Reportagens

Pisando em fósseis

No Tocantins, há uma floresta petrificada. Um patrimônio que contrabandistas de fósseis descobriram antes do governo, mas que agora começa a ser preservado.

Carolina Elia ·
16 de dezembro de 2004 · 21 anos atrás


Ele era dono da Mineração Pedra de Fogo Ltda. e tinha licença para explorar as jazidas de sílica da região, não os fósseis. O esquema foi descoberto e a
Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) encaminhou em 2000 um relatório ao Ministério Público exigindo providências. Coincidência ou não, em outubro do mesmo ano o Governo do Tocantins criou o Monumento das Árvores Fossilizadas, uma unidade de conservação de 32 mil hectares que engloba dezenas de fazendas onde foram encontrados os fósseis. Apesar dos saques, é a maior floresta petrificada do período Permiano no mundo. Existem parques semelhantes no Rio Grande do Sul e no estado americano do Texas, mas nenhum tem fósseis tão bem preservados como os de Filadélfia.



Segundo o paleobotânico Roberto Iannuzzi, do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na região tocantinense de Filadélfia existiam também fósseis de vegetais primos das coníferas (Cordaitales) e de cavalinhas (Equisetales), mas esse material foi vendido para cientistas alemães, que publicaram estudos na revista científica
Review of Paleobotany and Palynology. Na Alemanha o comércio de fósseis é legal, e os pesquisadores teriam comprado as peças de contrabandistas.

Mas há pesquisas que só nós podemos realizar. Como brincou o professor Roberto Iannuzzi, “as rochas, graças a Deus, eles não levam”. Ele se refere aos chapadões do parque, que junto com os fósseis fornecem pistas para a reconstituição do clima e da paisagem que existia na região há 260 milhões de anos. São os fósseis de plantas, e não os de animais, que permitem investigar os paleoclimas. “Florestas são indícios de um clima quente e úmido, uma vegetação mais pobre sinaliza a existência de um deserto”, explica o paleobotânico.


Em 2002, o professor Roberto Iannuzzi participou do levantamento geológico e paleontológico do Monumento das Árvores Fossilizadas. Ele afirma que os fósseis que sobraram têm grande valor científico e cultural. “Nós temos o direito de saber tudo sobre o Brasil e para isso é necessário preservar os registros. No mínimo, os fragmentos têm valor educacional”. Rosiel, que aos 38 anos tem planos de trabalhar como guia no parque, concorda: “Eu não sei de nada, mas meus filhos vão se formar. Eles vão precisar (dos fósseis) para estudar e não vão ter. Por mim, tem que conservar”.



A preservação dos fósseis pode gerar renda para a população local. “Em vez de vender patrimônio a preço de banana, preservá-lo pode melhorar a qualidade de vida”, diz Roberto Iannuzzi, que cita como exemplo o município de Souza, na Paraíba, onde foram encontradas pegadas de dinossauros. Hoje a região é conhecida como Vale dos Dinossauros e o turista vê os rastros dos gigantes exatamente onde eles foram encontrados.


O Tocantins é um estado rico em fósseis, mas também em projetos desenvolvimentistas. O Monumento das Árvores Fossilizadas vai ter que dividir espaço como a ferrovia Norte-Sul. Os trilhos passarão dentro do parque e a menos de um quilômetro do sítio paleontológico da fazenda Buritirana, como foi aprovado pelo Relatório de Impacto Ambiental da obra. A Sociedade Brasileira de Paleontologia está tentando incluir paleontólogos nas equipes que elaboram esse tipo de relatório, para evitar futuras perdas de patrimônio.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.