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Jararaca urbana

Picada de cobra mostra que a natureza insiste em existir mesmo em espaços completamente ocupados pelo homem. Topar com ela pode ser apavorante.

30 de março de 2006 · 18 anos atrás

Nós, urbanóides, temos instinto aguçado para nos defender de eventuais ataques de bichos-homens. Mas quando a natureza sai das telas do Discovery Channel e se manifesta na nossa frente, reclamando de volta espaço que um dia lhe roubamos, ficamos estarrecidos, abobalhados, sem saber exatamente o que fazer. Picada de cobra, por exemplo, não faz parte das preocupações diárias de quem vive num grande centro urbano.

Uma amiga minha, Luciana, moradora do Itanhangá, no Rio de Janeiro, chegou em casa por volta das 18 horas, abriu o portão, deu dois passos e levou uma picada de cobra. Se tivesse sido assaltada ou vítima de um seqüestro relâmpago, sofreria, mas não seria pega de surpresa. Agora, picada de cobra? Depois do susto, Luciana gritou, chamou vizinho, segurança, caseiro, enfim, teve uma crise de pânico – mais que compreensível – quando constatou que realmente havia sido vítima de uma picada de cobra.

A espécie da cobra era desconhecida, não se sabia se era ou não venenosa. Pouco importa. Era uma cobra. Uma serpente em plena na cidade do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, cerca de 10 minutos, seu marido chegou em casa e correu com ela para o Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca. Ele sabia que os tais soros antiofídicos só são encontrados em hospitais da rede pública. Enquanto ele acalmava a esposa e driblava o trânsito, um dos seguranças do condomínio entrou na casa, achou e matou a cobra. Era uma jararaca. Por sorte, o segurança achou a bicha soube identificá-la, coisa que eu, por exemplo, jamais saberia fazer. Por sorte, o hospital tinha o especifico soro antiofídico. E, ainda por sorte, Luciana foi prontamente atendida e sobreviveu.

Apesar de viver num paraíso privado, numa casa que nem parece fazer parte da cidade do Rio de Janeiro, Luciana, a vítima, não foi criada no meio do mato e não sabe identificar cobras, escorpiões ou lacraias. Eu, só fui saber que jararacas resolvem dar as caras no verão depois de conversar com meu pai, que por ter nascido no interior e convivido com meu avô, que foi caçador de cobras, sabe um pouquinho mais que eu.

Em busca do soro

Como sou neurótica, saí do hospital pronta para descobrir como poderia contrabandear soros antiofídicos de todas as possíveis espécies de cobras encontradas no país. Enfim, quando soube que o Ministério da Saúde era o único órgão responsável pela compra e distribuição de todos os soros disponíveis nos hospitais públicos do país, me senti impotente, assim como me sinto quando imagino que posso ser surpreendida, também dentro de casa, por um sujeito com uma arma de fogo em punho. E ainda teve gente afirmando que o segurança — o herói da história — não precisava ter matado a cobra. Bom, na hora, ele deve ter pensado em tudo, menos na sobrevivência daquele inocente exemplar da espécie.

O veneno da jararaca é tão forte que 70 mg são suficientes para matar um homem de cerca de 60 kg. “É vital que o soro seja aplicado o mais rápido possível, pois, do contrário, mesmo que a vítima não morra, o efeito do veneno causa necrose na região do ferimento levando, muitas vezes, à amputação da parte atingida, geralmente as pernas”, afirma Walter Villas, médico e ex-diretor do Hospital Geral de Bonsucesso.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, somente quatro hospitais podem salvar a vida das vítimas de picadas de cobras peçonhentas no Rio de Janeiro: Hospital Lourenço Jorge, na Barra; Hospital Estadual Pedro II, em Santa Cruz; Hospital Universitário do Fundão, na Ilha do Governador; e Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Caju.

No site da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, as dicas encontradas em caso de picadas de cobras são as seguintes:

Não perca tempo em procurar ajuda, pois o tratamento deve ser feito em até 30 minutos. Após a picada; deite e acalme a vítima, ela não deve locomover-se com os próprios meios. Lave o local da picada apenas com água ou com água e sabão. Aplique gelo no local da picada. Transporte (em maca) a vítima até o posto médico mais próximo, para aplicação do soro. E, leve a cobra (viva ou morta) para identificação. Só faltou o “Depois, dê três pulinhos e reze um pai nosso”.

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