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Encontro de empreendedores socioambientais inspira transformações locais, regionais e mundiais

Na Argentina, evento reuniu empreendedores sociais para troca de experiências em áreas desde educação à conservação. Mesmo entre eles, temas ambientais precisam de espaço.

28 de agosto de 2006 · 18 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Mais uma vez o espírito inovador, vanguarda e inspirador da Ashoka merece reconhecimento. Em um encontro na Argentina, de 3 dias, de 8 a 10 de agosto, reuniram-se 226 empreendedores sociais (ou socioambientais, nomenclatura que ainda havemos de conquistar), de 13 países da América Latina. Como parte da celebração dos 25 anos de existência da organização, o encontro foi o maior já realizado, e teve como objetivo identificar oportunidades e similaridades entre os empreendedores, de modo que possam planejar intercâmbios e redes em temáticas que incluem: educação, políticas públicas, saúde, minorias, discriminação, meio ambiente, entre outras. A idéia é integrar países, formando uma teia de cumplicidade do bem que possa transformar com maior eficácia e rapidez as realidades desafiantes encontradas em cada um dos campos trabalhados. Expandir além das fronteiras dos países a que pertencem os fellows, como são chamados os empreendedores da Ashoka, é o desafio atual. Isso pode ser possível devido ao aumento do número de fellows existentes: hoje são 1.700 espalhados pelo mundo e o Brasil lidera em número, com 253 participantes. Se no início a luz era individual e esparsa, agora, com a ampliação desse corpo de pessoas comprometidas em transformar o mundo, a chance é de que territórios cada vez maiores sejam iluminados.

Afinal, o que é a Ashoka?

A partir de um conceito inovador, o norte-americano Bill Drayton, percebeu que “uma idéia criativa nas mãos de um empreendedor pode transformar o mundo”. Foi com base nesse princípio que criou essa instituição que apóia pessoas comprometidas com as mais diversas causas. A descrição que utiliza para os empreendedores que seleciona é de “pessoas visionárias que têm uma extraordinária criatividade, determinação e compromisso em gerar mudanças sociais inovadoras em grande escala, capazes de transformar sistemas”.

O procedimento de seleção da Ashoka conta com uma metodologia desenvolvida durante seu tempo de existência, cuja precisão impressiona, uma vez que o índice de erro é insignificante. O desafio inicial corre por parte da equipe da própria Ashoka, e consiste em identificar os potenciais candidatos com o perfil desejado. Depois, o candidato entra em uma berlinda incessante. Do preenchimento de cartas de intenção e um longo formulário com perguntas que captam valores pessoais e trajetória profissional, ocorrem as primeiras entrevistas. Os que sobrevivem a essas etapas passam a um painel de seleção com entrevistadores previamente orientados a como proceder e quais aspectos a serem observados em cada candidato. Com o emprego de metodologias capazes de avaliar qualidades subjetivas como perfil ético, idéia inovadora, criatividade capacidade empreendedora e potencial da idéia ser levada a um patamar de largo alcance, a escolha chega ao final. Aqueles aprovados recebem uma ajuda de custo por três anos – tempo que a Ashoka julga ser importante para que a idéia se consolide e deslanche. Os fellows, nesse período, podem se dedicar de corpo e alma à realização de seus sonhos, sem precisar se preocupar com o sustento próprio e familiar.

Os dados que Bill Drayton apresenta são impressionantes. Nesses 25 anos de existência, 94% dos aprovados continuam envolvidos em suas causas iniciais, tendo avançado significativamente no que propuseram de início. Aproximadamente 93% tiveram suas idéias copiadas por outros grupos muitas vezes em outras regiões do mundo. Quase 60% foram capazes de mudar políticas públicas relacionadas às temáticas trabalhadas. Além disso, 80% reconhecem que o apoio da Ashoka foi fundamental para o sucesso atingido. Esse apoio vai muito além da ajuda financeira. A sensação de solidão, comum entre pessoas obstinadas em levar adiante idéias de transformação socioambiental, deixa de existir uma vez que se percebe que são muitos os sonhadores com realizações concretas. A comunidade Ashoka, cada vez maior, passa a servir de referência para que muitos se inspirem em soluções criativas capazes de reverter processos muitas vezes considerados insolúveis.

O significado da palavra Ashoka

Ashoka foi um monarca indiano cujo reinado inicialmente foi caracterizado por conquistas bélicas e brutalidades contra aqueles a quem subjugava. No entanto, acontecimentos pessoais e trágicos o levaram a mudar seus valores de forma que suas ações passaram a refletir cuidados sociais de tanta grandeza que acabou por se tornar símbolo de generosidade em grande escala. Para completar a significância desse conceito, em sânscrito “ashoka” é ausência de tristeza. Por ambas essas razões, Bill Drayton escolheu Ashoka como o nome da instituição que criou.

O encontro na Argentina

Em meio a inúmeros fellows inspiradores, foram formados grupos de acordo com o interesse individual: políticas públicas, educação, inclusão econômica, empoderamento cidadão, diversidade e meio ambiente. Muitos indicadores deflagram que a temática ambiental ainda precisa conquistar adeptos, mesmo entre pessoas que lutam por um mundo melhor. O número de participantes do grupo ambiental era consideravelmente menor do que o dos demais. Além disso, a defesa do tema ainda se torna necessária, o que se esperaria ser diferente em meio a um público tão seleto. Isso mostra que muito precisa ser feito para que o ambiente e a natureza sejam percebidos como parte da vida humana. Enquanto houver essa divisão dificilmente as escolhas priorizarão qualquer temática ambiental.

Algumas considerações do grupo merecem ser mencionadas. Em vez de chamar a atenção pela urgência causada por catástrofes, foi preparada uma apresentação com belezas naturais e humanas, acompanhadas de frases de efeito e fundo musical. As mensagens convidavam a reflexões da inseparabilidade da natureza e do humano. Além disso, um apelo ficou registrado para que a própria Ashoka leve em conta a coerência ambiental na seleção de novos fellows, assim como em sua visão global. Ademais, que passe a adotar posturas que condizem com essa preocupação, de modo que seus escritórios possam vir a se tornar modelos de coerência e inovação também nesse campo. Deve, ainda, formular um documento de orientação a seus fellows para que sejam conscientes da importância da integração humano/natureza. Daí a adotar o termo socioambiental no lugar do social, como foi proposto pelo grupo, pode levar um tempo maior, mas quem sabe esse foi o primeiro passo?

A necessidade de mudanças e as que já estão acontecendo

Os dados que Drayton apresenta são desoladores por um lado e alentadores por outro. Primeiro, a concentração de renda tem sido cada vez mais intensa. Os 20% mais ricos do mundo retêm quase 83% da riqueza produzida; os segundos 20% ficam com quase 13% do que é produzido, e a redução é assustadora quando se chega aos 20% mais pobres, que dividem menos de 1.5% do que sobra. No entanto, em meio a esse cenário, Drayton mostra que o setor cidadão, como chama o terceiro setor – já que se recusa a usar palavras negativas (não-governamental ou não-lucrativo) para se referir aos movimentos que considera preciosos – vem crescendo em proporções exponenciais nas últimas décadas. Tanto em recursos movimentados, como em número de pessoas absorvidas, esse setor retrata uma curva de crescimento maior do que o empresarial ou o das congregações religiosas.

Em todo o mundo essa é uma realidade observada, seja em países desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento. Por exemplo, nas oito nações mais ricas o índice de empregos no setor cidadão cresceu de 8% para 25% em apenas cinco anos (de 1990 a 1995). No Brasil, o número de organizações do terceiro setor pulou de cinco mil em 1980 a 480 mil em 2000, sendo que se forem incluídas também as existentes, mas não oficialmente registradas, esse número poderá chegar a cerca de um milhão. Dados do cenário internacional geral demonstram que em 1.900 havia cerce de seis mil organizações e, em 2005, essa estimativa é de quase 53 mil. Bill considera essa uma epidemia do bem e afirma que as mudanças estão ocorrendo, mesmo que não apareçam na mídia.

Quando se pensa no que são capazes de realizar os empreendedores, Bill se mostra o mais otimista. Segundo ele, problemas passam a não resistir ao tempo porque um empreendedor tem por hábito os ver resolvidos, criando estratégias criativas e indo incessantemente atrás de implementá-las para reverter os desafios identificados. Com o número crescente de pessoas assumindo responsabilidades de transformação para o melhor, as chances dessas melhoras ocorrerem são bem maiores e mais rápidas. Essas mudanças ficam ainda mais promissoras se o setor cidadão se juntar ao setor empresarial, tendência que vê como natural e possível. A divisão entre esses setores pode ser reduzida com o aprendizado de novas linguagens. No fundo, esses dois setores têm o potencial de criar e de rapidamente implementar mudanças. Portanto, essa pode ser uma das diretrizes de futuro para as transformações que levem a um bem maior.

São muitos os exemplos que podem ser citados de empresas que assumiram responsabilidades socioambientais em maior escala. A Avina, por exemplo, partiu de um milionário, Stephan Schmidheiny, que hoje tem como uma de suas principais contribuições “contagiar” empresários em todo o mundo, mas principalmente nos países onde apóia pessoas dedicadas a projetos de fins ideais. Seu compromisso com a Ashoka foi crucial para alavancar ambas as instituições, mas principalmente para dar exemplo a outros empresários de como podem se beneficiar com as realizações conjuntas. Esse modelo em larga escala e em proporções internacionais poderá vir a trazer benefícios rápidos para muitos e quem sabe conseguiremos incluir a conservação ambiental dentro das prioridades a serem contempladas?

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