de computação”, embora se referisse, no caso, à Diffugia coronata, ameba unicelular que habita uma urna portátil medindo poucos milésimos de milímetro, mas construída com requintes de ceramista artesanal.

A única célula da Diffugia coronata, como ensina o professor, cuida de tudo – “come, evacua, move-se, reproduz-se e, nesta espécie, também edifica uma casa. A célula não tem nada que pareça um sistema nervoso, para nem falar de cérebro”. Mas a curiosidade de Hansell não tem medida. Vai do ninho de Arachnothera longistrosa, um pequeno pássaro asiático que faz abrigos pênseis, costurados nas folhas com fios de seda colhidos em teias de aranha, ao formigueiro de saúva que, inundado na Argentina com nove mil litros de água e toneladas de cimento, trouxe à luz uma rede quilométrica de galerias e câmeras subterrâneas, estruturadas como megalópole para 11 milhões de habitantes.

“Built by Animals” – ou “Construído por Animais”, o único livro que Hansell escreveu para leigos – inclui um capítulo inteiro sobre as mudanças ambientais produzidas por bichos. Nem todas têm que ser buscadas no microscópio ou debaixo da terra.

O wombat, marsupial que parece um urso atrofiado de nariz peludo, deixou no deserto australiano marcas de devastação fotografadas por câmaras de satélite em vôo orbital. Os diques erguidos por castores na América do Norte chegam a ter 200 metros de comprimento por cinco de altura, criando lagos artificiais de vastas dimensões.

Em Botsuana, vêem-se de avião as rugas impressas na paisagem pelo trabalho de cupins. E, na Inglaterra, um ninho de texugo, desenterrado parcialmente, trouxe à luz 879 metros de túneis entrelaçados, com 50 câmeras e 178 portas. Provavelmente, já era habitado no século 18, quando os Estados Unidos eram colônia inglesa.

“Quando olhamos à nossa volta”, conclui Hansell, “vemos uma ecologia em grande parte dominada pela atividade humana, mas só aparecemos recentemente na história do planeta”. Há túneis na África do Sul abertos há 240 milhões de anos por ancestrais gigantescos das fuinhas modernas, que deixaram na rocha até a marca de suas unhas, para mostrar que, como quase tudo o que se estuda mais de perto, pegada ecológica também não é uma exclusividade da presença do homem no planeta. O que é mais um motivo para botarmos as barbas de molho.

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