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Lei do Desmatamento paulista ameaça mananciais e nascentes

Ambientalistas alertam que flexibilização de regras ambientais ameaça abastecimento. Na Cantareira, criação de APA enfrenta resistência

Daniel Santini ·
16 de dezembro de 2014 · 9 anos atrás

Matas ao redor do Rio Jacareí, zona de nascentes do sistema que abastece São Paulo. Imagem: reprodução/Google Earth
Matas ao redor do Rio Jacareí, zona de nascentes do sistema que abastece São Paulo. Imagem: reprodução/Google Earth

Em meio à crise hídrica que afeta o Estado de São Paulo, a Assembleia Legislativa aprovou na semana passada o Projeto de Lei Nº 219/2014, que institui o Programa de Regularização Ambiental (PRA) previsto no Código Florestal nacional. Assim como a nova legislação nacional, o conjunto de regras aprovado pelos deputados paulistas prevê a flexibilização e redução da preservação ambiental no Estado de São Paulo. A iniciativa, proposta pelo deputado ruralista Barros Munhoz (PSDB), foi chamada por ambientalistas de Lei do Desmatamento, e foi especialmente criticada por consolidar a diminuição da proteção de nascentes e olhos d’água, reduzindo a faixa de preservação permanente para apenas 15 metros em áreas consolidadas. O texto também permite que proprietários possam compensar o desmatamento em São Paulo com reflorestamento em outros estados.  A mudança de legislação ainda têm que ser aprovada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que já concedeu entrevista sinalizando estar de acordo com o que foi votado.

A flexibilização da legislação ambiental no Estado de São Paulo acontece ao mesmo tempo em que avança a resistência contra a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Piracantareira, que institui medidas de preservação nas áreas do entorno do Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da capital. No último dia 28 de novembro, durante a 4ª Reunião Ordinária do Conselho Gestor da APA Piracantarareira, realizada em Campinas, foram tantas as manifestações criticando as medidas de preservação que ficou decidido que o texto seria votado item por item. Como não houve tempo hábil, os itens rejeitados e remanescentes ficaram de ser votados em reunião extraordinária prevista para esta terça-feira, dia 16, em Bragança Paulista. Entre os que têm se posicionado contra o zoneamento integral, com e sem direito a voto, estão sindicatos rurais, representantes dos municípios e a própria Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), que é ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista.

“A coisa é assim: São Paulo está sem água, precisa gastar menos e produzir mais. Produzir mais, pelo que vemos nas ações do governo, por enquanto é só buscar mais água de algum outro lugar. É preciso também gerar mais água, e de mais qualidade. E gerar mais água passa necessariamente por preservar e reflorestar mananciais”, explica o ambientalista Marcelo Mig, proprietário de um sítio em Joanópolis (SP), em uma área de nascentes vizinha ao Rio Jacareí. Junto com vizinhos, ele tem trabalhado no reflorestamento da região, incentivando o plantio de espécies nativas e a recomposição da mata em áreas desmatadas. “A gente já vê brotar água onde antes estava seco. Os mais antigos contam que no terreno onde hoje o curso d´água é só um fio, já foram rios grandes. Podemos recompor isso”, afirmou.

Além de favorecer a formação de cursos de água, a mata tem atraído animais como esquilos, saguis e sauás. Estes últimos, macaquinhos que vivem em casais ou pequenas famílias, se adaptam bem em pequenas áreas florestais e têm conseguido sobreviver com alguma dificuldade. Mig acredita que os que moram na mata que recompôs são da espécie Callicebus personatus, em risco desde 2003 segundo a lista de espécies ameaçadas de extinçãodo Ministério do Meio Ambiente, ou Callicebus nigrifrons, considerados quase ameaçados de extinção. Ele registrou a presença dos sauás em vídeo.

“Na prática o que ocorre é que alguns municípios, como Joanópolis, que fica na região de nascentes do Sistema Cantareira, caminham no sentido contrário ao da preservação. Incentivam a ocupação de qualquer área, inclusive de mananciais, visando aumentar a arrecadação de IPTU. O método é simples: declaram todo o município como ‘de expansão urbana’, em vez de somente as áreas vizinhas dos limites da zona urbana, e assim elimina-se a classificação de ‘área rural'”, detalha Mig. “Com isso, loteamentos em áreas rurais de mananciais, que nunca deveriam ser aprovados, principalmente considerando a urgente necessidade de água que vamos ter daqui para a frente, acabam recebendo pareceres favoráveis de órgãos como a Cetesb, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo (Graprohab). Isso acontece justamente porque, por se tratarem de áreas urbanas, esses órgãos são obrigados a seguir regras muito mais permissivas quanto à quantidade e área dos lotes, saneamento. E a prefeitura os aprova, em flagrante agressão à necessidade maior de abastecimento da população de todo o estado”, afirma.

((o))eco contatou a assessoria de imprensa da Prefeitura de Joanópolis, que informou que a alteração que fez com que todo o município fosse declarado como em “expansão urbana” foi adotada em gestão anterior, e que a atual não é contrária à criação da APA. A assessoria indica, porém, que existe uma preocupação em relação ao fato de que, se aprovada integralmenta a proposta, na maior parte do município haverá restrições a práticas agrícolas, à pecuária, e a outras atividades, o que provocaria impacto social e econômico que deve ser considerado.

 

 

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  • Daniel Santini

    Responsável pela plataforma ((o)) eco Data. Especialista em jornalismo internacional, foi um dos organizadores da expedição c...

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